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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Dr. Rosinha: Acho que morri

“Desta vez morri de morte matada e cheguei a essa conclusão porque no final do ano passado não recebi a enxurrada de cartões e tampouco os rios de agendas e calendários”, diz deputado, às vésperas de deixar a Câmara


Dr Rosinha no Congresso em Foco


“Acho que morri.” Esta a curta frase eu disse para a minha assessoria, próximo ao final do mês de dezembro passado, no fim de 2014. Desde a primeira legislatura de que participei como deputado federal, em 1999, sempre no final do ano recebia enxurradas de cartões de feliz natal e próspero ou bom ou feliz ano novo. Este tipo de cartão e cumprimento recebia inclusive de alguns adversários, às vezes até inimigos (hipocrisia) políticos.

Também recebia rios de agendas e calendários e inúmeras lembranças e lembrancinhas. As agendas e calendários eram tantas que não sabia o que fazer. Saía distribuindo, mas nem todos queriam. Muitas, para não ter outro destino, viravam ‘caderno’ de (borrão) anotações. Desculpe-me pela sinceridade, mas o que fazer com agenda de papel se a maioria tem agenda eletrônica?

Recomendo às empresas, aos sindicatos, etc. que façam economia: deixem de distribuir agendas e inclusive calendários. Hoje, a grande maioria da população tem celular e não há um celular que não tenha calendário e agenda.

Mais raramente, recebia também uma ou outra cesta de natal, chocolate, ou garrafa de vinho. Mas o que mais gostava de receber eram livros e CDs. Recebi ao longo da minha vida de parlamentar excelentes livros e raros CDs, e muitos deles guardo como relíquias. Dentre os CDs há uma caixa que contém todas as gravações de Clementina de Jesus.

Abro um parêntese: muitos, principalmente jovens, não conhecem Clementina de Jesus, pois raramente é tocada nas rádios. Recomendo que procurem ouvi-la. Rainha Quelé, como era conhecida, carregava uma carga de cultura africana raramente encontrada em outra cantora e era dona de uma voz indescritível (por isso não descrevo). Gravou seu primeiro (LP) disco já com mais de 60 anos. Fecho o parêntese.

Volto ao tema: todas estas lembranças, lembrancinhas, presentes e cumprimentos eram oferecidos por empresas, ONGs, sindicatos e detentores de algum poder ou mandato como deputados, ministros, prefeitos, senadores e até vereadores. Toda esta lista de “presentes” o inocente pode imaginar que é dado de coração ou por verdadeiro desejo que realmente tenha um feliz natal e um bom ano novo. Não é bem assim.

A maior parte dos “presentes” é oferecido por interesse. Uma pequena parte dos presentes é dado de coração, reconhecimento e respeito. Já sabia que era assim, pois afinal por que um adversário ou inimigo político te desejaria bom ano novo se no novo ano terá eleição e você será concorrente dele, portanto tentará derrotá-lo ou ele te derrotará.

Tenho consciência de que ao longo da vida morremos muitas vezes. Algumas delas, somos nós que nos sentimos mortos, outras nos matam. Exemplo: quando alguém perde uma eleição logo há quem proclama: “o fulano morreu para a política. Depois dessa não ganha mais nenhuma”.

A declaração de morte ocorre em muitas outras oportunidades, como, por exemplo, na vida amorosa. Quando há uma ruptura de namoro e um dos lados declara: “você está morto(a) para mim”.

Abro outro parêntese:

Uma das melhores declarações de assassinato é do poeta Mario Quintana. Escreve Quintana: Da vez primeira em que me assassinaram, / Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. / Depois, a cada vez que me mataram, / Foram levando qualquer coisa minha​ [...]‘.

Fecho o parêntese.

Acho que morri e foi de morte matada. Tenho absoluta certeza de que não foi suicídio. Assim como Quintana​, houve a primeira vez que me assassinaram e provavelmente deram o atestado de óbito que sequer fiquei sabendo. Outras vezes tomei conhecimento e realmente levaram qualquer coisa de mim e então perdi um “jeito de sorrir que eu tinha”.

Desta vez morri de morte matada e cheguei a essa conclusão porque no final do ano passado não recebi a enxurrada de cartões e tampouco os rios de agendas e calendários. Não chegou a meia dúzia de livros, uma garrafa de vinho e nenhum CD. Recebi uma cesta de natal (de coração) de uma amiga.

Isto demonstra que a maioria dos presentes, lembranças e lembrancinhas que os portadores de mandatos recebem é por interesse. Como não fui candidato​ à​ reeleição e fiquei sem mandato, me mataram. Como das vezes anteriores, esta não será a última vez que me mataram. Como das vezes anteriores saio vivo, porém com um jeito novo de sorrir.

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