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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Perfil do governo petista

Do Valor Econômico

Algo mais complexo que apoio das massas

Por Maria Inês Nassif

O perfil do governo petista que ascendeu ao poder pelo voto nas últimas duas eleições vai dar um trabalho maior de análise, no futuro, do que apaixonadas declarações sobre o caráter da inserção das forças sociais no jogo de poder. Existem elementos que precisarão ser analisados longe de um período eleitoral.

A primeira exigência de uma análise futura será a de evitar comparações automáticas – e fáceis – com o período de João Goulart, no pré-64. Jango era o líder claudicante de um governo populista, herdeiro de um pacto de poder que não era seu e com uma base social que herdara do getulismo e sob a qual não tinha grande controle. O que existia de seu era uma base trabalhista formada sobretudo no interior do Estado – o peleguismo – e que não necessariamente tinha, ela própria, inserção social. A liderança populista não tinha também vínculo orgânico com seu partido, o PTB, nem este partido era depositário de um projeto de poder. O PTB, também criado por Getúlio Vargas, foi criado para capitalizar a popularidade getulista, não para servir a um projeto que lhe fosse próprio.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não são organizações e lideranças constituídas à sombra do Estado. Os três têm ligação umbilical: surgem das lutas oposicionistas do início dos anos 80, em especial a partir dos primeiros movimentos sindicais de massa do pós-ditadura, liderados por Lula. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi a primeira construção organizada das novas lideranças sindicais que emergiam no cenário político. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi a construção política da articulação sindical, montada com base na crítica do modelo político varguista em que a base política de um projeto de poder se confundia com a estrutura sindical. PT, Lula e CUT constituíram suas lideranças fora do Estado e ficaram na oposição até 2002, quando Lula ganhou a eleição para a Presidência no PT e com o apoio da CUT. O governo Lula, portanto, não é uma construção pessoal do presidente Lula – é possível dizer que é produto de uma luta pelo poder em que participaram, do mesmo lado, PT e CUT, forças constituídas fora do Estado e que a ele ascenderam pelo voto. Segundo o sociólogo argentino Torcuato Di Tella, da Universidade de mesmo nome, na reunião anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) deste ano, o fato de essas forças terem se constituído de fora do Estado já tornam relativa a afirmação de que o governo Lula tem um perfil populista.

A ascensão de Lula ao Palácio do Planalto trouxe para o poder todos esses elementos – o PT, a CUT e, de forma indecisa e menos compacta, os movimentos sociais. Esse era um elemento novo em relação aos demais governos. Embora o PSDB tivesse desempenhado um inegável papel na luta contra a ditadura e incorporado elementos importantes da social-democracia na sua constituição, nos governos Fernando Henrique Cardoso não conseguiu levar para dentro de seu governo setores sindicais e populares. Primeiro, porque a sua base social não era a mesma que a do PT – já no Plano Real, a aliança no poder tendia ao centro do espectro partidário. Depois, porque o PSDB sempre disputou com Lula – que era, devido à sua origem e à constituição do próprio PT, o depositário do apoio político da maior parte do movimento sindical e também dos movimentos populares. O PSDB não incorporou o movimento sindical no seu governo porque não o tinha; não teve o apoio dos movimentos sociais porque a aliança que o mantinha no poder excluía essa possibilidade. Difícil imaginar que, se tivesse bases sindical e social mais sólidas, o PSDB não as tivesse incorporado na sua base de apoio.

O outro elemento a ser analisado é o caráter dessa aliança tão ampla como a que conseguiu Lula. Um elemento claro é a incorporação de grandes massas não apenas ao mercado de consumo, mas ao mercado político, como eleitores de Lula, via programas de transferência de renda. Outros dados são a excessiva força que teve o setor financeiro em seu governo, em especial no seu primeiro mandato (2003-2006); a opção clara pelo agronegócio, mesmo quando ele representa a manutenção de um setor que carrega enorme atraso político; e a configuração de um governo que abriga pequenos partidos de direita. Mas é certo também que o apoio do sindicalismo e dos movimentos sociais – nem todos estão com o governo, mas parte deles está – é o que Lula tem de apoio de setores organizados. Isto quer dizer que a gestão Lula não pode ser descrita como um governo tomado por grandes massas desorganizadas beneficiadas por programas sociais. É um governo apoiado por grandes massas, mas também por setores sociais tão variados como o sindicalismo e o setor agrário, além do setor financeiro. Esses apoios podem ser tão amplos quanto os que mantinham uma liderança populista no poder, mas são organizados e não são uma construção política do governante, mas ascenderam ao poder com ele.

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