Os pesquisadores Grazielle David e Bruno Moretti, dois dos 34 escritores que integram o livro “Economia pós-pandemia”, discutiram o impacto da austeridade fiscal junto aos direitos sociais, em debate mediado pelo jornalista Luis Nassif e transmitido pela TV GGN nesta quinta-feira, 03 de dezembro.
Conselheira do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), especialista em orçamento público, mestre em saúde coletiva – economia da saúde e especialista em Bioética, Grazielle David apresenta uma análise do teto de gastos e seu impacto sobre os direitos sociais ao longo dos anos, em especial na saúde e na educação.
Segundo a pesquisadora, é comum ouvir a afirmação de que ‘não se limitou os gastos para saúde e educação, pelo contrário’. Na verdade, isso “não corresponde à realidade – nem teórica, nem legal e nem dos fatos que estamos vivendo”.
“As garantias de piso à saúde e educação eram pisos constitucionais e, quando você faz a emenda constitucional, o primeiro efeito que o teto dos gastos têm para saúde e educação é justamente alterar a forma como se calcula esses pisos”, explica Grazielle. “A gente perde a garantia de piso anterior e passa a ter uma nova regra, que passa a ser que, em 2017, seria aplicado um determinado montante em cada uma dessas áreas e, depois, esse valor que passa a ser um novo piso, não mais um piso vinculado como antigamente, mas agora o gasto de 2017 somente com ajuste da inflação ao longo dos anos”. Desta forma, não se registra um crescimento real dos gastos, e sim uma correção inflacionária.
Porém, como Grazielle lembra, “a população vai continuar crescendo, vai envelhecer, e agora nós temos um cenário ainda mais dramático que é o cenário de pandemia, que temos diversos efeitos que vão permanecer no próximo ano e por muitos anos (…)”.
Além de não preservar a saúde e a educação, a lei do teto de gastos também comprometeu outras políticas sociais. “Se a gente olha para a política para as mulheres, para a política de prevenção de violência contra mulheres – vale lembrar que o número de casos de violência contra mulheres aumentou expressivamente durante a pandemia – as políticas específicas perderam financiamento de forma bastante assustadora nos últimos anos”, diz Grazielle, citando uma redução de 65% nas políticas de prevenção contra as mulheres entre os anos de 2016 e 2019, enquanto os indicadores se agravam e a violência aumenta.
A pesquisadora também lembra a questão de segurança alimentar – “o Brasil havia saído do Mapa da Fome e agora está voltando. O que evitou isso esse ano foi a renda emergencial, mas se ela chegar realmente ao fim a fome realmente retorna ao Brasil, e as políticas de segurança alimentar foram reduzidas tanto no seu financiamento quanto na sua execução”.
O impacto do teto de gastos sobre a saúde
Já Bruno Moretti, economista pela UFF, mestre em Economia pela UFRJ, doutor e pós-doutor em Sociologia pela UnB, discute especificamente o impacto da lei do Teto na Saúde, a começar por uma análise do panorama europeu, que passou por fortes medidas de austeridade após a crise de 2008, e citando países como Itália (que registra algo como 6,5% do PIB em gastos públicos com Saúde) e Inglaterra (com 8% do PIB em saúde)
“No caso brasileiro, após a emenda constitucional 29 nos anos 2000, até o momento anterior à emenda constitucional do teto de gastos, o Brasil acresceu um pouco os gastos públicos em relação ao PIB, mas esse gasto hoje é algo como 4% do PIB”, diz Moretti, enfatizando a disparidade do gasto público brasileiro com saúde ante outros países.
“Boa parte dos gastos públicos com saúde no Brasil – algo em torno de 60% dos gastos – fica concentrado em estados e municípios, que tem menor capacidade financeira de manter esses gastos em relação à União”, explica, lembrando que o país parte de um patamar muito deprimido no comparativo internacional.
E a emenda constitucional do teto de gastos para a saúde – os valores mínimos obrigatórios a se aplicar em saúde passaram a ficar estagnados nos níveis de 2017 – acaba piorando o quadro. “Em termos mais simples: com ganhos reais de receita, esses ganhos não são mais revertidos para a saúde que são ou estão entre as mais demandadas pela população diante desse mecanismo de congelamento do piso de aplicação em saúde, estimamos uma perda entre 2018 e 2020”.
E as cifras perdidas não são pequenas. Moretti diz que, sem considerar os recursos extraordinários da pandemia, o SUS (Sistema Único de Saúde) perdeu R$ 22,5 bilhões entre 2018 e 2020, mesmo com o aumento da demanda por serviços de saúde. “A partir de 2021, com a retomada do teto de gastos, o risco é a Saúde perder algo em torno de R$ 40 bilhões, quando se olha para a proposta orçamentária do governo”.
Para o economista, tal quadro só será revertido por meio de uma revisão estrutural das regras de gastos, do teto de gastos, e da combinação do teto com a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) – “se o Brasil tiver uma meta de resultado primário para o ano que vem como já está se discutindo, e havendo frustração de receita, a despesa ainda será contingenciada ficando abaixo do teto, uma estratégia de caos econômico e social”.
Uma expectativa de alento para o setor é a luta iniciada pelo Conselho Nacional da Saúde, que propõe um piso emergencial para manter o orçamento de 2021 indexado aos valores que foram ampliados em 2020 em função da pandemia “para mitigar o caos econômico e social que está sendo produzido por essas regras tanto nos casos de saúde como na retirada de auxilio emergencial”, diz Moretti.
Esses e outros pontos sobre questões fiscais, sociais e de saúde podem ser acompanhados ao longo do programa. Veja a íntegra abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=v87HddM54r8&feature=youtu.be
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