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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Pesquisa testará limites do uso recreativo do álcool


Com o objetivo de estabelecer a relação entre a menor concentração de etanol absorvido por um indivíduo e seus efeitos clínicos e psicocomportamentais, está sendo realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) a pesquisa Limiar entre sobriedade e euforia: uma avaliação do estado neurocomportamental e a concentração de etanol suficiente para modificá-lo. O trabalho busca suprir a carência de dados de base populacional sobre a relação entre a concentração de álcool no sangue, na saliva e no ar exalado e os efeitos psicocomportamentais causados, levando em conta índice de massa corporal, idade e gênero. O estudo também pretende orientar a reformulação da lei 11.705/08 que estabelece um limite mínimo de tolerância da concentração de álcool no sangue, e, de acordo com seus pesquisadores, não possui embasamento científico.
 Prates: O Brasil ainda não tem estudo de base populacional que embase esses aspectos regulatórios da toxicologia. Esse é o nosso objetivo com a construção do painel
Prates: O Brasil ainda não tem estudo de base populacional que embase esses aspectos regulatórios da toxicologia. Esse é o nosso objetivo com a construção do painel

O projeto, desenvolvido pelo aluno do curso de mestrado em saúde pública e meio ambiente Arthur de Mello Prates e orientado pelo vice-coordenador de Ensino e Pesquisa do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola (Cesteh/Ensp), Sérgio Rabello Alves, é um subprojeto do Estudo do Impacto do Uso de Álcool e Psicotrópicos nos Incidentes de Trânsito e a Capacitação do Estado para Atenuar seus Efeitos. Este projeto maior, coordenado pelo também pesquisador do Cesteh Jefferson José Oliveira da Silva, faz parte do programa Prioridade Rio, do governo estadual, e tem apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Entre as ações desenvolvidas no projeto estão a criação e realização do curso de atualização para profissionais da área toxicológica, o equipamento de laboratórios, a normatização de processos de vigilância, a integração de dados e o transporte adequado de amostras de exames.
Para formar esse painel, os pesquisadores contam com 400 pessoas, entre homens e mulheres, com Índice de Massa Corporal (IMC) considerado normal e obesos, que foram divididos em duas faixas etárias: entre 20 e 40 anos e entre 40 e 60 anos. "O álcool utilizado nesta pesquisa é a cerveja, escolhida por ser uma bebida bastante popular e a mais consumida no Brasil. Já começamos a fazer algumas coletas. Os participantes ingerem o álcool em condições controladas e nós fazemos coletas de sangue e urina para exames clínicos e também realizamos exames neurocomportamentais e psicotécnicos para, assim, estabelecer qual é a menor concentração de etanol que leva um indivíduo a ter prejuízo cognitivo, como nos seus reflexos e na sua capacidade motora, por exemplo", explicou Sérgio.
Segundo Arthur, o consumo de bebidas alcoólicas é praticado pela sociedade desde os primórdios da civilização. Historicamente, o álcool está presente na sociedade como um importante elemento de rituais religiosos, comemorações e confraternizações. Com o decorrer dos anos, novos tipos de bebidas alcoólicas passaram a ser desenvolvidas. Produtos antes feitos no meio doméstico passaram a ser produzidos em escala industrial, estando assim mais acessíveis para a população consumidora. Em sua pesquisa, ele ressaltou que o padrão do consumo de álcool varia tanto de país para país. E dessa forma varia também a tolerância desse consumo perante a lei existindo um limite legal diferente para cada país do mundo, variando desde zero até oito decigramas de álcool por litro de sangue. "O Brasil ainda não tem estudo de base populacional que embase esses aspectos regulatórios da toxicologia. Esse é o nosso objetivo com a construção do painel", confirmou Arthur.
Sergio continuou a explicação dizendo que a ideia é correlacionar os dados obtidos com o índice de massa corpórea, levando em consideração a ingestão de alimentos. "O estômago cheio influencia a velocidade da absorção do álcool e, consequentemente, o efeito no organismo. Por isso, todos os aspectos estão sendo relacionados e levados em consideração. Assim teremos uma referência mais apurada em relação à concentração de etanol e o prejuízo da habilidade do individuo de conduzir automóvel".
Todos os participantes já foram selecionados e agora o projeto está na fase da coleta de dados. Os testes neurocomportamentais são realizados pela equipe de neurofisiologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Este é um projeto da Ensp com a Faperj, mas conta com a colaboração de diversas outras instituições de ensino e pesquisa, como, por exemplo, a Uerj, que é uma das principais parceiras neste estudo.
De acordo com Sérgio, é de grande valia para o país que exista um laboratório de toxicologia, de âmbito nacional, que gere conhecimento para a área e esteja tecnologicamente capacitado para avaliar, identificar e quantificar a exposição e o uso de diferentes substâncias. Principalmente no que se refere ao etanol, pois praticamente não existem dados no país sobre isso. Esse estudo é tão importante para o Brasil que outras instituições também já demonstraram interesse em seus resultados, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério dos Transportes.
"O Laboratório de Toxicologia da Ensp foi criado para gerar conhecimento em toxicologia ocupacional, ambiental e regulatória. Esse é o nosso foco. A falta de conhecimento nessa área no país foi uma grande dificuldade para nós quando resolvemos iniciar o projeto e tivemos que partir do zero. Praticamente não existem dados, porém o seu uso agudo e crônico, indiretamente, representam um problema de saúde pública. O uso recreativo do etanol, que muitas vezes é associado ao uso de outras substâncias, está ligado a diversos tipos de violência, como traumas, acidente de trânsito, homicídios e suicídios", contou.
Sobre a questão da lei 11.705/08, conhecida como Lei Seca, Sergio explicou que o Ministério da Saúde atribuiu uma margem de tolerância para o uso do álcool (duas decigramas de álcool por litro de sangue) para que os equipamentos não detectassem, por exemplo, o uso de enxaguantes bucais ou a ingestão de bombons de licor durante os testes. Porém estes parâmetros foram estabelecidos antes do país ter qualquer estudo ou dado específico e aprofundado sobre o tema. A construção desse painel vem para responder a essa demanda. Arthur concluiu dizendo que os envolvidos no estudo não encontraram nenhuma pesquisa com este vulto ou detalhamento em todo o mundo. "Geralmente o número de indivíduos é bastante reduzido e eles também não tem todo o controle que estamos tendo aqui", relatou o estudante.

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