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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Superar estereótipos (também na imprensa) é o primeiro passo para romper preconceitos

No texto que reproduzo neste post, Semer sugere que superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.
Sem dúvidas nenhum preconceito resistiria na ausência de estereótipos, o primeiro necessita do segundo para se auto afirmar.
Mas como se supera estereótipos? É uma ação individual? É uma ação coletiva?
Que tal começar pelos próprios colegas da imprensa? Sim, porque as manifestações sexistas e misóginas no twitter só reverberam com mais intensidade e mais insensatez  o que muitos jornalistas da grande mídia fazem cotidianamente. Ou comparar a beleza de uma jovem como Marcela Temer e de uma senhora, a presidenta Dilma Rousseff, como se a rampa do Planalto fosse passarela de desfile de moda é fazer jornalismo? E quanto aos comentários imbecis sobre a roupa que a presidenta, penteado, cor de esmalte durante a cerimônia da posse não é ceder totalmente a futilidade e perder o foco jornalístico?
Será que as manchetes míopes na grande mídia de que “Marcela Temer, esposa do vice-presidente, roubou a cena da posse” da primeira mulher presidenta do país são inteligentes, condiz com a realidade, com o melhor jornalismo tupiniquim?
Em relação ao respeito que se deve a Marcela Temer como um ser humano, mulher, esposa de um vice-presidente e mãe e que foi tratada como uma prostituta oportunista (mesmo com os eufemismos da mídia) existe de fato alguma diferença no tratamento dado à mulher, expresso na charge de Nani durante a campanha eleitoral de 2010 retratando a então candidata Dilma Rousseff como prostituta?
E o que fazer diante de humor fuleiro presente nesta charge que parte do pressuposto de que  ‘mulher’ é ‘invejosa’ ( a tal da inveja feminil usada por Ciro Gomes pra atacar FHC e diminuí-lo no jogo político entre ‘machos’) já que a nossa subrepresentação no espaço público da política, tornou o campo da política institucional  um espaço entendido como majoritariamente masculino e o fato de termos eleito a primeira mulher presidenta  num país de cultura secular patriarcal parece que para a grande mídia não é um fato jornalístico de grande monta?
Seguindo a sugestão de Semer, começo fazendo a minha parte e aviso a este senhor, Sponholz, que está na categoria dos ‘humoristas’ que se retirar estereótipos e preconceitos nunca mais produz um desenho, que a presidenta e as ministras têm um país inteiro pra governar e quem tem tarefa deste porte, não tem tempo para fofoca de Caras. A pequenez do olhar do chargista,   ilustra bem a sua visão sobre as mulheres no poder e não pode servir de régua para representá-las.
De modo geral, dentro e fora da política institucional, somos bastante ocupadas para perder tempo com fofocas,  portanto, senhor Sponholz, faça nos um pequeno favor, vá aprender fazer humor de verdade, pois cansa a nossa beleza e inteligência termos de nos dar ao trabalho de desconstruir estes incansáveis estereótipos travestidos de humor e de jornalismo. Haja paciência! E Semer, certamente, Dilma já fez muito em toda a sua trajetória para superar estereótipos, mas você possivelmente concordará comigo que  reduzir preconceito de gênero não é tarefa fácil e não é tarefa apenas da presidenta, não é mesmo?
Reduzir preconceito de gênero não é tarefa fácil para Dilma
Por: Marcelo Semer, no Terra Magazine
05/01/2011
Roberto Stuckert Filho/Divulgação
Dilma Rosseff acompanhada de Lula, Marisa, Michel Temer e Marcela Temer na cerimônia de posse
Dilma Rosseff acompanhada de Lula, Marisa, Michel Temer e Marcela Temer na cerimônia de posse
Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e passando em revista as tropas militares.
Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia, se deliciava fazendo comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela Temer.
Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.
Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder, influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.
Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na sociedade.
Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.
Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?
Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.
O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.
O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão facilmente. A avalanche das “mensagens assassinas”, twitteiros implorando por um “atirador de elite” na posse, só comprova o resultado alcançado pelo terrorismo eleitoral.
Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia, fazendo-se de exemplo para “que todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher”.
Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que tombaram pelo caminho.
Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não esqueceu das “adversidades mais extremas infligidas a quem teve a ousadia de enfrentar o arbítrio”. Não se arrependeu da luta, justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra coragem.
Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.
É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.
Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade masculinas.
Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.
Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.
Nas guerras ou ditaduras, as mulheres além dos suplícios dos derrotados, ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.
Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já conferidos a presos homens.
Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com suas tarefas profissionais e maternas.
Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e instável, predominam na sociedade.
E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.
Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém podem dizer: “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.
Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.

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