Emenda contraria leis antitabaco e propõe fumódromo disfarçado
Gazeta do Povo
Uma emenda à Medida Provisória (MP) n.º 540, que aumenta a tributação sobre o cigarro no país, pode voltar a permitir o fumo em ambientes fechados, contrariando leis aprovadas em estados como o Paraná. A proposta, do deputado federal Renato Molling (PP-RS), autoriza a abertura de estabelecimentos exclusivos para fumantes, cuja entrada seria proibida para menores de 18 anos. Uma placa na fachada identificaria o local.
A MP fixa em 36% a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre o cigarro. Estimativa da Receita Federal indica que essa medida resultará no aumento de R$ 1,6 bilhão na arrecadação tributária em 2012. O preço da carteira de cigarro deve ficar 20% mais caro, o que seria uma forma de inibir o consumo. Após a edição da MP pela presidente Dilma Roussef, a relatoria na Câmara dos Deputados foi dada a Molling, que tem conexões com o setor do fumo no Rio Grande do Sul.
O deputado então sugeriu uma série de emendas à medida, com o intuito de transformá-la em uma Lei Nacional Antifumo. Setores ligados ao controle do tabagismo em princípio aprovaram a ideia, que pode pôr fim ao vazio jurídico na área em estados onde não há lei própria, mas a proposta de locais fechados específicos para fumantes causou revolta e o receio de que os fumódromos voltem a ser legalizados.
"Se for uma lei para livrar o Brasil do fumo, que seja uma lei semelhante à que existe no Paraná, que proíbe o cigarro em qualquer local fechado, não uma lei cheia de pegadinhas, que representa um retrocesso em relação a tudo o que já foi conquistado na área", opina a diretora-executiva da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) Paula Johns. Atualmente, oito estados têm leis antifumo.
Falta de informações
O deputado foi procurado pela Gazeta do Povo, mas não retornou aos pedidos de entrevista. À Agência Câmara, ele declarou que era preciso dar alternativas aos fumantes, que devem ter suas liberdades individuais respeitadas. Disse ainda que a aprovação da proposta não acarretará na abertura em massa de estabelecimentos desse tipo. O argumento do deputado é de que não há "viabilidade econômica" para tantos empreendimentos com este perfil.
A assessoria de Molling garante que ele não pretende incluir na proposta a criação de fumódromos, ou seja, ambientes para fumantes dentro de um estabelecimento. O pedido da reportagem para ter acesso ao texto, no entanto, não foi atendido. A falta de mais informações sobre a emenda, que deve ser votada em breve, é criticada pela ACT. "É um texto tratado a portas fechadas", critica Paula.
A proposta de Molling está sendo analisada por alguns ministérios, entre eles o da Saúde e o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e precisa ser votado logo, pois está trancando a pauta do Congresso. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no entanto, já declarou que rejeita a proposta, embora seja a favor de uma lei federal para a área. "Somos contra qualquer fumódromo, contra qualquer serviço em ambiente fechado que possibilite o uso do cigarro", disse, na semana passada.
Donos de restaurantes e bares não aprovam ideia
A seção paranaense da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-PR) não quer mudanças na lei e considera a proposta do deputado federal Renato Molling um retrocesso.
Para o presidente da Abrasel-PR, Marcelo Woellner Pereira, os bares e restaurantes já estão adaptados à Lei Antifumo estadual e consideram que, a longo prazo, houve mais ganhos do que perdas com a proibição de se fumar em lugares fechados.
Para Woellner, criar locais específicos poderia abrir brechas para a volta dos fumódromos.
"Muitos bares abririam com este perfil, de ser algo específico para fumantes, e depois poderiam fazer uma divisória e acrescentar uma parte para não fumantes. Isso geraria confusão entre os proprietários e ficaria difícil de fiscalizar. Melhor não abrir brechas", diz ele, que considera importante haver uma regra geral para não gerar confusão.
"Em lugar fechado não se fuma e pronto. É melhor assim".
Saúde
Outra questão levada em consideração pelos proprietários é a saúde de trabalhadores do setor, como garçons, cozinheiros e auxiliares de limpeza.
Em um ambiente fechado, a fumaça gerada poderia colocar em risco a segurança ocupacional dos funcionários, gerando processos na Justiça para o proprietário que expusesse os funcionários a riscos.
Legislação
Conheça os estados que têm leis antifumo no Brasil e como outras cidades e países do mundo tratam o tema:
No Brasil
Sete estados
- É proibido o fumo em ambientes fechados públicos e privados e a existência de fumódromos no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Amazonas e Paraíba.
No Mundo
Nova York
- Em maio deste ano, a prefeitura aprovou uma lei que proíbe o fumo em parques públicos, praias, praças e áreas de pedestres. A medida bane o cigarro em 1,7 mil parques e 22 quilômetros de praia. A punição para quem desrespeitar a lei é uma multa de US$ 50.
França
- Famoso por seus cafés enfumaçados, a França proíbe o cigarro em locais públicos fechados desde 2007. No ano seguinte, a restrição se estendeu a bares, cafés, restaurantes, casas noturnas e cassinos. Neste ano, uma lei quis proibir a presença do fumo em imagens históricas (como a do filósofo francês Jean Paul Sartre), mas não foi aprovada.
Alemanha
- O cigarro foi proibido em locais públicos e repartições federais em todos os 16 estados do país a partir de 2007 e, em algumas regiões, também em bares, casas noturnas e restaurantes. A publicidade em rádio e tevê é proibida desde 1974 e, agora, a proibição também atinge jornais, revistas e internet.
Canadá
- É proibido fumar em locais de trabalho e em estabelecimentos fechados públicos e privados desde 2007. Os fumódromos foram abolidos.
País prometeu erradicar o cigarro em ambientes fechados
Caso aprove a emenda que permite o cigarro em locais fechados específicos para fumantes, o Brasil pode desrespeitar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, da qual é signatário perante à Organização Mundial da Saúde. O acordo, ratificado em 2005, contém uma série de determinações que devem ser seguidas visando à erradicação do fumo, entre elas o fim dos aditivos nos cigarros (como mentol e morango) e a proibição desse hábito em locais públicos abertos e fechados.
Para a comunidade científica, os fumantes não têm ideia do risco que correm ao frequentar esses espaços, uma vez que fumar em locais sem ventilação é ainda mais prejudicial, pois a pessoa fica em contato com a fumaça por mais tempo. "A fumaça que fica no ambiente é mais tóxica do que aquela que a pessoa aspira, pois a fumaça aspirada já passou por dois filtros – a do cigarro e a do pulmão – e a que sai da ponta do cigarro não passa por filtro algum e a pessoa fica inalando", explica a responsável pela Divisão de Controle de Tabagismo da Secretaria de Saúde do Paraná, Iludia Rosalinski.
Tabacarias
O pneumologista e presidente da Associação Paranaense contra o Fumo, Jonatas Reichert, também reprova a iniciativa, por entender que estabelecimentos como bares chamam a atenção dos jovens, o grande público-alvo da indústria tabagista. Ele entende que apenas as tabacarias devem ser permitidas (nas leis estaduais, elas não tiveram sua existência proibida), uma vez que são menos apelativas aos adolescentes e ao público em geral, pelo próprio perfil de serviço desses espaços.
"O ideal seria que nem as tabacarias fossem permitidas, mas isso já é uma utopia. No entanto, em uma tabacaria só entra quem fuma. Já num bar, entra quem fuma e também aquele que não fuma", diz Reichert. Para ele, a discussão sobre o assunto deveria ocorrer à parte e não dentro da medida provisória que aumenta a taxação do cigarro. "Essa proposta de lei é uma armadilha, quer lucrar em cima da saúde da população", afirma.
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