Profissionais e estudantes discutem formas de avaliação dos cursos de graduação. Ideia é melhorar capacitação dos recém-formados
A discussão foi iniciada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado de São Paulo. Lá, os conselheiros decidiram há quatro anos implementar um exame facultativo. Na primeira prova, em 2005, a taxa de reprovação foi de 31%. Em 2008 este número foi de 61%. Agora os conselheiros planejam levar esta discussão aos demais estados do Brasil. No Paraná, o CRM ainda não tem uma posição institucional, mas os conselheiros devem se reunir para debater o tema até o final do ano.
O número de ações contra médicos que chegam aos tribunais brasileiros também está aumentando. Levantamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostrou um crescimento de 231% no número de processos por erro médico. Em 2002, houve 120 ações, 303 em 2007 e 398 no ano passado. No Paraná, o Conselho teve 114 julgamentos por erros médicos e 39 condenações.
O consenso entre os especialistas é que os cursos de Medicina precisam ser fiscalizados, mas uma prova única como ocorre no Direito não é o caminho. Isso porque a punição ficaria somente em cima dos estudantes e as más faculdades ficariam livres. Outro argumento é que nem sempre um bom conhecedor apenas das teorias será um bom médico. Há questões técnicas e práticas que ficam de fora da avaliação.
O professor da Universidade de São Paulo e ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica, Milton de Arruda Martins, afirma que a sociedade espera uma resposta a partir dessas avaliações, mas os bons médicos não virão por esse caminho. “O exame não melhorou a qualidade dos advogados e nem o Exame Nacional do Ensino Médio melhorou a escola pública”. Outro ponto levantado pelo professor é que os recém-formados que não passarem na avaliação exercerão a Medicina de forma ilegal. “O bacharel em Direito que não tem sucesso na prova pode ir para outros campos, mas o médico não”.
A proposta dele é a criação de uma avaliação seriada durante a graduação. Ela envolveria tanto a parte teórica quanto prática e daria chances para o aluno melhorar. “Além disso, a faculdade também seria responsabilizada, porque afinal de contas, se há maus acadêmicos é porque a formação é falha”, diz Martins.
A presidente do Cobem 2009, a pediatra Patrícia Tempski, também tem opinião semelhante. Ela lembra que nos últimos anos houve um boom de abertura de cursos de Medicina e muitas faculdades não têm capacidade para formarem médicos. A grande questão é que com a avaliação depois do fim da graduação, as más escolas ficam impunes e somente os futuros profissionais são punidos.
A professora da Universidade de São Paulo Maria do Patrocínio Tenório Nunes afirma que uma prova única é contrária ao que entende hoje na educação como avaliação. “Esse tipo de exame cria profissionais de duas categorias. E os de segunda continuarão atuando porque não há como fiscalizar”. Ela lembra que países que implementaram ações semelhantes tiveram maus resultados. Já nos países desenvolvidos, foram desenvolvidos sistema de certificação para as faculdades.
Na sala de aula a professora da Faculdade Evangélica Lívia Sissi Gonçalves Souza também vê esse debate entre os estudantes. Ela acredita que é preciso uma avaliação, mas no formato correto. “Do jeito que está posto, haverá uma solução somente paliativa e imediata. Mas se queremos bons médicos de verdade esse não pode ser o único caminho”.
Estudantes
Entre os acadêmicos o tema também é controverso. O coordenador da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, Ramon Rawache, afirma que a qualidade dos novos médicos é uma questão de saúde pública, portanto não pode ser observada somente sobre o prisma avaliativo. “Se temos maus profissionais, há algo errado desde a base. Se um local com pesquisa, ensino e extensão não consegue capacitá-los, um cursinho, como ocorre no Direito, conseguirá?”.
Os estudantes da Universidade de São Paulo Gabriel Vecchi e João Luiz Madeira acreditam que somente uma prova faria um filtro apenas superficial. “A Medicina não é uma profissão teórica, envolve muita prática. Nem sempre um médico que decora um livro será um bom profissional”, diz Vecchi. Já Madeira afirma entender a preocupação da sociedade, porque o que aprendem são questões de vida e morte. “Traria um alívio imediato, mas a questão é muito maior”.
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