Lenir Santos[1]
no Blog Direito Sanitário

Nos últimos cinco anos tenho refletido e escrito sobre a efetividade do direito à saúde e sempre esbarro na ampla conceituação de saúde conferida pelo art. 196 da CF. O art. 196 define o direito à saúde como a garantia de políticas sociais e econômicas que visem à redução da doença e à garantia do acesso às ações e serviços de saúde para a sua promoção, prevenção e recuperação.

Esse artigo constitucional foi mais bem explicitado nos arts. 2º e 3º da Lei 8.080, de 1990, a qual dispõe sobre a organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é um sistema composto pelas ações e serviços de saúde incumbidos aos entes federativos com a finalidade de garantir ao cidadão o que está expresso na segunda parte do art. 196 da CF.

A primeira parte do referido artigo trata da conceituação de saúde na esteira da definição dada pela OMS que a considera um completo estado de bem estar físico, social e psíquico. Essa ampla conceituação é abrangente da biologia, da genética, do desenvolvimento social e do estilo de vida.

Pelo que se depreende da interpretação do texto constitucional fica óbvio que a primeira parte do art. 196 – a garantia de políticas públicas que evitem o agravo à saúde – é responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo, os quais são responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social equilibrado, devendo contemplar a qualidade de vida como um dos meios de garantia do direito de não adoecer.

A segunda parte do artigo – garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde incumbida ao SUS – tem a responsabilidade de garantir serviços de saúde à população. Nesse ponto, devemos excluir das atribuições do SUS a garantia de qualidade de vida.

Mas quando adentramos o campo dos serviços, os quais devem garantir a integralidade da assistência, a pergunta que deve ser feita é: qual o padrão de integralidade que o país vai adotar? Tudo para todos? Ou tudo aquilo que o Estado e a sociedade pactuarem como um padrão de integralidade justo para o atendimento das necessidades de saúde da pessoa? Se não se definir um padrão de integralidade, o país deverá arcar com tudo aquilo que as pessoas desejarem como garantia do seu direito à saúde? Tudo o que o M.P. pleitear em ações judiciais e o Judiciário garantir de maneira não sistêmica, de forma fracionada?

Recente decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), no Recife, manteve decisão da 5ª Vara da Justiça Federal no Ceará determinando que o Governo daquele Estado custeie um transplante de fígado, nos Estados Unidos, para uma criança, devendo um médico brasileiro acompanhar o transplante no Exterior – torna urgente essa discussão no âmbito do Governo e sociedade.

Faz-se necessário refletir sobre a definição de um padrão de integralidade no âmbito do SUS, sob pena de se fracionar o sistema e garantir de forma desigual aquilo que cada um desejar em saúde, uma vez que a cada dia a saúde passa a ser um sonho de consumo nesse mercado de alta tecnologia e muita rentabilidade.

Referencia:

Lenir Santos (2007) Contornos Jurídicos da Integralidade da Assistência. O SUS passo a passo. Luiz Odorico Monteiro de Andrade (organizador), Editora Hucitec.


[1] Advogada especialista em direito da saúde. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA. Coordenador do IDISA – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.