QUANDO O ATRASO CONVOCA O MODERNO O RESULTADO É RETROCESSO
Não bastasse estarmos em meio à maior crise sanitária, econômica, social, política, e humanitária do Brasil, na última quinta-feira, 23 de julho de 2020, fomos surpreendidos com mais uma bomba.
O presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, anunciou em entrevista a pretensa “modernização” do Sistema Único de Saúde (SUS).
No dia seguinte, 24 de julho, Maia avançou.
Propôs um grupo de trabalho para discutir um projeto de lei que “moderniza o SUS”.
Estranhamente, ele alijou dessa tarefa parlamentares que integram as comissões de Seguridade Social e Família e a recentemente criada de Combate ao Coronavírus.
Tampouco chamou para integrar o grupo de trabalho o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que reúne usuários, trabalhadores, gestores e prestadores de serviços de saúde do SUS.
Instância maior de participação da sociedade, o CNS tem o poder de deliberar sobre a política de saúde brasileira.
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas leis 8.080 e 8.142, de 1990.
Fruto da luta histórica do povo brasileiro, o SUS, ao longo dos seus 30 anos, vem sendo reconhecido como a política pública mais inclusiva do País, pois atende 100% da população brasileira de forma integral e equânime.
Desde a sua criação, o SUS está estruturado sob eficazes bases de articulação interfederativa.
Uma comissão intergestores tripartite (criada em 1993) pactua a implantação do SUS e a divisão de recursos financeiros entre as três esferas de governo.
Para formulação, fiscalização e deliberação acerca da gestão, existem conselhos de saúde formados pelas representações da sociedade.
São espaços plurais que buscam atender às necessidades da população nos bairros, municípios, estados e União, aproximando a saúde da democracia participativa, essencial à compreensão e sustentação de um sistema público.
Isso é essencial para garantir a saúde como “direito de todos e dever do estado”, como estabelece a Constituição Federal de 1988.
Isso de um lado.
De outro lado, para muitos, a saúde é tratada como mercadoria, podendo gerar altos lucros.
Isso, sim, de longe, objetivam os interesses dos oligopólios industriais que dominam pesquisa, produção, distribuição e comercialização de medicamentos e materiais médicos.
Também a venda de planos de saúde (individuais e coletivos), que hoje consomem a renda das famílias, especialmente para atendimento das pessoas com mais de 60 anos.
Historicamente, o SUS sempre foi campo de disputa entre o setor público e o privado.
O resultado é um financiamento insuficiente para sua efetiva implementação e garantia de seus princípios e diretrizes.
A Reforma Administrativa de 1995 retirou a saúde das ações estratégicas do Estado.
O orçamento da saúde da Emenda Constitucional nº 29/2000 não vinculou investimento financeiro ao Produto Interno Bruto.
Os vínculos empregatícios dos trabalhadores de saúde são precários e descontinuados, resultando em salários inadequados.
E os serviços são insuficientes para dar conta das necessidades da população.
Mesmo assim, o SUS vem resistindo bravamente.
A longo de três décadas de existência, tem contribuído para reduzir as causas de adoecimento e morte, enfrentando problemas de saúde típicos do século 19.
Assim como os que caracterizam o século 21.Por exemplo, doenças crônico-degenerativas ( como o câncer, a hipertensão, diabetes), malária, febre amarela, dengue e, agora, também a covid19.
Ou seja, problemas que, em suas especificidades e singularidades, afetam de modo geral toda a população brasileira.
Aliás, se não tivéssemos o SUS a catástrofe sanitária causada pela covid-19 seria muitas vezes mais devastadora.
O que cabe então a um de nós, agora, que o SUS está de novo sob ameaça?
A nós, defensores da saúde públlica, reafirmar o SUS como um sistema universal de saúde.
Aos que propõem “modernização do SUS”, recomendo revogar já a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou recursos públicos por 20 anos.
Sugiro também ampliar os investimentos para saúde.
É o caminho mais sensato para garantir a vida e saúde dos milhões de brasileiros.
Recorrer ao surrado discurso de “problemas de gestão” é pura tergiversação.
É uma forma de esconder os verdadeiros motivos da dita “modernização”: conluio com interesses globalizados de lucros acima da vida.
Isso só causará retrocessos.
O objetivo o SUS é a promover a saúde. E isso o SUS faz.
O outro caminho é a morte. Muitas e mais mortes de milhões e milhões de brasileiros de todas as faixas etárias.
*Eliane Cruz é assistente social, educadora popular, mestra em Direitos Humanos e Cidadania e doutoranda da Cátedra UNESCO de Bioética, da Universidade de Brasília (UnB). É a coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT.
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