na CartaCapital
O esquema de remessas ilegais que tirou do País milhões de dólares nos últimos anos deixou escapar a ponta de um gordo novelo de corrupção que agora começa a ser desenrolado. Um esquema milionário de evasão e lavagem de dinheiro veio à tona a partir de documentação obtida em uma casa de câmbio e corretora de São Paulo: a Disk Line. Promotores públicos e procuradores federais têm se debruçado sobre o farto material nos últimos meses.
São cerca de 18 mil movimentações financeiras irregulares relacionadas em um CD-ROM, com os nomes dos operadores, os beneficiários e números de contas e agências no Exterior. Estão na lista políticos, religiosos, empresários, publicitários e dirigentes e funcionários de estatais.
Pela casa de câmbio investigada operavam doleiros conhecidos como Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho Barcelona; Dario Messer, que teria trabalhado para o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf; João Arcanjo, conhecido como Comendador; Marco Antonio Cursini e Hélio Laniado, preso em 2005 na Eslováquia. As remessas eram feitas por meio de dólar-cabo, um sistema sem o controle do Banco Central.
As contas bancárias de brasileiros no exterior, para onde seguia o dinheiro, eram abertas em nome de empresas off-shore. O esquema é semelhante ao descoberto na CPI do Banestado, que detectou uma rede clandestina de doleiros brasileiros e uruguaios com contas mantidas na agência desse banco em Nova York. Repasses também foram feitos pelos doleiros da Disk Line por meio do escritório de lavagem de dinheiro -Beacon Hill, investigado durante a operação Farol da Colina, da Polícia Federal, em 2004. Nessa operação foram presos vários doleiros brasileiros.
Descoberta há quatro anos, a documen-tação da Disk Line não tinha a sua autenticidade comprovada. Somente agora um relatório da Assessoria de Análise e Pesquisa da Procuradoria-Geral da República, publicado no jornal Folha de S.Paulo, no dia 25 de outubro, confirmou a autenticidade de parte das remessas ilegais feitas pela Disk Line, em benefício da Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Edir Macedo.
Autoridades norte-americanas também estão de olho nessa documentação. Como resultado do Acordo de Assistência Mútua Legal (MLAT) – firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para combater a lavagem de dinheiro–, as contas ali citadas passaram a ser investigadas.
Na Procuradoria da República, em São Paulo, há uma investigação específica sobre a casa de câmbio. Mas o MPF ainda guarda segredo sobre o assunto. Ao menos um envolvido nas denúncias foi beneficiado pela delação premiada e passou a colaborar nas investigações. Promotores paulistas que atuam no caso também se recusaram a dar informações. Foram sócios da casa de câmbio, entre outros, Marcelo Birmarcker, Cristiana Marini, Claudio Alves da Costa, Clóvis Alves da Costa, Izabel Amorim Alves e Alfredo Luiz Scandurra Piovacari.
Foi confirmado pela Procuradoria o envio de 17,9 milhões de reais para contas da Igreja Universal do Reino de Deus em Nova York. A Universal disse que não iria se pronunciar por não ter tido acesso às investigações. Com as informações em mãos, o Ministério -Público paulista empenha-se para colher provas de que as contribuições arrecadadas nos cultos da igreja foram mandadas ao exterior e retornaram ao País para a compra de emissoras de rádio e tevê, gravadoras, banco, corretora e agência de viagem, entre outros negócios. De acordo com a lei, esses recursos só poderiam ser utilizados em benefício da própria igreja. Se comprovada a ilegalidade, o Ministério Público quer fazer esse dinheiro voltar aos templos.
Depoimentos colhidos pelo MP nas últimas semanas reforçaram essas denúncias. Uma das testemunhas ouvidas foi o ex-pastor da Universal em Nova York Gustavo Alves da Rocha. O ex-integrante da igreja teria confirmado a existência das contas bancárias nos Estados Unidos para receber as remessas clandestinas. As investigações no MP de São Paulo são comandadas pelos promotores Saad- Mazloum e Roberto Porto.
Os documentos em poder de CartaCapital mostram que, entre 1993 e 1996, a Disk Line remeteu 11 milhões de dólares para a Universal Church e a Record Television Network (Record Internacional). Esse dinheiro foi depositado em bancos dos Estados Unidos, Portugal, Porto Rico, Filipinas, El Salvador e Equador. A maior parte dos recursos teve como destino a conta número 365.1.007852 do Chase Manhattan Bank, agência Brooklin, em Nova York. Quem enviava o dinheiro era uma religiosa identificada com o codinome “Ildinha/Fé”.
Outro depoimento foi o do ex-bispo da Universal Marcelo Pires. Afastado da igreja desde 2000, Pires era um dos religiosos mais próximos de Macedo. Entre outros cargos na instituição, foi o responsável pelos estados de São Paulo, Rio Janeiro e todo o Sul do País.
Ele detalhou ao MP como funcionava o esquema de recolhimento do dinheiro nos templos e o repasse aos doleiros. Agora, oito integrantes da Universal responsáveis por essa tarefa devem ser indiciados.
Todas as contribuições iam para a catedral de Santo Amaro (zona sul de São Paulo), a sede da igreja. Uma funcionária se encarregava de enviá-las ao escritório do grupo religioso, na rua Ministro Rocha Azevedo, região da avenida Paulista, em São Paulo. Ali, parte do dinheiro era destinada aos doleiros, outra ficava com a LM (a holding da Universal) e uma terceira era remetida para o Banco de Crédito Metropolitano, de propriedade da igreja, segundo informou Pires ao MP.
A responsável pelo recolhimento do dízimo arrecadado nos templos era Lucia Suhett, na época mulher do bispo da Universal Renato Suhett. Localizada no Rio de Janeiro, hoje ela é líder de uma igreja evangélica dissidente. Os promotores tentam colher seu depoimento, considerado fundamental para as investigações.
Também já foi identificado o verdadeiro nome da responsável pelo envio das remessas ao exterior por meio da Disk Line. A tal “Ildinha/Fé” se chama, na realidade, Izilda Santa Fé. Vive nos Estados Unidos e é casada com um ex-pastor da Universal. O apelido “Ildinha Fé” lhe foi dado pelo doleiro Silvio Anspach Junior. Os mesmos doleiros da Disk Line já atuavam em parceria com a Universal na época da compra da TV Record, em 1989, segundo o bispo Pires relatou ao MP.
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