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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Estudo mostra que amamentação poderia evitar a morte de 800 mil crianças e 20 mil mulheres ao ano

Pesquisa capitaneada por pesquisador da UFPel aponta que aleitamento materno diminui risco de câncer de mama e de ovário nas mães e, nas crianças, reduz risco de desenvolver obesidade e diabetes na fase adulta

no Zero Hora
A mais ampla e detalhada pesquisa já realizada no mundo sobre amamentação, coordenada por um cientista gaúcho, revela dados impactantes sobre a importância do aleitamento materno para a saúde e a economia. De acordo com o estudo, que será publicado hoje pela revista médica The Lancet, universalizar a amamentação evitaria a cada ano a morte de 800 mil crianças e de 20 mil mulheres vitimadas pelo câncer de mama. Conforme o trabalho, a falta de amamentação causa um prejuízo anual de US$ 302 bilhões, por limitar o desenvolvimento intelectual — são US$ 8,7 bilhões perdidos apenas no Brasil.

O principal autor do estudo é o epidemiologista Cesar Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e um dos cientistas brasileiros de maior projeção. Ele foi convidado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a comandar o grupo internacional que cruzou dados de 28 pesquisas já realizadas sobre o tema — 22 delas encomendadas especificamente para a The Lancet.


As 800 mil vidas que seriam poupadas a cada ano pelo leite materno correspondem a 13% da mortalidade nos primeiros 24 meses de vida. Apesar desse impacto em potencial, o trabalho mostra que a amamentação é negligenciada. Apenas uma em cada cinco crianças recebe leite materno até os 12 meses nos países de renda alta. Em países de renda baixa ou média, como o Brasil, o aleitamento exclusivo até os seis meses é privilégio de apenas uma em cada três crianças.

Uma das descobertas mais importantes da pesquisa é que a amamentação não faz bem apenas para a saúde de quem recebe o leite, mas também de quem o fornece. Os dados apontaram menor incidência de câncer de mama e de ovário entre as mulheres que dão o peito. Segundo Victora, isso decorre do efeito hormonal decorrente da estimulação do seio pelo bebê (veja entrevista ao lado).

No caso das crianças, o aleitamento aumenta a inteligência e reduz o risco de desenvolvimento de obesidade e diabetes na idade adulta. Nos países de alta renda, a mortalidade infantil súbita cai um terço entre crianças amamentadas. No países mais pobres, previnem-se metade dos casos de diarreia. A expectativa de vida de quem foi aumentado é maior.

Conforme os autores do trabalho, o aumento das taxas de amamentação de crianças de até seis meses de idade a 90% nos Estados Unidos, na China e no Brasil e a 45% no Reino Unido reduziria os custos com tratamento de doenças como pneumonia, diarreia e asma. A economia para os sistemas de saúde seria de US$ 2,45 bilhões nos EUA, US$ 29,5 milhões no Reino Unido, US$ 223,6 milhões na China e US$ 6 milhões no Brasil.

A pesquisa mostra que a falta de aleitamento materno é um problema especialmente grave em países ricos. Por razões culturais ou de mercado de trabalho, as taxas são baixíssimas no primeiro ano de vida em nações como o Reino Unido (menos de 1%), a Irlanda (2%) e a Dinamarca (3%). Os pesquisadores observam que a amamentação é um dos poucos comportamentos de saúde positivos que é mais comum em países pobres do que nos ricos.

Os responsáveis pelo estudo manifestam uma preocupação especial com o avanço da indústria que oferece produtos para substituir o leite materno — as vendas globais do setor passaram de cerca de US$ 2 bilhões em 1987 para US$ 40 bilhões em 2014.

— A saturação de mercado em países de alta renda leva as indústrias a penetrar rapidamente em mercados globais emergentes. Quase todo o crescimento em vendas de leite em fórmula para crianças no futuro próximo deve acontecer em países de renda baixa e média, onde o consumo ainda é relativamente baixo — alerta um dos autores, Nigel Rollins, do Departamento de Saúde Materna, Neonatal, Infantil e do Adolescente da OMS.

Entrevista: Cesar Victora, coordenador do estudo

Qual é a abrangência desse estudo?

Ele foi encomendado pela OMS a um grupo de pesquisadores, sob liderança da UFPel. O primeiro estudo inclui 28 meta-análises. Uma meta-análise é quando a gente pega tudo o que é trabalho do mundo que existe sobre um assunto e tira uma espécie de média. Porque um estudo diz que a amamentação aumenta o QI em cinco pontos, outro diz que é dois, outro diz que é sete. A meta-análise é como se fosse uma média de diferentes estudos sobre um mesmo tema. Os números de mães e crianças que fazem parte desse estudo são astronômicos.

O trabalho aponta que a amamentação é fundamental no primeiro ano de vida.Olhamos tanto o bebê quanto a mãe. E olhamos também o bebê a longo prazo, buscando saber se os efeitos ainda estão presentes depois que ele se torna adulto. Para a mãe, mostramos que há uma proteção contra o câncer de mama, quando ela amamenta mais tempo. É um mecanismo hormonal. Por causa da estimulação da mama pela criança, a mãe tem um perfil hormonal que diminui a incidência de câncer de mama e de ovário.

E com relação às mortes infantis que são evitadas?

Em um país pobre, a amamentação protege contra a mortalidade. A criança que recebe apenas o leite materno tem mortalidade sete vezes menor do que a criança que não é amamentada. Isso é devido a diarreia, pneumonia e outras infecções.

As constatações do estudo, na dimensão em que são apresentadas, são inéditas?

O que é novo no estudo, em primeiro lugar, são os efeitos a longo prazo na inteligência. O leite materno é muito rico em substâncias que são essenciais para a formação do cérebro. A criança amamentada é mais inteligente e isso persiste no tempo.

É aí que entra o cálculo que vocês fizeram do prejuízo econômico de não amamentar?
Todo mundo sabe que em um país onde as pessoas são mais inteligentes e produtivas, elas ganham mais e rendem mais para o país. Então, a gente calculou o que se ganharia se todo mundo amamentasse mais tempo. Deu US$ 302 bilhões de dólares por ano no mundo. Isso é novo. Outra coisa nova são os efeitos na mãe, mostrar que a mãe que amamenta tem menos câncer.

O problema de a amamentação ser abreviada decorre principalmente do estilo de vida moderno?

Sem dúvida. Mas, no Brasil, por uma série de medidas, a amamentação está aumentando. A amamentação nos anos 80 era de três meses na média e agora é mais de um ano. Porque houve muita promoção do aleitamento, existe licença-maternidade, controlou-se a propaganda de leite em pó. Isso aconteceu no Brasil e em alguns outros países. Já na China, a indústria de leite em pó é selvagem, agressiva. Eles não controlam. E lá eles têm taxas muito curtas de amamentação.

O estudo deverá influenciar políticas públicas?

Sem dúvida.

Saiba mais

800 mil crianças com até cinco anos deixariam de morrer a cada ano se a amamentação fosse universalizada

20 mil mulheres deixariam de morrer a cada ano por câncer de mama, se todas amamentassem os filhos. Amamentar também previne o câncer de ovário e o diabetes tipo 2

US$ 302 bilhões (R$ 1,2 trilhão) é a perda econômica anual associada ao déficit cognitivo provocado pela falta de aleitamento materno no começo da vida

• BENEFÍCIOS PARA AS CRIANÇAS AMAMENTADAS POR MAIS TEMPO: 
Menos infecções
Inteligência maior
Menor risco de obesidade
Menor risco de diabetes

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