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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Neto 98 e polêmico projeto de retirada obrigatória de DNA

no blog do Noblat

É impressionante o trabalho que fazem as Avós da Praça de Maio.

Na semana passada elas anunciaram a identificação de mais um filho de desaparecidos, apropriado durante a ditadura militar (1976-83). É o 98º neto recuperado pela organização.

Chama-se Martín Amarilla-Molfino, tem 29 anos e é filho de Guillermo Amarilla e Marcela Molfino.

Os dois foram militantes Montoneros, seqüestrados em outubro de 1979 e desaparecidos até hoje. A identificação dos laços familiares só foi possível por meio da comparação de amostras de DNA.

No momento em que Marcela foi seqüestrada, não sabia que estava grávida. Depois de dar à luz, em cativeiro, seu corpo desapareceu e a família nunca ficou sabendo da gestação.

Martín foi criado por um agente de inteligência do Exército, que morreu quando ele tinha 15 anos.

Foi nessa época que Martín começou a desconfiar que havia algo errado. Fez as contas e constatou que a pessoa que dizia ser sua mãe tinha mais de 50 anos quando ele nasceu. Mesmo assim, foi tocando a vida.

Acercou-se às Avós há apenas dois anos, mas a primeira busca não deu resultado positivo.

O procedimento padrão é comparar as amostrar de DNA da pessoa que suspeita ser filho de desaparecido com as existentes no banco de dados.

A organização (http://www.abuelas.org.ar/) possui amostras de DNA de famílias que denunciaram ter um parente, filha ou irmã desaparecida que estivesse grávida, ou que tivesse um filho já nascido de poucos meses, no momento do seqüestro. Como a família verdadeira de Martín nem suspeitava de sua existência, não haviam feito nenhuma denúncia.

Foi um depoimento de um “arrependido” que possibilitou a abertura do caso. Desta vez, o cruze deu positivo. Martín conheceu seus três irmãos na semana passada.

Segundo as Avós, ainda existem 400 netos para serem identificados e, por isso, elas defendem a aprovação de um projeto que tramita no Congresso da Argentina.

O texto, de autoria do governo e apoiado por organismos humanitários, diz que quando houver suspeita de que alguém seja filho de desaparecido, o Estado deve obter mostras de DNA para comprovação, seja de forma voluntária ou compulsória.

Isto é, se a pessoa não concordar em fornecer mostras de sangue, a justiça estará autorizada a fazer procedimentos para obter material genético em escovas de dente, cabelos ou roupa íntima.

O projeto foi aprovado este mês pela Câmara dos Deputados por 154 votos a favor, 32 contra e 14 abstenções. Mas ainda precisa ser considerado pelo Senado.

Estaria tudo muito bem não fosse um detalhe: a oposição acusa o governo de usar esse projeto como vingança pessoal do casal K contra a proprietária do grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble.

A justiça investiga se os dois filhos da empresária poderiam ser filhos de desaparecidos.

Ambos foram adotados na década de 1970, mas se recusam a fazer os exames de DNA, alegando que isso poderia causar-lhes um “choque emocional”.

Marcela e Felipe Noble Herrera são herdeiros de uma fortuna avaliada em 1 bilhão de euros.

Clarín e governo estão numa guerra acirrada por poder, com novos rounds a cada semana. Não sei quem está com a razão, não estou aqui para defender ninguém.

O que sei é que a dona do jornal que apregoa liberdade de imprensa em manchetes garrafais é acusada de estar envolvida numa história muito suspeita.

Sugiro a leitura de um texto antigo, de 2002, do jornalista Mempo Giardinelli, chamado “La señora y sus extraños herederos”. É só colocar no Google.

Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo (giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.

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