CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Em torno de 50% dos pacientes que vivem há mais de ano em hospitais psiquiátricos paulistas não necessitam de internação e devem passar a morar em residências terapêuticas, financiadas pelo governo do Estado, a partir de 2009.
O anúncio foi feito ontem pelo secretário de Estado da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, durante a divulgação dos resultados do primeiro censo psiquiátrico do Estado. O governo promete investir R$ 15 milhões, em três anos, para desinternar 6.300 moradores.
Segundo Barradas, em 2009 serão destinados R$ 5 milhões para a instalação de 400 residências terapêuticas, que vão abrigar 3.200 pessoas. O orçamento total da saúde do Estado para 2009 é de R$ 10,5 bilhões.
De acordo com o censo, entre os pacientes sem necessidade de internação estão pessoas com retardo mental (30%) e outras que nem doentes são. Em torno de 8% delas vivem em situação de "precariedade social", ou seja, ausência de vínculos sociais e familiares.
As residências extra-hospitalares, um dos pilares da reforma psiquiátrica brasileira, têm se mostrado uma estratégia eficaz de reintegração social de pacientes, mas essas iniciativas sofrem problemas que vão desde a descontinuidade de assistência médica até assaltos às casas dos moradores.
"Serão criadas parcerias com as prefeituras e o governo federal para assegurarmos não só a moradia, mas a garantia de cuidado e reabilitação psicossocial", diz Barradas.
Problemas
Hoje, 1.500 ex-pacientes de hospitais psiquiátricos estão em 190 residências terapêuticas no Estado. Isolina Cândido, 51, por exemplo, viveu 26 anos no Hospital Psiquiátrico Pinel, em Pirituba (zona norte de SP), e há seis meses passou a morar em uma casa no mesmo bairro, com outras oito mulheres, também ex-pacientes do Pinel.
Indagada sobre qual foi a principal mudança na sua vida após a desinternação, ela não titubeia: "Agora tenho liberdade. Não matei nem roubei para viver presa", afirmou.
O censo apontou que 52,3% dos 6.349 pacientes internados nos hospitais psiquiátricos não recebem visitas --embora 64% tenham endereço familiar conhecido. O tempo médio de internação é de 15 anos.
Para o psiquiatra Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, as residências terapêuticas são bem-vindas, mas, sozinhas, não trazem garantia de sucesso aos pacientes.
"Esses dispositivos são caros e funcionam muito na dependência de uma rede de apoio que garanta uma boa equipe de profissionais de saúde e de cuidadores. Tendem a funcionar melhor em cidades pequenas."
Nesses lares, explica o médico, por mais que os pacientes tenham autonomia, é necessária a presença de cuidadores. "Eles exigem uma retarguarda bastante intensiva, em diversos sentidos. Alguém que cuide da alimentação, lembre dos remédios que precisam tomar e que zele por sua segurança."
O médico conta ter visitado nos últimos anos diversas residências terapêuticas e ter presenciado também casos de sucesso. "Infelizmente, foram exceções." A grande maioria, diz ele, ainda sofre com equipes mal treinadas, com desvio de recursos destinados aos pacientes e com a violência.
Hetem cita um caso em Barretos (interior de SP) em que os doentes de uma residência terapêutica pediram para voltar a morar no hospital psiquiátrico. "A casa onde moravam foi assaltada continuadamente."
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