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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

HC-SP sob ameaça (quem diz é o Estadão)


Está pronto para ser votado pela Assembleia Legislativa de São Paulo projeto de lei complementar que, sob a justificativa correta de atender à necessidade de mais recursos para um hospital que se transformou em modelo de atendimento, cria uma aberração administrativa e institucionaliza um desvio ético no serviço público.

Trata-se do projeto de lei complementar apresentado em 2006 pelo então governador Cláudio Lembo que, ao transformar em autarquia especial o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP - uma das instituições hospitalares mais importantes do País e cujos serviços são reconhecidos internacionalmente por sua excepcional qualidade -, o autoriza a atender possuidores de planos de saúde, cobrando pelos serviços que prestar.

Muitas mudanças foram feitas no texto original apresentado há cinco anos, mas seus pontos essenciais foram mantidos. O projeto assegura maior autonomia aos gestores, para que a instituição possa contratar com mais rapidez profissionais que conheçam as mudanças tecnológicas mais recentes e as modernas técnicas hospitalares, como lembrou ao Estado o membro do Conselho Deliberativo do HC José Octavio Auler Júnior. Mas permite ao HC a venda de serviços de pesquisa e assistência, por meio de fundações que o apoiam.

O atendimento a planos de saúde e a cobrança pelos serviços do HC são justificados como necessários para assegurar mais recursos à instituição e, desse modo, capacitá-la a melhorar o atendimento a todos os pacientes, sobretudo os que são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É um argumento frágil.

Hospitais privados ou geridos por organizações sociais (OS) por meio de contrato com instituições do Estado, que lhes assegura autonomia administrativa e financeira, podem optar por atender tanto os pacientes protegidos pelo SUS como os particulares e os que tenham planos de saúde, cobrando pelos serviços que prestam (do governo, no caso do atendimento do SUS, ou diretamente do paciente ou de seus planos de saúde, nos demais). Trata-se de uma escolha legítima.

Não se justifica, porém, que uma instituição pública - como é, atualmente, o caso do HC e continuará sendo, mesmo se transformado em autarquia especial, como proposto no projeto - passe a cobrar por serviços que, por sua natureza institucional, deveria prestar gratuitamente. Também não se justifica que um hospital público adote dois sistemas de atendimento - ou utilize o regime da "porta dupla", como é chamado -, um para o paciente a ser atendido gratuitamente e outro para aquele que, por algum meio, pagará pelos serviços que receber.

Se o hospital é publico, é dever do poder público que o sustenta assegurar-lhe os recursos necessários para seu funcionamento. O poder público não pode, sob a alegação de que os recursos são escassos - e, de fato, são -, repartir com particulares a tarefa de supri-los adequadamente.

Na nova situação, de acordo com as justificativas oficiais, o HC terá mais recursos e, assim, poderá investir na melhoria e na ampliação de seus atendimentos, o que resultará em benefício para todos, sobretudo para os pacientes atendidos pelo SUS. Ou, como diz Auler Júnior, a "porta dupla" assegurará "tratamento de excelência" para todos.

Também esse é um argumento questionável. Mantido como uma instituição pública, o HC não pode tratar diferentemente os cidadãos, mas é muito provável que isso venha a ocorrer caso o projeto seja aprovado e colocado em prática. A instituição da "porta dupla" assegurou mais recursos para o Incor, mas, como mostrou reportagem publicada há algum tempo pelo Estado, criou duas classes de pacientes, uma, dos dependentes do SUS, e outra, dos clientes dos planos de saúde. Para quem está na primeira, a espera é de até 14 meses por alguns procedimentos; quem está na segunda tem atendimento imediato. Com a mudança, o HC "vai poder escolher quais casos vai atender", advertiu a especialista em saúde pública Lígia Bahia - e isso é inadmissível num hospital público.

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