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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O absurdo “rodeio das gordas”

Alunos da Unesp criam “jogo” bárbaro: montar por 8 segundos em alunas acima do peso. Universidade cria comissão para apurar o caso
Com expressões como “repúdio aos babacas”, colegas da Unesp condenaram a “competição” feita por cerca de 50 alunos
Estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) causaram polêmica ao agredir colegas obesas no chamado “rodeio das gordas”, que consistia em agarrar e montar em alunas, durante os jogos universitários da instituição, ocorridos entre 10 e 13 de outubro. O Ministério Público de São Paulo anunciou que vai investigar as agressões. O colegiado do câmpus de Assis, a 460 km da capital paulista – onde estudariam os agressores – decidiu criar uma comissão disciplinar, que terá 60 dias para apurar o envolvimento dos alunos. A Ordem dos Advogados do Brasil também emitiu nota de repúdio. Ontem 200 manifestantes protestaram pedindo punição aos envolvidos.
Os jogos InterUnesp reuniram 15 mil estudantes em Araraquara, interior de São Paulo. Cerca de 50 jovens participaram da agressão. Uma comunidade em um site de relacionamento explicava as re gras do “jogo”: os rapazes deveriam encontrar meninas acima do peso e ficar “montados” nelas du rante 8 segundos. Ganhava mais “pontos” quem agredisse a garota mais gorda. A comunidade foi extinta após as denúncias, mas existia desde 2006 e tinha 23 integrantes. Na comunidade “Inter Unesp” acadêmicos relatam que alunos dos cursos de Engenharia Biotecnológica, Psicologia e Ciên cias Biológicas do câmpus Assis eram os responsáveis pela violência.

A promotora de Justiça Noemi Corrêa, do MP de Araraquara, instaurou inquérito civil ontem para apurar os fatos. “A conduta se amolda a inúmeras figuras penais, tais como constrangimento ilegal, cárcere privado [as vítimas eram impedidas de sair do meio da roda], lesão corporal, vias de fato, injúria e perturbação da tranquilidade alheia por acinte ou motivo reprovável”, diz a promotora.
As alunas não quiseram dar entrevistas, mas forneceram à advogada da ONG Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades (Neps), Fernanda Nigro, detalhes dos abusos. “Elas foram agarradas pelas costas e os estudantes que assistiam aos ataques gritavam: ‘Pula, gorda!’” Uma aluna caiu durante a abordagem e foi “montada” pelo agressor. As jovens estão assustadas e traumatizadas, diz a advogada.
Apesar do “rodeio” ter sido um ato isolado e não se caracterizar como bullying – que é uma violência repetitiva –, diversos acadêmicos da Unesp relatam em um site de relacionamento que as agressões contra alunas obesas ocorrem de forma reiterada. Uma mãe conta que a filha, que nem chegou a ir ao InterUnesp, estava desmotivada em ir para a faculdade devido aos abusos.
Integrantes da Associação Atlética Mané Garrincha, principal organizadora do InterUnesp 2010, informaram que só se pronunciariam oficialmente após conversarem com um advogado e afirmaram não ter conhecimento das agressões. Um dos organizadores, o estudante de Engenharia Biotecnológica Roberto Negrini, do câmpus de Assis, disse que era só “uma brincadeira”. Ele negou participação no assédio às alunas, mas admitiu estar arrependido de ter divulgado.
Além das agressões no “rodeio”, vídeos colocados na internet mostram os jovens cometendo atos obscenos e baixando as calças. Há também uma competição chamada “revezamento 4x100 roupa”. Na “prova”, os acadêmicos correm nus. Há vídeos de anos anteriores. O delegado seccional de Arara quara, Fernando Luiz Giaretta, vai investigar as imagens.
Indenização
O advogado Alexandre Saldanha Soares, especialista em bullying, afirma que as vítimas poderão pedir indenização por danos morais e materiais. “É uma situação vexatória extrema. É preciso apurar as responsabilidades de todas as partes”, diz. Ele argumenta ser necessária uma punição a todos os envolvidos, inclusive a quem se omitiu. Com a instauração de um processo disciplinar, os acadêmicos podem ser afastados definitivamente da instituição. Soares acredita que a universidade vai optar por este caminho.
Clóvis Amorim, psicólogo e professor da Pontifícia Universi dade Católica do Paraná e Faculda de Evangélica do Paraná, explica que uma das hipóteses para este tipo de comportamento é a falta de um sentido para a vida, como ocorreu em casos semelhantes quando jovens agrediram em 2007 uma empregada doméstica no Rio de Janeiro, por exemplo.
Para evitar essas agressões, é preciso que as práticas parentais mostrem respeito ao próximo e que a cultura universitária mostre tolerância zero com qualquer tipo de violência. “Antes acreditava-se que os alunos chegavam adultos à universidade. Outro ponto importante é que não há correlação entre nível intelectual, desempenho acadêmico e desempenho moral ou ético.”
Amorim argumenta que as vítimas ficarão com sequelas. Aquelas que já tinham baixa autoestima terão uma ferida ainda maior, poderão apresentar sintomas de estresse pós-traumático, quadro depressivo, ansiedade, esquiva social, entre outros.

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