CIRO MORTELLA* no blog do CEBES
Fonte: Folha de S. Paulo, 6/8/09 (seção Tendências/Debates")
A humanidade convive desde a Antiguidade com epidemias e pandemias, e a gripe suína é mais uma. A dose de preocupação e mobilização que a nova gripe suscita não se deve exatamente à sua novidade ou virulência.
De novo, tal qual ocorreu recentemente com a Sars e a gripe aviária, há a preocupação com a rapidez de propagação do vírus, decorrente das facilidades proporcionadas pelas viagens aéreas, e há os avanços da ciência médica, dos organismos nacionais e internacionais de saúde e dos meios de comunicação, que geram, disseminam e trocam uma quantidade inédita de estudos e informações em tempo real e escala global.
Por outro lado, a humanidade nunca contou com um arsenal científico e terapêutico tão eficaz para enfrentar essa ameaça.
No caso da gripe suína, as autoridades da saúde em todo o mundo adotaram prontamente medidas de prevenção e informação e um protocolo clínico baseado em medicamentos antivirais desenvolvidos e fabricados por grandes laboratórios farmacêuticos. Hoje, estão disponíveis milhões de doses do oseltamivir, medicamento mais usado nos tratamentos.
Ao mesmo tempo, uma grande ação coordenada pela Organização Mundial da Saúde juntou os conhecimentos e as tecnologias da indústria farmacêutica e de centros de pesquisa públicos e privados no esforço de desenvolver e produzir em prazo recorde uma vacina para imunizar as pessoas contra a doença.
Segundo relatos recentes, centenas de milhões de doses da vacina contra a gripe A (H1N1) já devem estar disponíveis em diversos países a partir de outubro.
O que para alguns pode parecer um esforço pontual e casual é, na verdade, o resultado de articulações e trabalhos complexos que vêm sendo construídos e realizados em diversas frentes ao longo de décadas.
Não fosse assim, as fundadas esperanças de manter a gripe A sob controle -embora a situação continue preocupante- não se teriam materializado nos poucos meses que se passaram desde o início do surto. O antiviral oseltamivir (Tamiflu) ilustra a questão e pode ser usado como estudo de caso para um debate bem informado.
Descoberto e desenvolvido inicialmente pelo laboratório Gilead, o medicamento é fabricado pelo laboratório Roche desde o ano 2000.
O oseltamivir consumiu milhões de dólares em pesquisa, envolveu centenas de cientistas e técnicos e foi testado em milhares de pacientes antes de chegar ao mercado.
A Roche concedeu, em 2006, uma licença voluntária ao laboratório público Farmanguinhos para a fabricação do oseltamivir no país, na época em que havia uma preocupação mundial com a possível pandemia de gripe aviária.
A exemplo de outros laboratórios, com fábricas em vários países, inclusive no Brasil, a empresa emprega 80 mil pessoas. Só no ano passado, investiu em pesquisa e desenvolvimento US$ 8,27 bilhões (R$ 15,57 bilhões).
São cifras vultosas, destinadas somente à descoberta de medicamentos inovadores, que poucos governos têm condições de aplicar (o governo brasileiro, por exemplo, gastou em toda a área da saúde R$ 48 bilhões em 2008, num esforço imenso para viabilizar o SUS).
Por isso, quem acredita que a simples quebra de patente resolve a questão da produção e do acesso aos medicamentos em geral (e antivirais usados no tratamento da gripe A em particular) está desinformado ou possui uma visão distorcida da realidade.
Ainda mais despropositado é afirmar que "as constantes mutações do vírus [H1N1] tornam o mundo refém da indústria de medicamentos" (artigo "A era das pandemias e a desigualdade", "Tendências/Debates", 31/7).
Na atual pandemia de gripe, assim como no bem-sucedido esforço de criar antirretrovirais para os portadores de Aids, o trabalho da indústria farmacêutica gera benefícios inegáveis para a humanidade. Ou seja, a atuação dos laboratórios e as articulações com o setor liberam e aliviam o mundo, e não o contrário.
As pessoas que estão sendo curadas da nova gripe e os soropositivos que levam uma vida normal são testemunhas de como a indústria farmacêutica é peça importante e insubstituível no esforço permanente de tornar o mundo melhor. E as evidências históricas, políticas e econômicas ainda não revelaram um substituto à altura.
*CIRO MORTELLA , 51, biólogo, é presidente-executivo da Febrafarma (Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica).
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