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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Depoimento sobre o engenheiro Raimundo de Paula Soares

Armando Abreu

O ADMINISTRADOR

Logo após a posse de Negrão de Lima, como governador do antigo Estado da Guanabara, ocorreram as grandes enchentes na cidade, que viriam a se repetir em 1967, já nesta época com Paula Soares como Secretário de Obras e Presidente da SURSAN, Geraldo Reis Carvalho como Superintendente e Geraldo Segadas Viana como Diretor do DER.

Como arquiteto da SURSAN desde 1961, comecei a perceber que tínhamos um chefe diferente dos anteriores; conversava e discutia as soluções com os técnicos de igual para igual, sem se prevalecer do seu cargo de secretário para impor seu ponto de vista; não ficava preso em gabinete percorrendo diariamente todas as obras.
Conhecia os detalhes de todas as obras o que nos obrigava a estudar profundamente os projetos e a acompanhar integralmente a sua execução.

P S, como o chamávamos, implantou uma política gerencial totalmente nova no serviço público, objetivando a valorização dos técnicos da casa e cuja base principal era:
• utilização dos próprios carros a serviço, mediante um ressarcimento das despesas com a conseqüente dispensa de todos os carros oficiais, dando o exemplo ao usar o seu “fusca” para as visitas às obras;

• utilização de helicóptero, não só por êle como pelos técnicos, tanto da área de projetos como da área de obras, principalmente para a realização das obras de encostas como para a visualização dos projetos;
• melhoria salarial equiparando os valores recebidos aos da iniciativa privada, através de gratificações de tempo integral e de serviços relevantes; e,
• atribuição de gerenciamento descentralizado onde cada chefe escolhia seus subchefes e sua equipe de trabalho, assumindo a responsabilidade por todos os seus atos e de sua equipe.


DOIS FATOS

Como fiscal das obras do Trevo dos Estudantes motivado pelo entusiasmo do P S e com sua autorização estabeleci negociação com os estudantes do Calabouço para a remoção do restaurante para outro local no centro da cidade a fim de prosseguir com as obras que tinham o exíguo prazo de 120 dias.

Tal logo iniciadas as obras do novo restaurante e a demolição do antigo, fui abordado por um tal de Cel. Niemeyer para comunicar-me que havia uma ordem de paralisar as obras do restaurante, pois assim se evitaria a permanência de um foco estudantil , fato considerado de perigo para a segurança nacional.

Ao afirmar que obedecia a ordens do Secretário êle retrucou dizendo que tal ordem era do conhecimento do Paula Soares.

Após uma noite em claro, preocupado com o possível descumprimento da minha palavra dada aos estudantes, esperei ansioso pela chegada do P S, na manhã do dia seguinte, ao canteiro das obras.

Assim que lhe falei do sucedido êle imediatamente me tranqüilizou dizendo-me que não tomasse conhecimento de tal ordem e prosseguisse com as obras.
No almoço com os estudantes na inauguração do novo restaurante do Calabouço, a biblioteca deles recebeu o nome de Paula Soares.

Um ano mais tarde, encarregado de negociar com a Marinha a passagem da Avenida Perimetral por dentro da área do 1 º Distrito Naval, depois de muitas tentativas, o Comandante daquela área militar, Almte. Jordão, contrário à iniciativa, afirmou-me ironicamente que a autorização só seria concedida se fosse dada pelo Ministro da Marinha, coisa que achava impossível, pois se tratava do Almte. Rademaker.

Desanimado e pesaroso pelo meu insucesso, fui ao gabinete do P S, que sempre tinha as portas abertas para todos, e ao informá-lo do sucedido, ele sorriu e disse: então vamos ao Ministro.

E assim, nós e o Geraldo Reis Carvalho, juntamente com o Ronald Young, fomos a uma audiência com o Ministro e obtivemos sua aquiescência face à argumentação do P S sobre os benefícios que tal obra traria à cidade.


O ENGENHEIRO
A visão global da cidade como um todo, com a total integração de todos os bairros através das inúmeras obras viárias de ligação, principalmente os túneis, e a criação de uma nova cidade oceânica - a Barra da Tijuca deram-lhe a dimensão de um grande planejador urbano, promovendo:


• a Lei de Desenvolvimento Urbano e Regional ( Lei 1.574 ) e seus decretos regulamentadores de zoneamento, parcelamento da terra e outros ( Dec. 3.800 ) em substituição ao velho Dec. 6.000 de 1937;
• a elaboração do Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá, através do Prof. Lúcio Costa, por ele convidado, pois já sabia que ao realizar o acesso à área com a construção da auto-estrada Lagoa Barra, haveria um desenvolvimento acelerado, pois as áreas residenciais existentes já se encontravam intensamente ocupadas;
• a maior obra de despoluição da orla marítima já realizada até hoje, com a construção do interceptor oceânico desde Botafogo até Ipanema e do lançamento submarino dos esgotos em pleno oceano, ao mesmo tempo em que alargava a Praia de Copacabana;
• inúmeras ligações viárias, mais obras que talvez todas as administrações anteriores do Estado da Guanabara e da Prefeitura do Rio juntas não tenham feito, como: quarenta viadutos, entre os quais os da Penha, Ramos, dois na Praia de Botafogo, da Lagoa, da Ilha do Governador, do Meier, Mangueira e outros; duplicação das pistas da Lagoa, Trevo dos Estudantes, Auto-estrada Lagoa Barra, com três tuneis, um elevado em dois níveis e a Ponte da Joatinga, Avenida das Américas, Av. Aírton Sena, elevado Paulo de Frontin, túnel Frei Caneca, duplicação do Túnel Velho, variante da Grota Funda, Av. Perimetral, término do Túnel Rebouças, término do Trevo das Forças Armadas;
• incontáveis obras de contenção de encostas, trazendo segurança aos cidadãos cariocas e permitindo a especialização de técnicos em tais obras;
• obras de retificação, canalização e dragagem de rios, como o Maracanã, Joana, Jacaré e outros;
• obras de urbanização como o término do Parque do Flamengo, a Esplanada de Santo Antônio;
• projeto de ligação Botafogo Lagoa e Leme Praia Vermelha, e início da obra do Extravasor Oceânico.

Mais tarde , em 1988 , foi convidado como Secretário para chefiar o GEROE, Grupo Executivo de Recuperação e Obras Extraordinárias, por ele criado, acompanhado por mim e pelo Geraldo Reis Carvalho, como Subsecretários, que planejou todas as obras necessárias de prevenção de catástrofes causadas pelas chuvas torrenciais e cujo Programa de Reconstrução Rio obteve os recursos financiados pelo Banco Mundial.

Ao saber que o Governador e os demais secretários pretendiam que fossem contratadas firmas de consultoria para acompanhamento das obras, demitiu-se, pois acreditava na capacidade técnica dos servidores públicos.


O AMIGO
Além do prazer de conviver com uma personalidade humana fascinante, amigo especial, seus ensinamentos técnicos valeram mais que meu curso na faculdade, e permitiram-me conhecer o maior Engenheiro que tenho notícia.
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Armando Abreu é arquiteto da Prefeitura do Rio e Conselheiro do CCSEAERJ

6 comentários:

  1. Conheci o engenheiro Paula Soares, por ele ser amigo do meu pai. Coincidentemente depois, fui ser colega de colégio da filha dele Heloisa.
    Sempre ouvi meu pai falar, que o " Tio Paula Soares" foi um dos homens mais inteligentes e corretos que ele havia conhecido. Meu pai era engenheiro e amigo dele!

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  2. Trabalhei com Raymundo Paula Soares na Construtora Urupema , do Grupo do Banco Safra , e endosso integralmente as palavras de Armando Abreu.
    Eng . Euclides Sordi

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  3. Conheci um Raymundo de Paula Soares, em 1987/88. Seria o filho?

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    1. O Raymundo, meu tio;, teve 4 filhos, Heloísa, Raimundo, Ana Lucia e Rodrigo.

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  4. Tive a honra de trabalhar com Dr. Paula Soares na VEPLAN em 1978 na obra do condominio de Camboinhas ( Niterói )
    um empreendimento belissimo do Arquiteto Harry Coller. Trabalhava como Assistente de engenharia e Dr. Paula Soares sempre teve prazer em me orientar e me tratava com imenso carinho. Sou eternamente grato ao grande mestre. Muitas saudades.

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  5. Olá Armando,
    estou buscando fotos do Leblon nos anos 1970, orla e ruas internas.
    Vi em um curta metragem "A Cidade Cresce para a Barra" que Raymundo de Paula Soares pilotou o helicóptero para as filmagens aéreas. É possível que a família guarde arquivos de fotos ainda?
    Por acaso você teria algum material ou saberia indicar algum acervo que guarde imagens antigas de obras da cidade?
    Muito obrigada,
    Abraços,
    Camila

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