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sábado, 14 de fevereiro de 2009

Estado é omisso por manter docente "nota zero", diz juíza

Maria Gabriella Spaolonzi determinou que Promotoria investigue situação em SP

Juíza já havia vetado a utilização da prova feita por professores como critério para distribuir aulas na rede estadual paulista

FÁBIO TAKAHASHI
DA FSP

A juíza Maria Gabriella Pavlopoulos Spaolonzi, da 13ª Vara da Fazenda Pública, afirmou anteontem que o governo é omisso por manter "professores despreparados" na rede e deve criar mecanismos para retirá-los das escolas.
Foi a juíza Maria Gabriella que suspendeu as notas da prova aplicada aos docentes temporários da rede estadual. O exame foi aplicado em dezembro pela Secretaria da Educação da gestão José Serra (PSDB) como novo critério para escolher os 100 mil docentes temporários que suprem todos os anos a falta de concursados.
Cerca de 3.500 professores não acertaram nenhum dos 25 testes. Destes, 1.500 darão aulas neste ano, por serem antigos na rede. Com a suspensão da prova, o tempo de serviço voltou a ser o principal critério.
Segundo a juíza, sua decisão determinou apenas que a prova não pode ser usada no processo de atribuição (distribuição) de aulas, por conter problemas legais e indícios de irregularidades. Mas pode servir, "no mínimo, como medidor da capacitação dos professores".
Para a juíza, "causa estranheza a manutenção de "professores nota zero" na matéria que ministram diariamente ao longo de tanto tempo".
As críticas ao governo foram feitas em decisão proferida anteontem, na qual ela pede que o Ministério Público investigue eventual responsabilidade criminal e administrativa no caso.
Para ela, "choca o número de 3.000 professores que obtiveram nota zero e que serão consagrados com a atribuição de aulas [são, na verdade, 1.500]".
Ela diz ainda que "impõe-se a adoção de medida cabível para aferição da capacitação destes professores com a suspensão, se o caso, da possibilidade de sua participação no processo de atribuição de aulas".
A Folha solicitou entrevista com a juíza para esclarecer como os professores poderiam ser retirados das escolas, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
A Secretaria da Educação diz que tentou retirar os professores despreparados, mas que foi impedida pela suspensão da prova, pedida pela Apeoesp (sindicato dos professores).
O impasse judicial fez com que a atribuição de aulas atrasasse, o que forçou o adiamento do início das aulas na rede (que seria na quarta-feira passada e foi transferida para a próxima segunda-feira).
A Apeoesp afirma que fez o pedido por conta de denúncias de irregularidades (como o registro de ausências a professores que fizeram o exame) e que o ideal é que seja feito concurso público, para diminuir o número de temporários -e não retirar docentes com experiência com base em uma "provinha".
A secretaria nega irregularidades e diz que estuda criar 75 mil cargos públicos.
O governo chama temporários para suprir a falta de concursados. Atualmente, a rede possui 230 mil docentes, sendo 130 mil efetivos e 100 mil temporários -este número vem caindo lentamente desde 2003, quando eram 143 mil, e chegou a ser de 174 mil em 1998.

Divulgação
A Apeoesp anunciou ontem que entrou na Justiça para pedir a divulgação completa dos resultados da "provinha".
A entidade afirma que a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, manipulou os dados referentes ao número de docentes que tiraram zero no exame.
O governo nega a manipulação e afirma que fará a divulgação caso a Justiça determine. A secretaria entende que a liminar que suspendeu a prova também proibiu a divulgação dos resultados.

COMENTÁRIO: Reproduzo abaixo comentário do blog do Luis Nassif sobre o mesmo tema:

Os 1.500 “notas zero”

Considero balela essa história dos 1500 professores que tiraram nota zero nas provas da Secretaria da Educação para selecionar substitutos.

Estatisticamente é impossível por várias razões óbvias:

1.Não sei a quantidade de questões, algum de vocês poderia mandar o link da prova. O que digo é estatisticamente impossível 1500 professores não saberem a resposta certa de sequer uma questão. É impossível, a não ser que as questões não tivessem um ponto de contato sequer com o currículo dos professores.

2.Mesmo não sabendo, seria muito difícil que, no chutômetro, 1500 professores tivessem errado todas as questões.

Então é bastante provável que a Secretaria da Educação, Maria Helena, esteja faltando com a verdade ao insistir nesses dados – e os jornais repetirem.

Agora os que são contra o exame têm apresentado argumentos no mínimo inconsistentes. Outro dia li um artigo da presidente da APEOSP falando em boicote dos professores (o que explicaria a tal epidemia de notas zeros) e em prova mal feita. Aí dá discussão da boa.

Mas na Folha de hoje, o artigo da professora Ângela Soligo, contra os sistemas de avaliação expõe argumentos que apenas servem para depreciar a luta dos professores.

Diz dela, entre outras coisas: Esses processos avaliativos baseiam-se em instrumentos padronizados, inspirados na ideia de meritocracia: padronização na desigualdade -provas iguais para realidades e condições de aprendizagem e de existência desiguais.

Por tudo o que conheço das formas de utilização das avaliações, procura-se comparar escolas de realidades homogêneas. E, especialmente, comparar a escola consigo mesmo, premiando as que experimentaram avanços, ainda que sobre um base baixa.

(…) Mas a experiência mostra que os professores mais bem avaliados escolhem as escolas com as melhores condições de trabalho, o que só contribui para ampliar o abismo educacional e social que marca o nosso Estado.

Ora, existem os professores mais bem avaliados, os menos bem avaliados e os sem condição de dar aula. Se houver seleção adequada, todos ganham, mesmo que as escolas com melhores condições de trabalho sejam mais beneficiadas.

Não defendo aqui que não se avalie, mas me contraponho a esse processo avaliativo. É possível pensar em outros mecanismos de avaliação: pelos pares, pelos alunos, pelos produtos do processo de ensino-aprendizagem, que representam perspectiva mais democrática e realista, pois levam em conta os sujeitos do processo e as condições de produção.

Processos de avaliação precisam ser objetivos, técnicos. Não existe democracia em processo de avaliação. A democracia, nas escolas, deve se manifestar na atuação das associações de pais e alunos batalhando por melhor ensino, ou junto com os professores contra o Estado, ou pressionando os professores.

Mas há outros pontos a considerar.

O primeiro deles é o princípio meritocrático, que “enche a boca” de políticos, estudiosos, curiosos etc. A questão do mérito não pode ser desvinculada das condições de produção do sujeito e suas competências. Não se pode de fato falar de mérito em condições tão desiguais de existência, seja de alunos, seja de professores.

Mas, claro. Sem medir, como vai se chegar ao diagnóstico adequado. É evidente que os sistemas de avaliação devem vir acompanhados de uma retaguarda para o professor. Não entendi o que a professora quis dizer sobre as condições do mérito não serem desvinculadas das competências do professor. Presumo que um sistema de avaliação de um professor avalia a sua capacidade de dar aula e ensinar. Ou não?

Na desigualdade profunda que nos marca, no máximo podemos falar em mérito relativo, o que torna os instrumentos de avaliação -as provas- um fraco indicador de qualidade.

É sofisma. Se se comparam escolas de uma mesma região entre si, ou se a avaliação é sobre o avanço relativo de cada escola, o argumento não procede.

(…) Ora, os discursos oficiais, que colocam na competência do professor e nos cursos de capacitação toda a responsabilidade pela melhoria da educação, vêem reforçada nesses dados sua tese de que, para que a educação “ande nos trilhos”, basta o esforço do professor e a liderança do gestor.

Não é isso o que ocorre. Quando os indicadores são ruins, o Secretário é o primeiro a ser crucificado, e com justiça. Vice caso Chalita.

Mas será isso mesmo? Será que podemos esperar que a educação melhore se promovermos cada vez mais processos avaliativos e classificatórios que somente apontam culpados, mas não levam a efetivas mudanças nas condições educacionais?

Para poder melhor tem que medir a avaliar. Senão, jamais se saberá se melhorou ou não.

Podemos esperar um professor altamente qualificado com os baixos salários praticados no Estado, a carga horária desumana, as salas de aula superlotadas, as escolas sucateadas, as bibliotecas empobrecidas ou trancadas, os processos de exclusão da cultura do aluno e de sua família?

Argumento contra a política de salários da Secretaria, mas que nada tem a ver com sistemas de avaliação.

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