André Cezar Medici no blog Monitor de Saúde
Introdução
Nos últimos anos, Brasil, Russia, India e China, países que passaram a ser conhecidos sob a sigla BRIC´s, contornaram e sobreviveram à crise que o mundo desenvolvido amarga desde 2008 e tem sido mencionados como futuros líderes da economia e da sociedade mundial. Neste futuro próximo, o mundo deixaria de ser conduzido pela liderança da OECD e passaria a ser realinhado numa perspectiva multi-cêntrica, com um diálogo mais equilibrado e influente vindo dos países emergentes. O G7 passaria a ser substituido pelo G20 e organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, passariam a ter mais influência dos gigantes emergentes na sua condução. A classe média, antes minoria nos países do Sul pobre, passaria progressivamente a ser maioria nestes países, com impactos fortes na eliminação da pobreza e na qualidade de vida mundial.
Como parte do processo de desenvolvimento com inclusão social, os BRIC´s passariam a implementar políticas de saúde universais, eliminando as doenças associadas a pobreza e criando sistemas de saúde eficientes que conduziriam suas populações para um ideal de felicidade que, na literatura corrente, tem sido associada a uma melhor saúde (1). Caberia, portanto saber como estes países estão desenhando seu caminho para uma saúde universal, equitativa e de boa qualidade para sua população.
Este artigo é o segundo da Série A Saúde em 2010. O objetivo é descrever, em linhas gerais, os movimentos que os BRIC´s fizeram para reformar seus sistemas de saúde, com ênfase em 2010. Procuraremos analisar em mais detalhe os RIC´s dado que a análise dos progressos da saúde no Brasil em 2010 será objeto do quarto e último artigo desta série.
Alguns dados básicos sobre a sociedade e a saúde nos BRIC´s
Os BRIC´s nem de longe podem ser considerados homogêneos. A história de cada um e suas características etno-culturais, geografia e indicadores socio-econômicos e demográficos são totalmente diferentes. Apresentam em comum o fato de que suas economias tem crescido aceleradamente nos últimos anos. Considerando a dinâmica do Produto Interno Bruto (PIB), em 2009 e 2010, o Brasil cresceu 6,7% e 7,5%, a China, 9,6% e 10,2%, a Índia 8,9% e 8,8% e a Rússia, na lanterna, 2,7% e 4,0% respectivamente. Esta última tem tido seu pior desempenho influenciado pelo da zona do Euro, a qual teve débil performance econômica nos últimos dois anos. Mas em anos anteriores, a economia russa também cresceu a taxas mais elevadas que a verificada na média dos países desenvolvidos.
Se considerarmos o tamanho da população, países como a China e a Índia são 7 a 9 vezes maiores que o Brasil e a Rússia. Em 2009 a população Chinesa e Indiana era estimada em 1,3 e 1,2 bilhões, enquanto a Brasiliera e Russa, em 191 e 142 milhões de habitantes, respectivamente. Todos os BRICs já ajustaram sua fecundidade. A maior taxa de fecundidade total (TFT) continua sendo a da Índia (2,1 filhos por mulher em idade fértil). Brasil, China e Rússia tem taxas inferiores ao nível de reposição. A menor TFT dos quatro países é a da Rússia, com 1,5 filhos por mulher em idade fértil, mas essa taxa vem se elevando progressivamente em função de programas explícitos de aumento de natalidade implementados na última década. Desde 2007, por exemplo, o Governo aumentou o auxílio para mulheres que cuidam de seus filhos nos primeiro ano, correspondente a um pagamento único de US$10,000 por filho antes da idade pré-escolar. A tabela 1 mostra alguns dados sobre as diferenças sócio-econômicas entre os BRIC´s em 2009.
Tabela 1 – Características Sócio-Econômicas e Demográficas dos BRIC´s em 2009
Dadas as diferenças na magnitude populacional, o impacto do crescimento econômico da China e da Índia na geração bruta de riqueza tem sido e será muito maior do que o da Rússia e do Brasil. O PIB chinês, que em 2010 ultrapassou o do Japão e já é o segundo maior do mundo, deverá ser em 2050 cerca de 26% mais elevado que o norte-americano, que hoje detém a primeira posição. Um fato que pode, no entanto, influenciar este processo são os diferenciais de educação. Na Índia, por exemplo, pouco mais de um quarto da população adulta é analfabeta, e ainda que os esforços para aumentar a educação se intensifiquem, existe uma dívida educacional de grandes proporções a ser resgatada. No Brasil as taxas de analfabetismo adulto também são elevadas quando comparadas com as da Russia e a média de escolaridade do brasileiro ainda é baixa quando comparada com países com o mesmo nível de renda per-capita.
Em 2009, a renda per-capita da Rússia era 80% superior à brasileira, cerca de três vezes maior que a da China e quase seis vezes acima da auferida pela população indiana. Brasil e Rússia tinham uma pequena porcentagem de pessoas abaixo da linha de pobreza, o que não acontecia com a China e muito menos com a Índia, onde 42% da população ganhava menos de US$1,25 por dia para sobreviver. No entanto, em matéria de concentração de renda, o Brasil liderava, com os 20% mais pobres abocanhando apenas 3% da renda, comparado com proporções mais elevadas nos demais países.
Assim, dadas as características sócio-econômicas, se pode dizer que Brasil e Russia estão mais próximos de erradicar a miséria do que India e China onde, apesar do rápido crescimento econômico, ainda subsiste grandes contingentes de população com níveis de renda abaixo da linha de pobreza. O número de pessoas viviendo com menos de US$1,25 por dia na China é maior do que a população brasiliera. Na Índia este contingente é maior do que 1,5 vezes a soma da população russa com a brasileira.
As condições sócio econômicas dos BRIC´s se refletem igualmente nas suas condições de saúde, com algumas nuances de diferença. A tabela 2 mostra alguns indicadores de saúde dos BRIC´s de acordo com as estatísticas do Banco Mundial.
Tabela 2 – Indicadores de Saúde nos BRIC´s em 2008
Fica claro que a Índia, como reflexo de sua elevada pobreza e baixo nivel de renda per-capita, apresenta as piores condições de saúde, com taxas de mortalidade infantil e mortalidade materna várias vezes superiores a dos outros BRIC´s. O gasto em saúde na Índia é quase 16 vêzes menor que o do Brasil e cerca de 12 vêzes mais baixo que o da Rússia. O gasto público em saúde na Índia é também claramente insuficiente, dado que com US$ 10 per-capita/ano não se pode sequer oferecer cuidados básicos de saúde pública necessários à redução da mortalidade infantil e materna. É por este motivo que menos da metade dos nascimentos no país tem sido atendida por pessoal qualificado.
A segunda observação que emerge desta comparação é a de que a China, com um gasto em saúde quase seis vezes menor que o brasileiro e cinco vezes menor que o da Rússia, tem a maior expectativa de vida e a menor taxa de mortalidade materna entre os quatro países. Apresenta ainda uma taxa de mortalidade infantil menor do que a brasileira, apesar de ter um gasto público em saúde mais de cinco vezes menor que o realizado pelo Brasil. No que se refere, portanto, a saúde básica, a China definitivamente alcançou melhores resultados com menores custos entre os BRIC´s.
A Russia se notabiliza por investimentos públicos mais elevados em saúde, resultando em baixas taxas de mortalidade infantil e materna. No entanto, sua esperança de vida é menor que a da China e Brasil, notadamente pela mortalidade adulta precoce por doenças crônicas, associada a elevados fatores de risco como o alcoolismo e o tabagismo.
Já o Brasil, teve progressos recentes na redução da mortalidade infantil e na melhoria das condições básicas de saúde com a implementação de programas iniciados no final dos anos noventa, como o de saúde da família (PSF), que progressivamente tem aumentado o acesso dos mais pobres a cuidados básicos e preventivos e a medidas de promoção que reduzem os fatores de risco associados a doenças crônicas. No entanto, ainda apresenta altas taxas de mortalidade materna e o acesso aos serviços básicos ainda é desigual. O gasto em saúde no Brasil é o mais elevado entre os BRICs e o gasto público é mais de cinco vezes superior ao da China, ainda que não tenha alcançado os mesmos resultados que este país em temas como a redução da mortalidade materna, por exemplo.
A Montanha Russa da Saúde
Desde a Perestroika (2) se iniciaram reformas do sistema de saúde da Rússia, gerando altos e baixos nas condições de saúde do país. As reformas que se iniciam em 1988 buscaram aumentar os recursos para o financiamento da saúde, reduzir a regulação estatal e modernizar a gestão centralizadora e corrupta herdada do comunismo, com vistas a melhorar a qualidade de serviços médicos brindada a população e utilizar os recursos de forma mais eficiente e resolutiva. Sob a inspiração do sistema inglês, buscou-se a descentralização na gestão dos gastos em saúde sob a forma de block-grants, distribuidos e alocados de forma per-capita para regiões de saúde com autonomia gerencial. Mas a experiência falhou, dada a dificuldade de administrar crise do estado soviético no pós-comunismo, em função das resistências burocráticas e da organização de grupos de interesse no interior do Estado.
Em meados de 1991, um novo modelo de gestão de saúde passa a ser desenhado visando substituir a estratégia de distribuir regionalmente os recursos públicos orçamentários em base per-capita por um sistema de seguro-saúde, onde as Regiões de Saúde contratariam em bases concorrenciais, seguradoras que organizariam redes de prestadores de serviços médicos para cuidar da saúde da população. Com isso se buscavam melhorias na qualidade dos serviços e aumentos na eficiência gerencial do sistema de saúde.
O novo sistema também tinha por objetivo aumentar os recursos disponíveis para a saúde, que deixariam de ser financiados apenas pelo setor público e passariam a receber contribuições de novos atores – as empresas e trabalhadores. Operadoras de seguros privados exerceriam o papel de compra dos serviços médicos e ofereceriam planos para trabalhadores formais e para o setor informal e suas familias, respectivamente. Os premios cobrados pelos seguros teriam por base cálculos atuariais baseados na idade e sexo dos beneficiarios.
Assim, em 1993 foram organizados fundos regionais de saúde (FRS) para coletar os prêmios de seguro e organizar o mix de financiamento público-privado a ser distribuido pelas asseguradoras de saúde nas 89 Regiões do país, de acordo com as preferências das empresas e dos usuários (2). Em 1996, cerca de 538 seguradoras de saúde estavam funcionando em 59 Regiões. No entanto, em 48 Regiões, dada a precariedade de oferta, as FRS exerciam simultaneamente o papel de arrecadação e asseguramento, operando como se fossem as antigas Regiões de Saúde. Ao mesmo tempo, a escassez de provedores privados de serviços, fazia com que parte substancial dos recursos fosse distribuida entre hospitais e serviços públicos, o que eliminava todos os benefícios associados à concorrência previstos na concepção do novo sistema.
Os recursos disponíveis para o financiamento dos prêmios de seguro não era suficiente para garantir um conjunto de prestações de serviço de qualidade aos beneficiários. O percentual da folha de salários estabelecido para financiar a saúde (3,6%) representava menos da metade do necessário para cobrir os custos do conjunto de serviços previstos (3).
Com todos estes problemas, a implementação da reforma foi parcial durante a primeira metade dos noventa e somente algumas das Regiões alcançaram resultados positivos. Do ponto de vista regulatório, tanto os direitos dos usuários como as responsabilidades das autoridades federal, regionais e locais não estavam suficientemente estabelecidos. Os resultados foram a fragmentação e o refortalecimento das autoridades regionais e locais de saúde. Em 1997 os FRS controlavam somente 27% dos gastos públicos em saúde, sendo os demais recursos administrados pela administração direta descentralizada. A crise fiscal levou a uma queda de 20% dos gastos públicos em saúde em 1997, comparados com os de 1991. Como decorrência, aumentaram os gastos diretos das famílias, que passaram a representar pelo menos 44% do total de gastos em saúde no país, boa parte deles relacionados a pagamentos informais a médicos e a compra, por baixo do pano, de insumos e medicamentos vendidos clandestinamente nos hospitais públicos. O quintil mais pobre da população em 1997 gastava 27% de sua renda com saúde, comparada com 9% gasto no quintil mais rico.
Após a chegada de Wladimir Putin ao Governo, no ano 2000, começou a ocorrer novamente um significativo crescimento dos gastos em saúde, com efeitos positivos no aumento da expectativa de vida e na queda da mortalidade infantil. Em 2006 os gastos em saúde recuperaram os patamares per-capita do período 1991-1993. Em 2006, Putin aprovou um plano de US$3,2 bilhões para reformar o sistema, introduzindo incentivos como o pagamento de médicos por desempenho e aumentando o gasto público em saúde para um patamar de 5% do PIB, por recomedanção da Organização Mundial da Saúde. No entanto, as reformas foram demasiado timidas e o sistema continuou padecendo das mesmas mazelas da era Yeltsin. A maior parte dos recursos se destinou a aumentar salários de pessoal de saúde (especialmente médicos) e à construção de serviços de saúde de média e alta complexidade. Nada foi feito para aumentar a eficiência do sistema e resolver os graves problemas de gestão existentes nas unidades de saúde, bem como para melhorar as estratégias de promoção e prevenção para evitar a epidemia de doenças crônicas precoces pela alta exposição da população adulta a riscos como o alcoolismo, sedentarismo e tabagismo.
Como resultado a expectativa de vida na Rússia segue sendo 11 anos mais baixa que a média da União Européia (62 anos para homens e 74 para mulheres), principalmente pela mortalidade precoce masculina provocada por fatores de risco como alcoolismo, tabagismo e causas externas (incluindo violência, acidentes de trânsito e suicídio). Cerca de 57% da mortalidade masculina na Rússia se associa a acidentes cardio-vasculares. Outros fatores de risco, como o crescimento da incidência de doenças como AIDS e tuberculose, merecem ser destacados.
Por conta de todos estes problemas o primeiro ministro Putin anunciou junto ao Parlamento Russo em abril de 2010 que, a partir de 2011 implementará novas mudanças no sistema de saúde com gastos previstos de US$ 10 bilhões para a modernização das instituições de saúde, fortalecendo a tecnologia médica, aumentando salários médicos e melhorando a eficiência dos hospitais com vistas de aumentar o acesso da população a uma saúde de qualidade. Parte dos recursos viriam do aumento da contribuição das empresas aos seguros de saúde.
O grande problema é que, até o presente momento, não existem detalhes sobre a estratégia que estaria por trás do uso destes recursos para reverter os graves problemas que mantém deterioradas as condições de saúde da população russa e as deficiências gerenciais no sistema público. Rússia gasta pouco comparativamente ao seu nivel de renda, mas certamente deveria gastar melhor. Investimentos maiores em saúde pública, com ênfase em políticas de promoção, prevenção e mudança de comportamentos de risco, poderiam a curto e médio prazo reverter as más condições de saúde da população e colocar a gestão das políticas de saúde no sentido ascendente da montanha russa, dado que a falta destas políticas está na raíz dos graves problemas que a população russa enfrenta para melhorar sua saúde
Índia: Realidades de Saúde Separadas por um Abismo Social
A configuração do sistema de saúde da Índia se assenta num paradoxo. De um lado existem centros médicos super-especializados que por sua qualidade e preço atraem pessoas de todo o mundo interessadas em tratar doenças específicas, com base em pacotes de turismo de saúde. Empresas indianas figuram entre os maiores fabricantes de fármacos. Ciência e tecnologia brotam dos melhores hospitais e universidades na Índia.
De outro lado, a maioria da população não tem assistência médica ou está sujeita a serviços públicos de baixa qualidade com pouca capacidade resolutiva para os problemas de saúde da população. Práticas médicas informais e ilegais no atendimento das comunidades mais pobres subsistem ao lado da total ausência de informação sobre os serviços existentes. Subsiste o paraíso dos profissionais não regulamentados ao lado de rígidas e certificadas estruturas de atenção médica para as classes média e alta e para a cobertura de parâmetros internacionais de acreditação visando alcançar a clientela dos planos internacionais de saúde.
O gasto público em saúde na Índia – cerca de 1% do PIB – é insuficiente para atender as necessidades básicas da população. Especialistas acreditam que o gasto deveria estar entre 2,5% e 3,5% do PIB para que fosse possível oferecer um pacote essencial de serviços de saúde. Estes recursos não deveriam ser somente gastos com serviços médicos, mas essencialmente com promoção, prevenção, educação sanitária e controle de fatores ambientais, alcançando os diferentes matizes sociais, econômicas e culturais da sociedade indiana. Também seria de grande relevância incluir programas de educação sanitária em todos os níveis de escolaridade do país.
Ainda que a saúde na Índia seja dirigida pelo setor público, existe muito pouca coordenação entre os niveis centrais, regionais e locais de Governo na condução do processo. Algumas regiões conseguem implementar programas bem sucedidos, mas a diversidade é enorme. Desde os anos setenta se fala em reformas de saúde na Índia, as quais constam de seus planos quinquenais. No entanto, o avanço das reformas tem sempre sido aquém do programado.
Cerca de 75% dos gastos em saúde provém, diretamente, dos orçamentos familiares os quais financiam ações ineficientes e inefetivas, seja pela falta de conhecimento das famílias ao procurar os serviços, seja pela baixa qualidade do setor privado que presta serviços para os grupos de baixa renda. Com uma enorme quantidade de serviços curativos, tratamentos incompletos e falta de acompanhamento integral das condições críticas de saúde da população, os resultados derivados da utilização dos gastos diretos das famílias não levam a uma efetiva proteção.
Para mitigar estes problemas, o governo vem incentivando parcerias público-privadas em saúde onde, mesmo pagando pelos serviços, a população poderia estar protegida por acompanhamento médico posterior, tornando os serviços prestados mais efetivos e resolutivos. Uma outra alternativa seria aumentar a cobertura de seguros de saúde. No entanto, somente 3% da população indiana é coberta por seguros médicos os quais se organizam para a classe média alta em moldes similares as HMO´s norte-americanas. O governo vem buscando discutir com as empresas de seguro médico existentes no país, visando criar modelos de seguro saúde de baixo custo e acessíveis à população com rendimentos mais baixos.
Embora o Governo reconheça a necessidade de mover-se em direção a uma solução para estes problemas, questões associadas a governabilidade de uma nação complexa como a Índia tornam difícil soluções de curto prazo. En fins de 2010, em pronunciamento a imprensa, Montek Singh Ahluwalia, Chefe da Comissão de Planejamento do Governo, assumiu que o Governo deveria implementar um processo urgente de reforma de Saúde.
Na visão de Tapan Ray, ex-diretor geral da Organização de Produtores Farmacêuticos da Índia (OPPI), estas reformas deveriam estar baseadas em políticas que: (a) levassem a um melhor balanço entre prevenção e atenção a saúde; (b) incrementassem as parceiras público-privadas direcionadas por objetivos sanitários, especialmente para os cuidados secundários e ternciários aos níveis estadual e local; (c) subsidiassem a atenção e os gastos de saúde aos grupos de menor renda, especialmente de medicamentos, gerando incentivos fiscais para tal; (d) extendessem o modelo de asseguramento com baixos custos e bons resultados para os grupos de menor renda; (e) criassem entidades reguladoras independentes para supervisionar os serviços de saúde, não só dos prestadores mas também dos seguradores; (f) aumentassem a transparência e reduzissem a corrupção no setor público da área de saúde, fazendo com que a gestão pública se torne mais eficiente a custos mais baixos, e; (g) permitissem que o setor privado seja remunerado de forma justa e que tenha incentivos para manter-ne, não somente nas áreas de oferta de serviços, mas também de asseguramento.
Assim, boas intenções não faltam. Mas quem vai por o guiso no rabo do gato para reduzir o abismo de cidadania que separa diferentes castas no interior da sociedade partida?
As reformas de saúde na China
Antes de 1978, a China logrou progressivamente o crescimento do acesso de sua população a serviços de saúde aravés de políticas de atenção primária e médicos de “pés descalços”, com formação mínima essencial para cuidados básicos que estendiam a atenção médica às comunidades rurais pobres. Paralelamente, a política de um filho por casal reduziu a fecundidade e com ela os problemas que em geral afetam em larga escala a saúde das mulheres nos países de baixa renda. A partir de 1978, com a introdução de reformas de mercado e liberalização econômica de vários setores produtivos e sociais, a saúde universal e gratuita provida progressivamente desaparece. Estimava-se que, antes de 1978 somente 20% da população não estava coberta por serviços de saúde (notadamente na área rural), mas após 1978 a população não coberta aumentou para patamares próximos a 90% ao final dos anos noventa. Em 2005, os orçamentos familiares respondiam por 52% dos gastos com saúde. O gasto público representava apenas 40% e os seguros privados alcançavam 8%. As áreas que se tornaram mais desprotegidas foram as comunidades rurais, onde entre 1978 e 2003 houve um progressivo desmonte das estruturas públicas de cobertura de saúde. A partir de 2003 foi criado um seguro médico rural para a cobertura de um conjunto essencial de prestações e serviços de saúde.
Estudos preliminares mostram que 30% das famílias chinesas incorrem em gastos catastróficos com saúde, situação que é ainda mais grave quando se observa o rápido processo de envelhecimento da população chinesa derivado de um antigo e planejando processo de redução da fecundidade conduzido pelo Estado. Em 2003, os gastos com medicamentos representavam cerca de 40% dos gastos de saúde das famílias chinesas. Dadas estas circunstâncias, a população chinesa tem estado descontente com os altos custos e a desproteção que o sistema de saúde tem representado num país onde a renda per-capita e os salários estão aquém do alcançado em países com o mesmo grau de produtividade e desenvolvimento.
Em abril de 2009, o governo chinês anunciou uma reforma, com o objetivo principal de retomar o processo de universalização da saúde. Entre 2009 e 2011 são projetados investimentos públicos em saúde de US$124 bilhões, associados a uma nova regulação e diretrizes para a reforma do setor de saúde. Estima-se que os recursos deste processo serão distribuidos da seguinte forma: cerca de 50% serão usados para expandir a cobertura de seguro médico, 30% serão utilizados para a construção e reforma dos sistemas de saúde rural, e os 20% restantes serão utilizados para financiar os hospitais públicos.
A atenção básica será fornecida como um serviço público universal, buscando resolver os problemas que causaram fortes reclamações do público sobre os altos custos médicos. Serviços médicos básicos estarão disponíveis para todos em 2011, com o objetivo de longo prazo de alcançar a cobertura universal de todos os serviços, incluindo os de alta e média complexidade, até 2020. Os custos da reforma da saúde serão financiados conjuntamente pelos governos central e local, cabendo ao governo central cerca de 40% do investimento total.
Os hospitais públicos sem fins lucrativos, continuarão a ser os principais fornecedores de serviços de saúde. O governo central vai financiar a construção de 2.000 hospitais regionais e 29.000 hospitais municípais. Serão construídos 3.700 centros comunitários de saúde e 11.000 postos de saúde ao nível local até 2011.
Desde que a reforma foi anunciada em abril de 2009, uma série de normas e diretrizes foram promulgadas, incluindo normas para a construção e padronização de unidades de saúde, critérios para o estabelecimento de preços de medicamentos essenciais e orientações sobre o funcionamento e desenvolvimento de aldeias de médicos (médicos de família). Mais recentemente, em fevereiro de 2010, foram promulgadas as diretrizes para a reforma dos hospitais públicos em 16 cidades-piloto.
Atualmente os hospitais públicos atuam como empresas privadas monopolisas em cada região. Os parcos recursos governamentais para seu financiamento são complementados com receitas oriundas da venda de serviços, de medicamentos e de insumos de saúde para a população. Em 2007, somente a venda de medicamentos representava 53% da receita dos hospitais públicos. Os pagamentos por serviços representavam 39% e os fundos do Governo somente contribuiam com 8% das receitas totais. Ao mesmo tempo os hospitais públicos estão autorizados a contabilizar um lucro de até 15% nas vendas de medicamentos. Embora essa abordagem orientada para o mercado tenha melhorado a qualidade dos serviços médicos nos últimos anos, também resultou em aumento dos custos, penalizando os orçamentos familiares.
A partir de 2009, o lucro derivado da venda de medicamentos não será mais permitido e os gastos das famílias com saúde deverão ser sensivelmente reduzidos. Mas ainda existem dúvidas se os recursos adicionais prometidos pelo Governo poderão financiar eventuais déficits nos hospitais públicos. Apesar dos elevados valores de investimento, a reforma de saúde na China deverá ser um processo demorado.
Em linhas gerais, os cinco principais pontos da reforma de saúde proposta pelo Governo Chinês são:
(a) Criar um sistema básico de seguro de saúde para a população urbana, e outro para a população rural, baseado em cooperativas médicas. Estes dois sistemas deverão cobrir 90% da população do país, sendo os 10% restantes cobertos por outros sistemas de seguros de saúde públicos e privados previamente já existentes (incluindo para os aposentados, estudantes universitários, militares e outros). O governo subsidiará o seguro para aqueles que não tem capacidade de pagamento.
(b) Criar um sistema nacional de garantia de medicamentos essenciais: Uma lista preliminar de medicamentos essenciais já foi divulgada em 2009 e deverá ser revisada regularmente, em função de inovações e redefinições de prioridades de saúde. Para oferecer estes medicamentos, as empresas farmacêuticas seriam reestruturadas com o aprimoramento de incentivos de mercado e com investimentos para que alcancem a escala necessária para atender as prioridades definidas, de forma competitiva, seguindo normas de produção, regulação e distribuição estabelecidas pelo setor público. Critérios para a seleção racional de medicamentos também serão estabelecidos.
(c) Melhoria dos Serviços Básicos de Saúde: A construção e reforço de unidades básicas de saúde e hospitais se realizará para melhorar a oferta e qualidade da saúde nos três níveis de Governo. Ao mesmo tempo, o Governo compensará as instituições não-governamentais que prestarem serviços de atenção primária aos governos regionais e locais. Serão realizados esforços para a formação de médicos generalistas e de outros profissionais para estas novas unidades de saúde. O financiamento será feito através de taxas de serviços e subsídios governamentais.
(d) Promover a equalização gradual dos serviços básicos de saúde pública: Será estabelecido um registro eletrônico de moradores de saúde a ser gerenciado, de forma padronizada, nacionalmente, abrangendo todos os moradores urbanos e rurais, que passarão a ter acesso a um conjunto homogêneo de serviços básicos em todo o território nacional, incluindo ações preventivas e serviços especiais para grupos de idade e grupos de risco. A base de dados gerada por este registro permitirá a portabilidade do seguro médico entre territórios e cidades, gerando estatísticas administrativas, financeiras, epidemiológicas e de resultados em saúde que serão usadas não apenas para o monitoramento e avaliação, mas também para o planejamento.
(e) Impulsionar projetos piloto para a implementação da reforma: O governo escolheu 16 cidades-piloto para acompanhar e testar inovações no processo de implementação da reforma (seis na região central da China, seis no leste, e quatro no oeste). O governo vai precisar de tempo para avaliar o sucesso destes primeiros ensaios antes que a reforma da saúde proposta possa ser implementada ao nível nacional.
Considerações Finais
Por tudo o que foi descrito, não se pode dizer que os BRIC´s tem estratégias similares para alcançar a universalização em saúde, ainda que todos explicitem tal intenção em suas Constituições e Cartas de Direitos Sociais. A distância deste objetivo e as estratégias para alcançar são muito distintas, assim como a eficiência das políticas implementadas, os recursos gastos e seus resultados.
Se classificarmos os BRIC´s quanto a duas características: magnitude dos gastos (maiores ou menores) e resultados básicos alcançados (melhores ou piores) vamos encontrar quatro situações distintas. O Brasil pode ser classificado como um país onde os gastos são maiores e os resultados são melhores. A Rússia ingressa no nivel onde os gastos são maiores, mas os resultados piores. A Índia corresponde a uma situação onde os gastos são menores e os resultados piores e a China pode ser representada com gastos menores e resultados melhores.
Vale mencionar, no entanto, que a vantagem comparativa da China - expressa em alcançar melhores resultados com menos gastos - se encontra influenciada por sua forma de Governo, ainda marcada pelo controle pleno do Estado e pela falta de liberdades civis. Com isso, o Governo tem a capacidade de fixar os preços dos serviços, controlar salários e padronizar os resultados a serem alcançados, com punições severas para aqueles que não cumprem. Na medida em que as liberdades democráticas forem estabelecidas, a economia política para o gerenciamento de custos e qualidade em saúde torna-se muito mais complexa.
Na medida em que o tempo passa, os BRIC´s vão tendo mais desafios para enfrentar. O primeiro deles, é o da equidade. Todos ainda passam por sociedades divididas com contingentes expressivos de pobreza. O segundo é o da eficiência dos serviços. Mudar a eficiência não é somente um tema de mudança cultural, mas também de arbitragem do jogo de interesses daqueles que operam o dia a dia dos serviços. O terceiro desafio é o do envelhecimento. Todos estes países já estão passando por um progressivo avalanche de doenças crônicas (em alguns casos com mortalidade precoce, como na Rússia) sem que montem estratégicas eficazes de promoção e prevenção que reduzam o custo da atenção e prolonguem a vida. O quarto desafio e o da sustentabilidade. Que políticas fiscais poderão sustentar os sistemas de saúde de países que ainda não construiram seu desenvolvimento e capital humano e social básico para enfrentar sistemas de saúde maduros como os existentes nos países desenvolvidos, que apesar de estarem em crise, tem mais flexibilidade para encontrar saídas de médio prazo?
Notas
(1) Graham, C. (2008), Happiness and Health: Lessons – and Questions – for Policy. Health Affairs: January-February.
(2) A Perestroika (palavra em russo que significa reestruturação) foi conhecida internacionalmente como o processo iniciado por Michail Gorbachov após sua eleição como Secretário Geral do Partido Comunista na Rússia, em 1985. O processo levou a uma descentralização, a liberalização econômica e ao uso de mecanismos de mercado para aumentar a eficiência e evitar a crise econômica que ameaçava a economia da extinta União Soviética.
(3) O Artigo 41 da Constituição Russa de 1993 continuava a garantir direito gratuito e universal da população aos serviços de saúde, mas através de instituições de seguro-saúde e não através de financiamento direto do Estado.
(4) Ver Rosenfeld, B. (2010), The Crises of Russian Health Care and Attempts at Reform, Ed. Rand Corporation, http://www.rand.org/pubs/conf_proceedings/CF124/CF124.chap5.html, October, Acessado em Novembro de 2010.
(5) Ver Womak, H. (2008), Russian next president needs to tackle health reforms, in The Lancet, Vol. 371, Issue 9614, Pages 711-714, March 2008.
(6) Ray, Tapan, Prescribing 10 steps for Comprehensive Health Care Reforms in India, http://www.tapanray.in/profiles/blogs/gone-2010comes-2011-looking?xg_source=activity
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