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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Nova lei dos planos de saúde: sonho empresarial, pesadelo para o país

Do Outra saúde (por e-mail)


Análise de centros de estudos da USP e UFRJ aponta: revisão da lei atual reduz coberturas, exclui pobres e idosos de direitos básicos e revela método legislativo opaco. É preciso arquivá-lo já


Mesmo no universo lunático da atual política brasileira causou espanto, no último dia 3/12, o aparecimento da primeira versão do projeto de revisão da lei 9.656/98, que alicerça o funcionamento dos planos de saúde no Brasil. O parecer do relator, deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), se for levado a sério, abolirá tudo o que se conseguiu de progresso, em termos de Saúde, nos últimos trinta anos. Entidades como Abrasco, Cebes e Idec estão perplexas e indignadas.

O texto atropela, por exemplo, a Classificação Internacional de Doenças da OMS (Organização Mundial de Saúde), convertida em simples “referência”. Pela lei de 1998, todas as doenças dessa lista devem ser obrigatoriamente cobertas. Também se ignora o Estatuto do Idoso, pelo qual não se poderia aumento o preço dos planos desta população. Mas pela revisão proposta, ela acabaria “expulsa” dos planos de saúde, por impossibilidade de pagamento.

As alterações defendidas na revisão foram, de fato, sugeridas pelas empresas do setor, e transformam o serviço social num balcão de comércio, criando dois tipos de planos, algo impedido pela lei atual. Os baratos chegam ao ponto de desprezar as necessidades essenciais dos pacientes, prescritas pelos médicos. Só dão direito às mais triviais consultas e exames: excluem desde o atendimento de urgências até o tratamento ambulatorial de câncer. O segundo tipo são os planos que oferecem serviços adequados mas a preços exorbitantes, acessíveis a uma pequena minoria da população.

“À gravidade dos retrocessos nas mudanças pretendidas pelo relator, soma-se a inadequada tramitação na Comissão Especial da Câmara”, afirma uma avaliação à qual Outra Saúde teve acesso, sobre esse projeto, e publica na íntegra. Interromper a tramitação, sugere a análise, é o mínimo que pode esperar do congresso, nessas circunstâncias. “Uma nova lei que retrocederia aos abusos praticados na década de 1990, antes da Lei nº 9.656/98, e que atende aos interesses particulares e demandas exclusivas das empresas de planos de saúde, não pode tramitar dessa forma”.

A avaliação é um trabalho do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP, coordenado pelo professor Mário Scheffer, e pelo Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado pela professora Ligia Bahia. Veja aqui. Os autores salientam o absurdo de reunir em uma só tramitação um vasto número de sugestões – advindas de 241 projetos que se acumularam desde que a revisão original da lei de 1998 foi proposta, em 2006.

E apontam para a involução flagrante do parecer apresentado ao público. “Enquanto no resto do mundo a experiência com a pandemia de covid-19 se desdobra na expansão de sistemas públicos de saúde, o Congresso Nacional no Brasil segue às voltas com projetos privatizantes e ameaças de retrocessos legais”. A legislação existente, que já é insuficiente e tendenciosa, dizem, pode ser piorada. “Com isso, perde-se o que ainda resta de intervenção pública em um mercado com lucros crescentes”.

Todo o processo legislativo foi articulado em proveito dos empresários do setor, desde que o presidente da Câmara, Arthur Lira, instalou a comissão especial para discutir a revisão da lei dos planos, em 26/5/21. Atendeu exclusivamente, afirmam os especialistas, “aos interesses das empresas e donos de planos de saúde, assíduos financiadores de campanhas eleitorais”. Criou-se um palco, escrevem, “para a exposição de empresários interessados em ampliar o mercado, com menor presença de representantes de usuários, consumidores, entidades da saúde, universidade e pesquisadores do tema”.

Nessa linha, sugerem que acompanhem o debate “o Ministério Público e instituições que defendem a democracia, visando assegurar a pluralidade de opiniões e o contraditório”. Alertam, entre outros setores da sociedade, as entidades da saúde, de defesa e proteção do consumidor, associações e movimentos de aposentados, organizações de defesa de pacientes, sindicatos que pleiteiam planos de saúde coletivos. “Estão em jogo o futuro do sistema de saúde no Brasil, nossa saúde e nossas vidas!”

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