1º. Enconto de Tekoharã (acampamentos indígenas)
Nós, indígenas Kaiowá, Guarani e Terena de Mato Grosso do Sul, reunidos em nosso primeiro Encontro de Acampamentos Indígenas, no tekohá Itay, município de Douradina/MS, para discutirmos sobre a nossa realidade atual e definirmos as nossas estratégias de luta para a conquista de nossos direitos constitucionais que vem sendo descumpridos pelas autoridades do Estado brasileiro vimos manifestar que este momento histórico da organização dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul significa que iremos avançar cada vez mais, e vamos mostrar ao mundo a nossa força e resistência na luta por nossos direitos!
Realizamos este evento com nossos corações cheios de angústia, porque, ao mesmo tempo em que aqui estamos discutindo nossa situação, recebemos a notícia de que nossos irmãos Kaiowa do acampamento de Guaiviry retornaram novamente, há alguns dias, ao seu tekohá e encontram-se, neste momento, cercados por jagunços a serviço dos fazendeiros. Além da ameaça de ataques violentos, agora sofrem com a fome, em função do covarde cerco a que são submetidos. Tememos pela vida e integridade física de nossos parentes. Advertimos que qualquer agressão que acontecer será de responsabilidade das autoridades brasileiras.
Em Mato Grosso do Sul existem cerca de 31 acampamentos de indígenas situados nas margens de rodovias e em pequenas áreas retomadas pelo nosso povo. Em todos esses lugares, estamos acampados porque nos tomaram nossas terras e porque a situação de violência e miséria nas poucas reservas já existentes está insuportável. Além de não termos nossos territórios demarcados, ainda passamos por uma série de violações de direitos humanos, como a fome, a falta de água potável, falta de atendimento de saúde e remédios, calor excessivo, inundações, crianças fora da escola e as conhecidas ameaças, atentados, assassinatos e prisões de nossos parentes que estão reivindicando nada mais do que seus direitos assegurados pela Constituição Federal brasileira.
Estamos sofrendo porque o Estado brasileiro não quer cumprir aquilo que determinam a Constituição, a Lei e os Tratados Internacionais. Diante disso, cansamos de esperar a boa vontade de nossos governantes, decidimos nos unir e nos organizar para que nós mesmos possamos fazer valer nossos direitos históricos.
Em nosso estado, temos a segunda maior população indígena do Brasil. Temos muita força e resistimos às piores condições de sobrevivência. A nossa voz, o nosso conhecimento, nossa sabedoria milenar e a nossa espiritualidade serão as ferramentas de nossa luta pela retomada de nossas terras. Jamais vamos desistir e vamos avançar cada vez mais até que o último palmo de nossa terra nos seja entregue! Com as orações de nossos Nhanderú e Nhandesy vamos retomar todas as nossas terras tradicionais, menos cedo ou menos tarde. Resistimos por mais de 500 anos e não vai ser agora que iremos parar com nossas lutas.
Queremos aproveitar a oportunidade e agradecer a presença dos nossos parentes do povo Terena de Cachoeirinha que também estão reivindicando a demarcação de suas terras. Manifestamos nosso apoio nessa luta que é de todos nós, povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Unidos e organizados avançaremos sem jamais recuar!
Queremos também agradecer a presença de nossos parentes acadêmicos indígenas que estão nas universidades adquirindo conhecimento para se somarem conosco nesta luta pela conquista de nossos direitos. A importância de termos nossos parentes dentro das Universidades significa uma maior organização e qualificação de nossos povos para as nossas lutas e a consolidação de nossa autonomia. Nossos jovens acadêmicos estão se preparando para o futuro, nos assessorando e apoiando, para que possamos viver com mais dignidade e respeito.
Também queremos agradecer a presença dos amigos da causa indígena que também estiveram conosco
em nosso Encontro. A cada dia mais aumentamos nossas alianças e juntos estaremos mais fortalecidos para a transformação desta realidade desumana, por um mundo melhor para todos e todas.
Queremos denunciar, mais uma vez, toda a irresponsabilidade e descaso do Estado brasileiro em não cumprir aquilo que determinam a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT.
Queremos manifestar nosso repúdio à postura da Presidente Dilma Roussef que não olha para nosso povo e não quer entender a importância histórica de solucionarmos nossos problemas. Dilma a cada dia mais decepciona nosso povo com seu governo. É muito triste acreditarmos em uma pessoa que no passado lutou contra a opressão e a tirania e está hoje dando mais atenção a banqueiros, usineiros e empreiteiras, gastando bilhões com as obras para megaeventos esportivos, como a Copa, e com seu lamentável Plano de Aceleração do Crescimento, que é um plano de morte para seres humanos que há séculos vem sendo
explorados, assassinados e vivem hoje em situação de notória violação de direitos humanos básicos.
Queremos pedir ao ex-Presidente Lula – o qual, ao longo de seu mandato, realizou diversas reuniões com nossos representantes, muito nos prometeu e nada cumpriu – que interceda junto a Dilma, como forma de reparar sua omissão histórica, para que avancemos emsoluções concretas em Mato Grosso do Sul para a demarcação de nossas terras. Queremos novamente pedir ao Conselho Nacional de Justiça que interceda, urgentemente com medidas para resolver os nossos problemas territoriais. Acreditamos muito neste papel do CNJ em colaborar com as soluções jurídicas para o nosso caso.
Queremos que o Projeto de Lei que criará o Fundo de Apoio para a regularização das terras indígenas seja realmente um instrumento positivo para resolvermos nossa situação, e não mais uma lei que não será cumprida ou que servirá somente para atender os interesses dos ricos fazendeiros de Mato Grosso do Sul.
Queremos cobrar, mais uma vez, da Polícia Federal e Ministério Público Federal a punição imediata dos assassinos dos professores Guarani Rolindo Vera e Jenivaldo Vera, do tekohá Ypoí, município de Paranhos. Para prenderem nossos parentes que lutam por direitos, a “Justiça” é rápida, como aconteceu recentemente no caso da prisão de nossos parentes Terena de Buriti. Mas, quando é para prenderem os bandidos, assassinos horrendos e sanguinários, que matam, ameaçam e torturam nossos parentes, essas autoridades nada fazem, ou, quando fazem,demoram anos, às vezes décadas. Isso se não se termina na total impunidade, como a maioria dos casos vem mostrando.
Queremos manifestar, ainda, nosso repúdio a alguns membros do Poder Legislativo e Judiciário que vêm tentando eliminar nossos direitos que, muitas vezes, sequer foram conquistados. Às vezes, de forma desumana, determinam o despejo de comunidades inteiras de suas terras retomadas, sem oferecer uma alternativa decente para que possam dignamente sobreviver enquanto esperam pelas definições do governo e da Justiça sobre uma demarcação. Agora, querem nos despejar até da beira das estradas, como aconteceu no caso do tekoha Laranjeira Nhanderú. Queremos saber se estas autoridades querem que fiquemos acampados dentro das cidades, na frente das casas dos Juízes e Deputados. Se estes acham que não devemos estar “em lugar nenhum”, então é para lá que iremos.
Aos Deputados e Senadores brasileiros que estão contra os povos indígenas do Brasil, queremos dizer que jamais vamos tolerar, passivamente, qualquer retrocesso nos nossos direitos conquistados. Defenderemos a Constituição de 1988, custe o que custar, doa a quem doer! Onde estão as punições aos fazendeiros que contratam milícias armadas para agredirem nosso povo no tekohá Pyelitokue/Mbarakaí, Passo Pirajú e tantas outras áreas que sofremdiariamente com tiros e incêndios criminosos de bandidos disfarçados de seguranças e policiais?
Por fim, avisamos que vamos mostrar ao mundo todo a nossa realidade. Vamos mostrar a verdade. Vamos mostrar que o Governo brasileiro mente quando diz que o Brasil é um país em desenvolvimento. Vamos mostrar que o único “desenvolvimento” que existe aqui é para os mais ricos e que os povos originários do Brasil ainda sofrem com violações graves de direitos humanos. Não vamos mais aceitar mentiras e hipocrisia.
O Governo brasileiro quer “dar palpite” na ONU sobre os povos que sofrem mundo afora, mas não quer acabar com o sofrimento dos povos que vivem aqui dentro. Isso é um absurdo e vamos mostrar a verdade para o mundo.
Por fim, deixamos aqui as nossas rezas e espiritualidade para as pessoas de bem que entendem que precisamos mudar nossa triste realidade na busca de um mundo de bem viver em uma terra sem males, com muita paz, reciprocidade, solidariedade e, principalmente esperança, de que iremos alcançar nossos objetivos com nossa própria organização.
Tekoha Ytay, Douradina, MS, 14 de novembro de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário