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terça-feira, 23 de março de 2010

A construção do mito


Os republicanos repetem com Obama o equívoco clássico na guerra. Encurralar, sem deixar outra saída fora o tudo ou nada, o combate final pela sobrevivência

Do blog do Alon: (via Noblat)

Barack Obama ganhou a batalha parlamentar mais emblemática deste primeiro mandato. E venceu como líder, não correu das dificuldades, enfrentou a impopularidade, aceitou o confronto.
O resultado é entregar aos americanos o prometido na campanha. Uma reforma na Saúde para incluir a ampla maioria dos até agora excluídos e reduzir o poder das companhias de seguros.
Se a gestão do primeiro presidente negro dos Estados Unidos terminasse agora ele já estaria no lucro para a História. É, aliás, uma característica de Obama: as coisas acontecem cedo. Foi presidente cedo, ganhou um Nobel da Paz cedo e bem cedo conseguiu cumprir a mais importante promessa dele aos eleitores.
Além da mudança na Saúde, Obama já avançou em outros dois itens. Abriu a porta de saída do Iraque e está tentando ganhar a guerra no Afeganistão. Mas ainda faltam barreiras imensas.
Universalizar a educação de boa qualidade para crianças e adolescentes, retomar a criação de empregos num nível suficiente e converter a economia para um padrão ambientalmente responsável, mais verde.
É também da imensidade dos desafios que a oposição republicana tira energias para resistir e tentar a volta ao poder. As esperanças destampadas por Obama foram tão grandes que o caminho para desossá-lo seria óbvio. Uma luta política cerrada, sem colher de chá. Para domá-lo ou degolá-lo.
Em ambos os casos, enfraquecê-lo com a arma da frustração pública, do ressentimento diante das promessas não cumpridas. Desmobilizar a base social democrata-obamista.
E parecia estar indo bem. As recentes eleições avulsas foram ruins para o Partido Democrata, nesta reta final do processo eleitoral legislativo geral de meio de mandato.
A reforma na Saúde enfrenta a rejeição popular —vitaminada pela poderosíssima campanha dos lobbies. Por isso, o bom senso e o instinto de sobrevivência política recomendavam ao presidente, segundo o pensamento convencional, um recuo tático. Assessores sugeriram isso a Obama.
Mas o chefe da Casa Branca decidiu confiar nos líderes do partido dele na Câmara e no Senado, que acreditavam na vitória. E resolveu também que não seria conveniente passar quase três quartos de seu mandato como refém da oposição. Neste particular, as coisas ali correm mais ou menos como aconteceram aqui.
Barack Obama elegeu-se e logo prometeu governar de um jeito diferente, por cima das amargas divisões partidárias. Cuidou até de fazer gestos para o adversário derrotado, John McCain.
No Brasil deu-se algo parecido. Luiz Inácio Lula da Silva tentou sacramentar essa opção com as reformas da previdência e tributária em 2003. E renovou a oferta com os acenos à negociação para renovar a CPMF quatro anos depois.
Nos dois momentos, o presidente brasileiro pediu aos partidos oposicionistas apenas apoio ao que eles mesmos haviam proposto e apoiado quando detinham o poder. Algo, convenhamos, bem menos traumático do que Obama sugerir aos republicanos o endosso à reforma na Saúde, algo que nada tinha a ver com o Grand Old Party.
A conciliação deu errado, lá e aqui, por uma razão trivial. Se a economia em boa medida determina a política, esta opera num universo com amplo grau de autonomia. Vamos ao popular.
Os políticos não estão principalmente de olho no que podem fazer pelo seu país ou pelas pessoas, mas no que podem fazer por eles mesmos. Se coincidir, ótimo.
O político, com raríssimas exceções, é o sujeito vocacionado para defender hoje o contrário do que defendia ontem, se isso for útil para manter o poder ou tirar o adversário do poder.
Será que a tática republicana contra Obama vai dar certo? As urnas vão punir o Partido Democrata? Veremos.
Talvez os republicanos estejam a cometer com Obama um erro militar clássico. Encurralar, sem apresentar outra saída fora o tudo ou nada, o combate final pela sobrevivência. Nunca deixe o inimigo sem saída, pois ele lutará até a morte e vai infligir danos relativamente maiores. Ou então vai ganhar.
E Obama ainda leva uma vantagem sobre Lula. Os adversários obrigam-no a ser radical na defesa do que sempre defendeu. Nem de vira-casacas podem apelidá-lo. Empurram-no a ser fiel a suas ideias, a sua base, a sua história. Se der certo, liquidá-lo-ão e farão dele um mártir. Se der errado o transformarão em mito político vivo.

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