da Folha Online
O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, afirmou nesta quarta-feira que o fato de Manuel Zelaya, um rico proprietário de terras, ter se tornado "esquerdista" depois de chegar ao governo foi um dos motivos para que fosse deposto, quando tentava mudar a Constituição de uma forma considerada ilegal pela Suprema Corte.
"Tiramos Zelaya por seu esquerdismo e corrupção. Ele foi presidente, liberal, como eu. Mas se tornou amigo de Daniel Ortega, [Hugo] Chávez, [Rafael] Correa, Evo Morales", declarou Micheletti, referindo-se aos presidentes de Nicarágua, Venezuela, Equador e Bolívia, respectivamente.
Em entrevista ao jornal argentino "Clarín", Micheletti, ex-presidente do Congresso elevado à Presidência há três meses após a deposição de Zelaya, disse que a posição do presidente deposto "preocupou" as autoridades do país, porque ele "se tornou esquerdista" e convidou "comunistas" para compor seu governo.
Indagado sobre a necessidade de promover reformas e mudanças sociais em um país pobre como Honduras --o que é reivindicado por Zelaya-- Micheletti comentou que "pode haver reformas, inclusive constitucionais", mas desde que não afetem três pontos: "território, forma de governo e reeleição".
Ele reconheceu, entretanto, que a forma como foi feita a deposição talvez não tenha sido a melhor maneira de punir os crimes atribuídos a Zelaya.
"Nosso único erro foi tirá-lo [do poder] como tiramos. De resto, atuamos conforme a lei. Ele violava a Constituição ao buscar uma Constituinte para uma reeleição. Se o tivéssemos prendido e deixássemos aqui, teríamos mortos", argumentou Micheletti, que desde esta segunda-feira passou a adotar um tom mais conciliador, depois de ter endurecido medidas de segurança e fechado duas emissoras oposicionistas que transmitiam pronunciamentos de Zelaya, abrigado desde a semana passada na Embaixada do Brasil em tegucigalpa, após voltar clandestinamente ao país.
Micheletti, que começou a ver fissuras no apoio da elite hondurenha ao seu governo, também acusa Zelaya de corrupção. "[Ele] roubou 700 milhões de lempiras (US$ 36 milhões) para sua reforma constitucional. Gastou milhões para passear de helicóptero e com assessores", declarou.
Eleito em 2005 pelo Partido Liberal, o mesmo de Micheletti, Zelaya, de 57 anos, passou a desagradar antigos aliados ao tomar iniciativas como o aumento do salário mínimo em meio à crise econômica e a crescente proximidade com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de quem recebia petróleo subsidiado.
Em 2007, obrigou meios de comunicação do país a transmitirem duas horas de propaganda oficial, e no ano seguinte levou Honduras a aderir à Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), bloco capitaneado por Chávez, rompendo uma tradição de alinhamento do país com os Estados Unidos.
Histórico
Zelaya voltou a Honduras no último dia 21, quase três meses depois de ser expulso. Nas primeiras horas do dia 28 de junho, dia em que pretendia realizar uma consulta popular sobre mudanças constitucionais que havia sido considerada ilegal pela Justiça, ele foi detido por militares, com apoio da Suprema Corte e do Congresso, sob a alegação de que visava a infringir a Constituição ao tentar passar por cima da cláusula pétrea que impede reeleições no país.
O presidente deposto, cujo mandato termina no início do próximo ano, nega que pretendesse continuar no poder e se apoia na rejeição internacional ao que é amplamente considerado um golpe de Estado --e no auxílio financeiro, político e logístico do presidente venezuelano -- para desafiar a autoridade do presidente interino e retomar o poder.
Isolado internacionalmente, o presidente interino resistiu à pressão externa para que Zelaya fosse restituído e governou um país aparentemente dividido em relação à destituição, mas com uma elite política e militar --além da cúpula da Igreja Católica-- unida até esta semana em torno da interpretação de que houve uma sucessão legítima de poder e de que a Presidência será passada de Micheletti apenas ao presidente eleito em novembro. As eleições estavam marcadas antes da deposição, e nem o presidente interino nem o deposto são candidatos.
Mas o retorno de Zelaya aumentou a pressão internacional sobre o governo interino, alimentou uma onda de protestos e fez da crise hondurenha um dos temas da Assembleia Geral da ONU, reunida em Nova York neste mês. A ONU suspendeu um acordo de cooperação com o tribunal eleitoral hondurenho e a OEA planeja a viagem de uma delegação diplomática a Honduras para tentar negociar uma saída para o impasse.
Além disso, a coesão da elite hondurenha começou a apresentar sinais de desgaste desde a semana passada, e os protestos em favor do governo interino, comuns no início da crise, passaram a ser superados de longe, em número e volume, pelas manifestações pró-Zelaya, que desafiaram os toques de recolher e o estado de exceção.
Pelo menos três pessoas morreram em manifestações de simpatizantes de Zelaya reprimidas pelas forças de segurança, mas o grupo pró-Zelaya diz que até dez pessoas podem ter morrido.
Com Ansa
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