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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O ESGOTAMENTO DO MODELO DE FINANCIAMENTO DO SUS

no Portal CONASS 


1. Fatos estilizados: cenário macroeconômico para 2015 e 2016

O governo federal revisou as projeções para 2015 e 2016 após o encaminhamento da peça orçamentária de 2016 ao Congresso Nacional,1 prevendo para:

a) 2015: uma queda real do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,44% (recessão) e uma taxa de inflação (medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) de 9,3%; e

b) 2016: um aumento real do PIB de 0,2% e uma taxa de inflação (medida pelo IPCA/IBGE) de 5,4%.

Contudo, o mercado está mais pessimista tanto em relação à inflação, como em relação à recessão, especialmente para 2016, não acreditando na expectativa de retomada do crescimento econômico que tem sido anunciada pelo governo federal: o “Relatório Focus”2 de 25/9/2015 projeta uma variação negativa do PIB real na ordem de 1,0%. A taxa de inflação poderá ficar em torno de 9,5% em 2015 e de 5,5% em 2016.

O Brasil corre, assim, o risco de mergulhar na mesma espiral da Europa, em que o ajuste fiscal aprofunda o baixo crescimento, que, por sua vez, gera menos receita. A arrecadação é mais volátil que o comportamento da economia, caindo mais que o PIB em anos de contração econômica: se o PIB cair 1,0% em 2016, a arrecadação cairá, por exemplo, mais que 1,0%, dificultando a retomada do crescimento econômico.


Desse modo, a magnitude da Receita Corrente Líquida (estimada para 2016 em R$ 759,4 bilhões pelo governo federal) dependerá da aprovação das medidas no contexto do ajuste fiscal e do desempenho da economia brasileira em 2016 (que, por sua vez, depende das expectativas dos agentes econômicos no bojo da crise política).

Nesse cenário, o SUS está ameaçado diante do processo de subfinanciamento a que está submetido desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, especialmente após a vigência da Emenda Constitucional n. 86/2015, cujas mudanças do critério de cálculo para a apuração da aplicação mínima combinada com a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais representarão, a partir de 2016, uma redução de valores em comparação ao que seria apurado pela regra anterior da Emenda Constitucional n. 29/2000 e da Lei Complementar n. 141/2012. Em outros termos, esse é mais um componente para agravar as situações de insuficiências orçamentária e financeira em 2016, muito piores do que as verificadas em 2014 e estimadas para 2015. 

2. Insuficiência orçamentária e financeira para Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS): 2014 e projeção 2015

A metodologia adotada ad hoc para elaborar este trabalho foi considerar o padrão de gasto com ASPS em 2014 para as projeções de despesas, isto é, a soma dos valores empenhados em ASPS no exercício com os valores dos compromissos de 2014 empenhados em 2015, evidenciando que o processo de subfinanciamento histórico do Sistema Único de Saúde (SUS) teve continuidade em 2014 e será ainda mais grave segundo as projeções de recursos alocados no orçamento federal para 2015 e 2016.

A deterioração desse processo pode ser caracterizada pelo fato de que, até 2013, era possível empenhar todas as despesas compromissadas para determinado exercício onerando os recursos orçamentários do mesmo exercício; porém, não havia disponibilidade financeira para realizar os respectivos pagamentos, situação que estamos denominando como insuficiência financeira. Como decorrência, foi possível observar o crescimento dos restos a pagar inscritos e reinscritos nos últimos anos.

Entretanto, em 2014, o governo federal não empenhou todas as despesas compromissadas para o exercício, talvez para tentar cumprir as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal para o último ano de mandato, especialmente que as despesas assumidas nesse ano devem ter a correspondente disponibilidade financeira. Como consequência, houve atraso nas transferências fundo a fundo para estados e municípios referentes ao mês de dezembro, principalmente para os seguintes grupos de despesas:3 Média e Alta Complexidade (MAC, R$ 2,3 bilhões); Programa Agentes Comunitários de Saúde/Programa Saúde da Família (PACS/PSF, R$ 651 milhões); Farmácia Básica/Programa de Atenção Básica (PAB, R$ 76 milhões); e Farmácia Popular (R$ 129 milhões).

Não se trata aqui de avaliar qual seria o valor para atender às necessidades de saúde para cumprir com o SUS constitucional, uma das referências da reivindicação histórica por mais recursos e fontes estáveis, vinculadas e suficientes para o financiamento do SUS: a gravidade da situação está no fato de que os baixos valores alocados no orçamento federal para atender à aplicação mínima constitucional não são mais suficientes para cumprir com as despesas pactuadas com estados e municípios. 

É isso que denominamos como insuficiência orçamentária, algo mais grave que o contingenciamento: de um lado, porque este último torna indisponível o recurso existente, enquanto, no caso da insuficiência orçamentária, os recursos não existem no orçamento; de outro lado, porque a insuficiência verificada em 2014 foi equacionada com a utilização parcial de recursos orçamentários do montante mínimo alocado para aplicação no exercício de 2015 – o que na prática exigiria uma ampliação do valor necessário para o cumprimento da aplicação mínima constitucional em 20154 (correspondente ao valor dessas despesas não empenhadas em 2014).

Para projetar a despesa para 2015 (Tabela 1), decidimos adotar o ano de 2014 como padrão de gasto para a aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). A escolha de 2014 como ponto de partida da projeção não significa que o valor dessas despesas representava um volume de recursos suficientes para cumprir com os princípios constitucionais e legais do SUS em termos do atendimento à população, pelo contrário: diante da insuficiência de recursos verificada em 2014, esta escolha evidenciará o aprofundamento do quadro de asfixia orçamentária e financeira do SUS em 2015.

À guisa de ilustração, levantamos os principais problemas que poderão ocorrer como decorrência da insuficiência orçamentária de 2015 e que, na prática, representa não manter o padrão de gasto de 2014: haverá atraso5 nas transferências fundo a fundo para estados e municípios para MAC, PAB Variável e Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (FAEC); e, além disso, considerando o critério anteriormente adotado para a projeção de despesas, foram detectadas insuficiências orçamentárias em várias ações, como, por exemplo, PAB FIXO, PACS/PSF, Farmácia Básica-PAB e Farmácia Popular.

Tabela 1: Insuficiência orçamentária para ASPS em 2014 e 2015


Notas:
(1) Conforme Relatório Anual de Gestão 2014 do MS.

(2) As dotações orçamentárias de 2015 estão sendo oneradas para cobrir estas despesas de 2014, considerando a análise da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin/CNS) a respeito do Relatório de Prestação de Contas do 1º Quadrimestre/2015 do MS e as informações prestadas pela SPO/MS na reunião da Cofin/CNS de 1º de outubro de 2015.

(3) Variação de 9,5% sobre o valor da linha C somada aos incrementos do valor das emendas impositivas estabelecidas pela Emenda Constitucional 86/2015 em relação à média histórica de 2008-2013 e da necessidade de compensação dos restos a pagar cancelados em 2014 nos termos da Lei Complementar n. 141/2012.

(4) Piso 2015 de R$ 98,3 acrescidos de R$ 3,5 bilhões declarados pelo MPOG em 22/5/2015.


3. INSUFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA PARA ASPS: PROJEÇÃO 2016

As despesas com ASPS projetadas para 2016 totalizam R$ 117,0 bilhões,6 considerando a soma de: 

a) R$ 113,6 bilhões: valor referente à variação de 5,5% (estimativa da taxa da inflação) sobre R$ 107,7 bilhões correspondente à projeção das despesas de 2015 (que incorpora o valor das emendas impositivas estabelecidas pela Emenda Constitucional n. 86/2015); com 

b) R$ 3,4 bilhões: referente à soma da estimativa da compensação dos restos a pagar cancelados em 2015 (R$ 0,7 bilhão) com a estimativa do saldo de valores a compensar correspondentes aos cancelamentos dos exercícios de 2012, 2013 e 2014 (R$ 2,7 bilhões) nos termos da Lei Complementar n. 141/2012.

Com isso, o valor projetado da insuficiência orçamentária será de R$ 16,7 bilhões, considerando o valor alocado para ASPS (R$ 100,3 bilhões) no Projeto de Lei Orçamentária 2016 da União. Em outros termos: (i) não será possível manter o padrão de gasto de 2014, tampouco assumir a insuficiência orçamentária de 2015; (ii) poderá ocorrer atraso nas transferências fundo a fundo para estados e municípios, ou seja, repetição do ocorrido em 2014 e do que ocorrerá em 2015; (iii) descumprirá da aplicação do valor integral das emendas parlamentares impositivas nos termos da Emenda Constitucional n. 86/2015; (iv) fragilizará a manutenção do programa “Farmácia Popular” (modalidade subsídio); (v) redução de recursos para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa); e (vi) haverá estagnação dos recursos para a Atenção Básica, depois de um processo de crescimento moderado verificado nos últimos anos. A situação é ainda mais grave se considerarmos que foi prevista no Projeto de Lei Orçamentária da União (PLOA) 2016 a utilização de recursos oriundos de operação de crédito (fonte 144/Emissão de Títulos de Responsabilidade do Tesouro Nacional) para o financiamento parcial dos R$100,3 bilhões destinados para ASPS.7

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidencia-se o crescimento acelerado do valor da insuficiência orçamentária, passando de R$ 3,8 bilhões em 2014 para R$ 5,9 bilhões em 2015 e para R$ 16,6 bilhões em 2016, bem como o impacto negativo sobre as despesas que representam cerca de 2/3 dos valores da aplicação em ASPS, especialmente as transferidas para estados e municípios na modalidade fundo a fundo, que refletirão na qualidade do atendimento de saúde no Brasil.8

Na atual conjuntura histórica, esse quadro se aprofunda com a crise política e econômica, provocando a redução do orçamento da saúde no contexto do ajuste fiscal. Considerando as incertezas do cenário macroeconômico e da própria estimativa da Receita Corrente Líquida em 2016, e ainda às vésperas da 15ª Conferência Nacional de Saúde, precisamos construir expressiva base de apoio social e parlamentar em defesa do SUS e da qualidade de vida da população brasileira, que passa não somente pela necessidade de aprimoramento da gestão, mas principalmente pela incorporação de novas fontes de financiamento do SUS, no contexto da Seguridade Social. À guisa de ilustração, em 2014, o SUS destinou para todos R$ 1.063,00 per capita/ano; comparativamente, os planos privados de saúde, beneficiados por isenções fiscais e empréstimos a juros subsidiados, gastaram o equivalente a R$ 2.818,00 per capita/ano para sua clientela quatro vezes menor.


Carlos O. Ocké-Reis é doutor em Saúde Coletiva e economista do Ipea;

Francisco R. Funcia é mestre em Economia Política e assessor técnico da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS). Os autores agradecem pelos comentários dos participantes da Assembleia do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) em 23 de setembro de 2015 e da reunião da Cofin/CNS em Brasília nos dias 1º e 2 de outubro de 2015.

2 comentários:

  1. Boa tarde, tudo bem?

    Estou entrando em contato através do blog http://mariolobato.blogspot.com.br/ para saber se vocês aceitam guest post, pois tenho um blog de financiamento e gostaria de divulga-lo.
    Desde já agradeço.
    Obrigada.

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    1. Bom dia Jeane! Contribuições sempre são bem vindas.

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