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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Rio tem 14 casos de malária confirmados após 40 anos livre da doença

Um morador da Região Serrana e 13 da capital tiveram a doença identificada pela Fiocruz

no Globo


RIO - O calor e a seca recorde deste verão parecem ter trazido mais tormentos do que falta de água e permanente desconforto. Um desequilíbrio ambiental pode estar entre as possíveis causas de um episódio de malária autóctone — em bom português, nativa do lugar — no Estado do Rio. São poucos casos, 14 pessoas neste verão, segundo o geneticista da UFRJ Mariano Zalis, que participa do grupo que estuda a malária na Mata Atlântica, liderado pela Fiocruz. Mas o padrão molecular do parasita, segundo ele, parece ser novo, para uma infecção da qual o estado se considerava oficialmente livre há quatro décadas. Não há motivo para pânico, mas sim para cuidados na hora de se aventurar em ambientes naturais, o que deve ser feito sempre com a proteção de repelentes de insetos.

De acordo com Zalis, todos os casos, à exceção de um, são de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro, que haviam passado férias no início do verão em casas dentro de matas da Serra, em florestas nas cercanias de Petrópolis, Friburgo, Lumiar, Sana e Guapimirim. Em comum, muitos casos de banhos de cachoeiras, que neste ano de seca recorde — a pior registrada no estado — tornaram-se criadouros naturais para o mosquito transmissor do parasita plasmódio, que provoca a malária.

As larvas do mosquito Anopheles kertezia cruzii se desenvolvem dentro do copo das bromélias da Mata Atlântica. Normalmente, as chuvas as varrem e ajudam a controlar a doença. Com a seca, as larvas se desenvolvem em maior número e vão buscar a água das cachoeiras para recomeçar um novo ciclo. E as cachoeiras, assim como outros pontos da mata, tornam-se criadouros naturais.

Os macacos bugios são hospedeiros naturais do parasita. A fêmea do mosquito pica o macaco contaminado e leva a doença para outro primata não humano. Desta vez, porém, o plasmódio tem sido transmitido ao homem. Zalis e outros pesquisadores investigam a hipótese de a malária nunca ter deixado a Mata Atlântica, mas ter se beneficiado das condições particularmente anômalas deste verão para se expandir.

SEM MOTIVO PARA PÂNICO

Os cariocas não devem entrar em pânico, pois a forma de malária detectada aqui não é letal. E parece ser uma variação recém-descoberta — o que não significa que seja necessariamente nova — nativa da Mata Atlântica do Estado do Rio. Ela não mata nem causa complicações graves, mas pode ser um transtorno. Se não tratada da forma correta, pode provocar episódios de febre, indisposição, dores pelo corpo, prostração por um longo período de tempo — dia sim, dia não. Com o tratamento certo, no entanto, oferecido na Fiocruz, esses sintomas desaparecem.

Os pacientes haviam procurado alguns dos melhores hospitais do Rio. O problema é que os médicos não estão acostumados a lidar com doenças como a malária, típicas da Amazônia. Por isso, encontram mais dificuldades para fazer o diagnóstico.

Os casos foram identificados pelo Ambulatório de Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fiocruz, que integra o Centro de Diagnóstico e Treinamento da Malária (CPDMAL), liderado pelo médico imunologista Cláudio Tadeu Daniel Ribeiro, um dos maiores especialistas do mundo na doença.

O trabalho faz parte da pesquisa de Patricia Brasil, chefe do DFA/INI, e de Anielle PinaCosta, enfermeira e doutora do mesmo serviço. Estudos moleculares estão sendo conduzidos pelo grupo do geneticista Mariano Zalis, do Laboratório de Infectologia e Parasitologia Molecular do Hospital Universitário Clementino Fraga da UFRJ e também pioneiro no estudo genético da malária no Brasil, e pelo grupo de Cristina Brito, da Fiocruz de Belo Horizonte. Eles fazem parte do projeto “Malária da Mata Atlântica”.

O objetivo é o total sequenciamento do genoma do parasita plasmódio, causador da doença, para a identificação de sua origem. De acordo com Zalis, da UFRJ, entre os 14 casos há uma mulher e uma criança — ela havia tomado banho de cachoeira com o filho e o marido.

Os especialistas destacam que não é caso para deixar de frequentar essas áreas, mas de atenção com os sintomas e a busca de tratamento de adequado. O uso de repelente é essencial para qualquer um que entre em área de floresta. Não somente pela malária, mas também para evitar dengue ou meras picadas desagradáveis.

Por falta de conhecimento dos médicos do município do Rio, desacostumados com malária, o tempo entre o aparecimento dos sintomas — o que acostuma acontecer em torno de dez dias após a infecção — até o diagnóstico pode levar mais de 40 dias. Não se trata de problema de atendimento, pois a maioria dos pacientes esteve em clínicas particulares conceituadas. Mas só quando procuraram a Fiocruz receberam diagnóstico adequado. Nenhuma das vítimas corre risco de morte. Todas estão bem.

— O aparecimento da malária nas florestas serranas é mais um alerta ambiental. As pessoas estão cada vez mais dentro da mata. Esse fenômeno aconteceu também na Malásia e um parasito que causava doença apenas em macacos passou a provocar doenças graves em seres humanos. A solução passa por uma maior compreensão e monitoração da floresta. Vivemos junto a florestas, amamos estar lá. Precisamos compreendê-las melhor. Mas o Brasil tem feito um trabalho muito bom na redução de casos na Amazônia, que já foram mais de 600 mil registrados em 1999, e hoje são 150 mil — observa Claudio Ribeiro.

MISTÉRIO NA FLORESTA

Em seu laboratório na UFRJ, o geneticista Mariano Zalis e sua equipe tentam sequenciar o genoma do plasmódio dos casos de malária da Mata Atlântica. Sabem que se trata do Plasmodio vivax, dos tipos de parasita da doença que afetam o Brasil, porém, bem mais brando que o falciparum. Este é encontrado na Amazônia e pode provocar malária cerebral. O vivax identificado nas serras do Rio, ao que tudo indica, pode ter sofrido uma variação, que o atenuou ainda mais.

— Ainda temos que analisar mais amostras, mas uma das possibilidades é que essa variação tenha sofrido algum tipo de mistura com o parasita que infecta macacos. Sabemos que se trata do vivax, mas não é o vivax comum — afirma Zalis.

Zalis investiga — e por enquanto deixa bem claro que se trata apenas de uma hipótese que ainda precisa ser muito estudada — se pode se tratar de uma nova espécie de plasmódio.

— O que vemos é uma transmissão de malária de macaco para gente. Não sabemos quando isso aconteceu. Pode ter sido um evento antigo, de muitos anos. Ainda é cedo para saber, precisamos de mais amostras de DNA para continuar as pesquisas.


O cientista explica que a malária é uma doença relativamente comum em macacos e que isso não constitui um problema para o ser humano. A questão agora é saber como a contaminação aconteceu.

— A floresta ainda tem muito a nos revelar — frisa o cientista. 

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