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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Sérgio Macaco: o homem que fez diferença

Do Blog Mídia Independente

Sérgio era admirado por indianistas como os irmãos Vilas-Boas e o médico Noel Nutels. Foi amigo de caciques como Raoni, Kremure, Megaron, Krumari e Kretire. Os índios o chamavam “Nambiguá caraíba” (homem branco amigo). Aos 37 anos, Sérgio Macaco (como era conhecido na Aeronáutica) já tinha seis mil horas de vôo e 900 saltos em missões humanitárias, de resgate e socorro em geral. Todavia o tipo de tarefa que lhe seria proposta ali pelos oficiais não era nem um pouco digna ou solidária.

Dia 12 de junho de 1968, o capitão para-quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, convocado a uma reunião, foi recebido no gabinete do ministro da Aeronáutica pelos brigadeiros Hipólito da Costa e João Paulo Burnier, que viria a se tornar conhecido como torturador e assassino.

Sérgio era admirado por indianistas como os irmãos Vilas-Boas e o médico Noel Nutels. Foi amigo de caciques como Raoni, Kremure, Megaron, Krumari e Kretire. Os índios o chamavam “Nambiguá caraíba” (homem branco amigo). Aos 37 anos, Sérgio Macaco (como era conhecido na Aeronáutica) já tinha seis mil horas de vôo e 900 saltos em missões humanitárias, de resgate e socorro em geral. Todavia o tipo de tarefa que lhe seria proposta ali pelos oficiais não era nem um pouco digna ou solidária.

? O senhor tem quatro medalhas por bravura, não tem? ? indagou Burnier.

Sérgio respondeu afirmativamente. Então o brigadeiro continuou:

? Pois a quinta, quem vai colocar no seu peito sou eu ? fez uma pausa. ? Capitão, se o gasômetro da avenida Brasil explodir às seis horas da tarde, quantas pessoas morrem?

Achando que a pergunta se referia apenas à remota hipótese de um acidente na cidade do Rio de Janeiro, Sergio respondeu:

? Nessa hora de movimento, umas 100 mil pessoas.

Foi nesse momento que os dois brigadeiros começaram a explicar um terrível plano terrorista das Forças Armadas e qual deveria ser a participação de Sérgio. Os dois propuseram que ele, acompanhado por outros para-quedistas, colocasse bombas na porta da Sears, do Citibank, da embaixada americana, causando algumas mortes. Em seguida viria a grande carnificina: queriam que dinamitasse a Represa de Ribeirão das Lajes e, simultaneamente, explodisse o gasômetro. As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que depois ficaria aguardando, no Campo dos Afonsos, o surgimento duma grande claridade. Aí ele decolaria de helicóptero e aportaria no local da tragédia posando de bonzinho, prestando socorro a milhares de feridos e recolhendo mortos vítimados pela ação da própria Aeronáutica.

Colocariam a culpa nos grupos esquerdistas que lutavam contra a ditadura. Sérgio seria tido como herói por salvar as supostas vítimas dos “comunistas” e receberia sua quinta medalha, enquanto a ditadura teria um pretexto para aumentar a repressão a socialistas e democratas.

O capitão se negou a participar de uma ação tão vil. Declarou corajosamente aos bandidos fardados:

? O que torna uma missão legal e moral não é a presença de dois oficiais-generais à frente dela, o que a torna legal é a natureza da missão.

Outros em seu lugar simplesmente encolheriam os ombros e obedeceriam aos superiores, iriam se desculpar dizendo que estavam apenas “cumprindo ordens”. Mas Sérgio era ético, íntegro, não tinha obediência cega a ninguém, seguia acima de tudo sua consciência e valores. Era um homem de verdade: denunciou o plano diabólico e evitou aquela que seria a maior tragédia da nossa história.

Foi perseguido pela ditadura, discriminado, removido para o Recife, reformado na marra aos 37 anos, cassado pelo AI-5 e pelo Ato Complementar 19, curtiu prisão… só não puderam quebrar-lhe integridade e honra, sua firmeza de ser humano. Sérgio se recusou a ser anistiado. “Anistia-se a quem cometeu alguma falta”, costumava dizer. “Não posso ser anistiado pelo crime que evitei”.

Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, aconselharam-no a não se internar em unidade militar, pois certamente seria assassinado lá dentro. Graças ao jornalista Darwin Brandão, com auxílio do médico Sérgio Carneiro, o capitão acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto.

Nos anos 90, o Supremo Tribunal Federal determinou indenização e promoção de Sérgio a brigadeiro. Tal sentença dependia, porém, da assinatura de Itamar Franco. Itamar, como se sabe, não é nenhum modelo de virtude e, não por acaso, foi vice do corrupto Fernando Collor de Mello, que foi prefeito biônico de Maceió durante a ditadura e se criou politicamente graças ao regime militar…

Por seis meses, o presidente Itamar Franco ? mesmo sabendo que Sérgio estava acometido de um câncer terminal no estômago ? guardou, na gaveta, a sentença do STF favorável ao capitão. Só a assinou três dias depois da morte do herói ocorrida em 4 de fevereiro de 1994.

Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho (cuja história é narrada no documentário “O Homem que disse Não” do diretor francês Olivier Horn) foi enterrado no cemitério São Francisco Xavier no Caju sem honras militares. É lembrado, entretanto, por todos aqueles que valorizam vida, ética, honestidade, coragem. Sérgio provou que, ao contrário do que muitos dizem, uma pessoa pode mudar a História: cada um de nós faz diferença no mundo.

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