Quem mais sofre com as doenças infecciosas é a população de baixa renda, que, em muitos casos, não tem acesso ao saneamento básico e encontra dificuldades em manter até os hábitos mais simples de higiene. Outro agravante é que, como atingem faixas marginalizadas da população que vive na zona rural, doenças como essas recebem pouca atenção dos grandes laboratórios farmacêuticos.
Apesar dos obstáculos, há grandes avanços no tratamento da doença. Embora ainda não exista uma vacina para combater o mal de Chagas, três novos medicamentos foram patenteados pelo Instituto Pasteur de Paris, referência mundial em pesquisas de doenças infecciosas. Quem está à frente dos projetos de desenvolvimento das novas drogas é a biomédica brasileira Paola Minóprio, chefe do laboratório de imunopatologia do processo infeccioso do instituto, que esteve em Curitiba na semana passada. Na oportunidade, Paola falou à comunidade médica sobre os avanços biotecnológicos aplicados a terapias contra o mal de Chagas.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a especialista detalha o funcionamento dos medicamentos e as principais dificuldades encontradas para combater essa e outras doenças parasitárias.
O modelo da primeira vacina experimental para o mal de Chagas foi desenvolvido pela senhora no início nos anos 2000. Por que não foi comercialmente viabilizado?
Decidi parar com a minha pesquisa em cima do modelo vacinante porque o modelo experimental que existe na Europa não me permite continuar com a experiência da vacina. Para continuar com os trabalhos, teríamos de ter à disposição camundongos mais resistentes, em contato maior com o homem. Na França trabalhamos com camundongos muito protegidos higienicamente e, consequentemente, mais suscetíveis a infecções e com tempo de vida menor. Conseguimos chegar à etapa necessária para provar que a vacina tem 95% a 98% de proteção contra o parasita, mas isso não é o suficiente. Ela precisa ser ainda mais eficiente.
Como foram realizadas as pesquisas que originaram estes novos medicamentos usados no tratamento da doença de Chagas?
Com o modelo da vacina, conseguimos chegar a dois novos compostos altamente inibidores da enzima parasitária que causa a doença de Chagas. Além disso, esses compostos também impedem que o parasita se multiplique nos tecidos durante a fase crônica da doença. Foi patenteada a aplicabilidade desses inibidores para serem usados como medicamentos. Mas ainda vai demorar cerca de dez anos para que estas drogas estejam disponíveis no mercado. Ainda é preciso analisar a toxicidade desses medicamentos, fazer testes in vivos. O processo é demorado, mas, ainda mostra-se mais eficiente do que investir em vacinas.
Como é que funcionam estes inibidores?
Por meio das pesquisas, descobrimos que apenas 2% a 5% dos anticorpos têm resposta específica ao parasita de Chagas. Todos os demais 95% a 98% dos anticorpos produzidos pelos antígenos que desenvolvemos em laboratório não servem para nada, pelo contrário, só atrapalham. Isso porque o parasita se utiliza destes anticorpos para escapar. O que nós fizemos foi nos concentrar naqueles poucos anticorpos imunodominantes – que reconhecem o parasita – para criar os compostos, pois eles são os únicos capazes de inibir a atividade enzimática. É importante levar em conta que o objetivo do parasita não é matar, ele quer se adaptar ao nosso organismo, assim como já fazem algumas bactérias (como as que compõe a nossa flora intestinal). O problema é que ele ainda não conseguiu encontrar uma forma de fazer isso sem causar a doença.
Essas pesquisas podem auxiliar a descoberta de novas drogas que combatam outras doenças como a malária?
Acredito que essas pesquisas contribuirão para encontrar novas drogas que combatam várias outras doenças infecciosas. Entretanto, um dos maiores obstáculos encontrados para combater essas doenças – entre elas também a malária e a leishmaniose – é que estes parasitas contam com mecanismos de escape, ou seja, eles conseguem se esconder dentro das células do hospedeiro.
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