Páginas

domingo, 13 de dezembro de 2015

Daniela Arbex (autora de Holocausto Brasileiro) escreve ao ministro sobre ameaça de retrocesso na Saúde Mental

Senhor ministro


Uma das maiores lutas contra a exclusão e a segregação de pessoas com transtornos mentais, a reforma psiquiátrica, está ameaçada. Na quinta-feira, o Ministro da Saúde Marcelo Castro anunciou, durante audiência com os movimentos sociais ligados à saúde mental, que vai substituir o atual Coordenador Nacional de Saúde Mental, Roberto Tykanori Kinoshita, pelo médico Valencius Wurch Duarte Filho.
Valencius é ex-diretor do maior hospício privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi. A entidade foi fechada, em 2012, após longo processo na Justiça que determinava a desativação de um hospital onde 94% dos internos nunca receberam visitas de um amigo, lugar que foi alvo de intervenção conjunta do município do Rio de Janeiro, do Estado e do Governo Federal em 2004. Por anos, a unidade submeteu a condições desumanas os pacientes encaminhados para lá, inclusive presos políticos.

Valencius, que em 1995 dirigia essa unidade, veio a público naquele mesmo ano criticar o então projeto de lei do deputado federal Paulo Delgado que propunha a extinção dos leitos psiquiátricos de baixa qualidade e o fim dos manicômios brasileiros que nunca trataram seus pacientes. Na época, o psiquiatra disse que os fundamentos que nortearam o projeto de lei eram de caráter ideológico e não técnico e se baseavam em situações ultrapassadas.
Para mim, ultrapassado é defender modelos de atendimento que não dignificam o ser humano e que sejam incapazes de reinserir o indivíduo à sociedade. Ultrapassado também é condenar à morte milhares de brasileiros que foram retirados do convívio social, porque eram considerados indesejáveis. É subtrair o direito a tratamento digno. É não enxergar o quanto empresários lucraram com a abertura de leitos psiquiátricos não resolutivos, que cronificaram, durante décadas, pessoas capazes e as transformaram em zumbis.
Também é ultrapassado não reconhecer os avanços promovidos pelas redes de substituição ao modelo hospitalar que trabalham para que os esquecidos ganhem visibilidade, reconhecendo a dívida histórica que o país tem com os seus loucos. Ultrapassado é, principalmente, ignorar que o tratamento em liberdade é um caminho sem volta.
Senhor ministro, ainda dá tempo de pensar melhor. O país não vai aceitar mais um retrocesso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário