Por Kennedy Diógenes*
(recebi da minha amiga Dra. Lúcia)
Há cerca de três décadas, nos momentos de crise asmática ou outra patologia infantil, seja minha ou de meus irmãos, meus pais se socorriam nos bons préstimos de Dr. José Marques, médico pediatra e amigo da família, que, com sua presença amistosa, conversa tranquilizadora e alguns poucos medicamentos, conseguia devolver aos seus pequenos pacientes força e ferramentas necessárias para a cura esperada.
Naquela época, os médicos, profissionais liberais por excelência, dedicavam-se ao trabalho e tinham, consequentemente, a justa retribuição dos seus esforços, sendo vistos pela sociedade como pessoas abastadas, estáveis, conquistando, ao longo de uma carreira sólida, uma aposentadoria em grande estilo.
Ocorre que, com a promessa de garantia de mercado de trabalho e acessibilidade dos pacientes de baixa renda, aliada ao desaparalhamento da Saúde Pública, inaugurou-se, entre as décadas de 60 e 70, uma nova Era dos planos e seguros saúde, que passaram a centralizar toda a negociação na intermediação da oferta de serviços e procura dos usuários, submetendo a ambos, médicos e pacientes, impensáveis abusos, sendo mitigados, mas não excluídos, somente com a regulamentação do setor em 1998, com a Lei 9656/98.
Entretanto, aquele sonho dourado, para o médico, transformou-se em verdadeiro pesadelo, pois a garantia de mercado de trabalho se metamorfoseou em dependência econômica e submissão às regras impostas pelos planos e seguros saúde, aviltando os honorários médicos de tal forma que quase impossibilitaram a existência concomitante de dignidade (do médico) e atendimento eficiente (do paciente).
Dr. Dráuzio Varela, em seu artigo “Médicos versus planos de saúde”, postado em seu site: http://www.drauziovarella.com. br/artigos/medicosps.asp, exemplifica com maestria a situação dos médicos, considerando dados da FIPE de custo de um consultório-padrão no montante de R$ 5.179,62 mensais para a sua manutenção:
“Em princípio, cada consulta pode gerar de zero a um ou mais retornos para trazer os resultados dos exames pedidos. Os técnicos calculam que 50% a 60% das consultas médicas geram retornos pelos quais os convênios e planos de saúde não desembolsam um centavo sequer. Façamos a conta: a R$ 20 em média por consulta, para cobrir os R$ 5.179,62 é preciso atender 258 pessoas por mês. Como cerca de metade delas retorna com os resultados, serão necessários: 258 + 129 = 387 atendimentos mensais unicamente para cobrir as despesas obrigatórias. Como o número médio de dias úteis é de 21,5 por mês, entre consultas e retornos deverão ser atendidas 18 pessoas por dia! Se ele pretender ganhar R$ 5.000 por mês (dos quais serão descontados R$ 1.402 de impostos) para compensar os seis anos de curso universitário em tempo integral pago pela maioria que não tem acesso às universidades públicas, os quatro anos de residência e a necessidade de atualização permanente, precisará atender 36 clientes todos os dias, de segunda a sexta-feira. Ou seja, a média de 4,5 por hora, num dia de oito horas ininterruptas”.
Ao se analisar esses dados, é fácil reconhecer que na equação Médico x Plano de Saúde, o primeiro tem sido o grande patrocinador do segundo; aquele é quem verdadeiramente banca um sistema de saúde privada repleto de falhas, de corrupção, de desvalorização do ato médico e desperdício do dinheiro alheio. E isso inclui as cooperativas médicas que se desconectaram dos seus ideais, passando a ser mais uma empresa do setor: uma verdadeira e explícita vitória de Pirro.
No entanto, os movimentos da categoria começam a eclodir no país. A Sociedade Brasileira de Pediatria levantou bandeiras nacionais de valorização médica e, bem articulada, conseguiu, em vários Estados, inclusive no Rio Grande do Norte, através da SOPERN, com apoio irrestrito do Sindicato dos Médicos, que alguns planos de saúde incluíssem o código de puericultura e aumentassem o valor da consulta, o que beneficiou todos os pediatras, graças a atitude destemida e altruísta daqueles que requereram o seu desligamento dos planos inflexíveis.
Além disso, sindicatos e associações médicas lutam, desde 2008, para que seja aprovado, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Carreira Médica, que fixa em torno de R$ 7.000,00 a remuneração do profissional médico por 20 horas de trabalho, o que lhe restauraria um pouco o poder aquisitivo.
Assim, diante de tais fatos, penso que o possível estratagema dos planos e seguro saúde, que visaria o maior controle do profissional médico através da desarticulação e enfraquecimento da categoria, revelou-se uma quimera, frustrada pela coragem daqueles que, como diria o velho Marx, “não têm nada a perder, senão os grilhões”.
(recebi da minha amiga Dra. Lúcia)
Há cerca de três décadas, nos momentos de crise asmática ou outra patologia infantil, seja minha ou de meus irmãos, meus pais se socorriam nos bons préstimos de Dr. José Marques, médico pediatra e amigo da família, que, com sua presença amistosa, conversa tranquilizadora e alguns poucos medicamentos, conseguia devolver aos seus pequenos pacientes força e ferramentas necessárias para a cura esperada.
Naquela época, os médicos, profissionais liberais por excelência, dedicavam-se ao trabalho e tinham, consequentemente, a justa retribuição dos seus esforços, sendo vistos pela sociedade como pessoas abastadas, estáveis, conquistando, ao longo de uma carreira sólida, uma aposentadoria em grande estilo.
Ocorre que, com a promessa de garantia de mercado de trabalho e acessibilidade dos pacientes de baixa renda, aliada ao desaparalhamento da Saúde Pública, inaugurou-se, entre as décadas de 60 e 70, uma nova Era dos planos e seguros saúde, que passaram a centralizar toda a negociação na intermediação da oferta de serviços e procura dos usuários, submetendo a ambos, médicos e pacientes, impensáveis abusos, sendo mitigados, mas não excluídos, somente com a regulamentação do setor em 1998, com a Lei 9656/98.
Entretanto, aquele sonho dourado, para o médico, transformou-se em verdadeiro pesadelo, pois a garantia de mercado de trabalho se metamorfoseou em dependência econômica e submissão às regras impostas pelos planos e seguros saúde, aviltando os honorários médicos de tal forma que quase impossibilitaram a existência concomitante de dignidade (do médico) e atendimento eficiente (do paciente).
Dr. Dráuzio Varela, em seu artigo “Médicos versus planos de saúde”, postado em seu site: http://www.drauziovarella.com.
“Em princípio, cada consulta pode gerar de zero a um ou mais retornos para trazer os resultados dos exames pedidos. Os técnicos calculam que 50% a 60% das consultas médicas geram retornos pelos quais os convênios e planos de saúde não desembolsam um centavo sequer. Façamos a conta: a R$ 20 em média por consulta, para cobrir os R$ 5.179,62 é preciso atender 258 pessoas por mês. Como cerca de metade delas retorna com os resultados, serão necessários: 258 + 129 = 387 atendimentos mensais unicamente para cobrir as despesas obrigatórias. Como o número médio de dias úteis é de 21,5 por mês, entre consultas e retornos deverão ser atendidas 18 pessoas por dia! Se ele pretender ganhar R$ 5.000 por mês (dos quais serão descontados R$ 1.402 de impostos) para compensar os seis anos de curso universitário em tempo integral pago pela maioria que não tem acesso às universidades públicas, os quatro anos de residência e a necessidade de atualização permanente, precisará atender 36 clientes todos os dias, de segunda a sexta-feira. Ou seja, a média de 4,5 por hora, num dia de oito horas ininterruptas”.
Ao se analisar esses dados, é fácil reconhecer que na equação Médico x Plano de Saúde, o primeiro tem sido o grande patrocinador do segundo; aquele é quem verdadeiramente banca um sistema de saúde privada repleto de falhas, de corrupção, de desvalorização do ato médico e desperdício do dinheiro alheio. E isso inclui as cooperativas médicas que se desconectaram dos seus ideais, passando a ser mais uma empresa do setor: uma verdadeira e explícita vitória de Pirro.
No entanto, os movimentos da categoria começam a eclodir no país. A Sociedade Brasileira de Pediatria levantou bandeiras nacionais de valorização médica e, bem articulada, conseguiu, em vários Estados, inclusive no Rio Grande do Norte, através da SOPERN, com apoio irrestrito do Sindicato dos Médicos, que alguns planos de saúde incluíssem o código de puericultura e aumentassem o valor da consulta, o que beneficiou todos os pediatras, graças a atitude destemida e altruísta daqueles que requereram o seu desligamento dos planos inflexíveis.
Além disso, sindicatos e associações médicas lutam, desde 2008, para que seja aprovado, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Carreira Médica, que fixa em torno de R$ 7.000,00 a remuneração do profissional médico por 20 horas de trabalho, o que lhe restauraria um pouco o poder aquisitivo.
Assim, diante de tais fatos, penso que o possível estratagema dos planos e seguro saúde, que visaria o maior controle do profissional médico através da desarticulação e enfraquecimento da categoria, revelou-se uma quimera, frustrada pela coragem daqueles que, como diria o velho Marx, “não têm nada a perder, senão os grilhões”.
* Kennedy Diógenes é Advogado, Coordenador de Planejamento da Defensoria Pública do Estado e membro de Conselho Estadual de Defesa do Consumidor.
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