Páginas

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

#MaisMedicos - Ideologia acima de tudo – a desinformação que faz mal à saúde

Rogério da Veiga* no Congresso em Foco

Uma das maiores preocupações do brasileiro é a saúde[1], sendo a escassez de médicos e sua má distribuição no território nacional um dos gargalos conhecidos para a melhoria da saúde pública no Brasil, para além do subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Estudos à época do lançamento do Programa Mais Médicos apontavam que, em 2013, havia 1,8 médicos por mil habitantes. O Brasil assumiu como meta elevar esse número para 2,7 médicos/mil habitantes, o que demandaria mais 168.424 novos médicos no país. Uma meta que seria buscada por meio da ampliação/democratização de vagas na formação de médicos no país e atração de profissionais formados em outros países.

Em 2013, entravam no mercado de médicos no Brasil 17.334 profissionais e saíam 10.169 (morte ou aposentadoria), dando um incremento líquido de 7.165 médicos. Para piorar a situação, esses 1,8 médicos/mil habitantes no Brasil estavam mal distribuídos: 701 municípios no país não tinham um médico sequer; enquanto no Rio de Janeiro havia 3,44 médicos/mil habitantes, o Maranhão possuía 0,58 médicos/mil habitantes.

A partir da compreensão da necessidade de interiorização do SUS para garantir o direito à saúde de todos os brasileiros e brasileiras, o governo Dilma criou o Programa Mais Médicos. Esta não foi a primeira tentativa de interiorização das práticas de saúde na história brasileira, mas pela primeira vez foi possível concretizar essa interiorização através da chegada do profissional médico aos recônditos brasileiros dentro de uma perspectiva de fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS).

Como qualquer ação humana complexa, não é um programa perfeito. No entanto, o problema que ele visa resolver é real e concreto, as estratégias que estabeleceu para buscar a solução são de conhecimento público e obtiveram resultados importantes nos últimos anos.

O Programa Mais Médicos é organizado em três eixos[2], um eixo de provimento emergencial, um segundo eixo voltado a reorganização da formação médica no Brasil, de forma a ampliar o número e médicos formados no país e sua distribuição no território nacional e um terceiro eixo voltado a aprimorar a infra-estrutura da atenção básica nos municípios, melhorando as condições de trabalho dos profissionais de saúde.

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Rogério da Veiga lembra que, como qualquer ação humana complexa, o Mais Médicos não é um programa perfeito - Foto: Mais Médicos / Reprodução

No eixo do provimento emergencial de médicos, a partir do diagnóstico da necessidade de profissionais em cada um dos municípios brasileiros, os municípios foram convidados e declarar seu interesse em receber médicos do programa. As vagas foram ofertadas primeiramente para médicos brasileiros, em seguida para médicos brasileiros formados no exterior e, por fim, a médicos estrangeiros de países com mais médicos que o Brasil.

Segundo o Ministério da Saúde, há 18.240 vagas em 4.058 municípios no provimento emergencial do Programa Mais Médicos, das quais 8.469 são ocupadas por médicos no âmbito do acordo de cooperação com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Os cubanos não vieram ao país por motivações ideológicas, mas para atender as necessidades da população brasileira. Cuba é o único país que tem condições de exportar médicos com boa formação, em grande número, sem desfalcar seu próprio sistema[3].

O programa apresenta resultados importantes: reduziu a escassez de médicos em regiões do país[4], é bem avaliado pela população usuária[5] e se observa melhora nos indicadores de saúde, em especial aqueles mais afetados pela atenção básica. O Mais Médicos é monitorado e avaliado sistematicamente pelo Ministério e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)[6], os médicos estrangeiros, antes de iniciarem sua atuação, passam por uma formação de quatro semanas em universidades públicas e ficam sob supervisão permanente de universidades públicas, secretarias estaduais e municipais de saúde.

É um programa sério, tecnicamente embasado e com resultados consistentes[7], informações que não foram suficientes para sensibilizar o governo eleito, que provocou a atual situação e justifica-se da seguinte maneira:

1. Parte dos recursos do convênio vai para o médico e parte é repassada para o Governo Cubano e proibição de vinda das famílias

É verdade que os recursos do convênio são divididos entre a família e o governo cubano, mas isso não justifica as alegações de trabalho escravo ou de condições de trabalho subumanas. O contrato segue as normas estabelecidas pelo Código Global sobre a Prática de Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde[8], que define direitos e deveres de contratantes e contratados. Outros países mantém convênios semelhantes com a OPAS e Cuba e essa questão não foi levantada em nenhum outro país. Isso não quer dizer que não existam problemas no regime político de Cuba. Significa, apenas, que a escravidão de médicos não é um desses problemas e demonstra, mais uma vez, que o presidente eleito e sua equipe trabalham com desinformação, sem compromisso com a verdade e a realidade.

Só acredita no argumento da escravidão quem nunca viu um médico cubano e trabalha com um imaginário que apresenta os médicos ora como guerrilheiros comunistas disfarçados, ora como pobres coitados escravizados por um regime ditatorial cruel. Esse discurso tem pouca aderência para as pessoas atendidas pelos cubanos, muitas delas extremamente pobres, que conhecem e se beneficiam do trabalho do médico. Para estas pessoas, um salário de R$ 3 mil por mês é um sonho e ter um médico para se consultar um direito que lhes foi negado por toda a vida.

2. O governo não tem como atestar a qualidade dos médicos cubanos (exigência do exame do Revalida)

“Os médicos recrutados são, em sua maioria, profissionais que já tiveram atuação humanitária em diversos países do mundo (como a crise do ebola na África ou países centro-americanos). Cerca de 25 mil profissionais atuam fora do país atualmente” (via Lara Stahlberg) [9],[10]. A formação em saúde comunitária em Cuba é referência internacional.

Além disso, os médicos não chegam no Brasil e são abandonados. Eles passam por um período de formação inicial e são acompanhados por universidades, secretarias estaduais e municipais. Os resultados do programa em termos de indicadores de saúde e satisfação da população não corroboram o argumento da baixa qualidade dos profissionais.

É justo que o governo queira ter maiores garantias sobre a qualidade do profissional que atuam no país, mas é fundamental que seja feito com base em estudos, dados e evidências, não por razões puramente ideológicas, sem dialogar respeitosamente com as partes envolvidas – o governo cubano, OPAS, municípios, estados.

O Brasil e os brasileiros têm agora um problema nas mãos: como selecionar, treinar e enviar 8.500 médicos para mais de quatro mil municípios, em um país que forma anualmente 17 mil médicos, majoritariamente nos grandes centros e que, historicamente, não têm demonstrado interesse em se mudar para territórios com estruturas precárias e alta concentração de pobreza.

Um problema criado por colocar a ideologia acima da vida das pessoas. Na história, sempre que isso acontece, seja com ideologia de direita ou de esquerda, a população é quem sai perdendo.

Nesse caso, as pessoas com diabetes, pressão alta, febre, vermes, malária, doença de chagas, tuberculose, diarreia, asma, pneumonia, câncer, etc que não terão mais um lugar para buscar orientação, tratamento e encaminhamento para casos mais complexos.

* Mestre em Política Científica e Tecnológica e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Possui experiência em políticas públicas na área de Educação, Primeira Infância e Combate à Pobreza no níveis federal e municipal.



Nenhum comentário:

Postar um comentário