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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Anotações e uma indagação: o Debate sobre o PSF

Ricardo Menezes(*) no blog do CEBES
Concordo com o espírito do artigo escrito pelo Dr. José Aristodemo Pinotti, publicado em 2008 no jornal Folha de S. Paulo. A atenção primária à saúde tem que ser resolutiva e, ademais, ser planejada e organizada para todos os brasileiros e todas as brasileiras.

A presença de um forte e eficaz componente clínico no desenvolvimento do trabalho nas Unidades Básicas de Saúde, sem prejuízo do componente da Saúde Coletiva, é essencial.

Afora isto, Unidades Básicas de Saúde deveriam ser planejadas e organizadas também para absorver demanda espontânea e resolver pequenas quadros de urgência clínica apresentados pelos usuários, triando, assim, para UPAs ou qualquer serviço de Urgência e Emergência, os casos que realmente demandassem esse tipo de atendimento. Além disso, certo tipo de serviços de saúde, em função da especificidade e peculiaridade dos problemas de saúde da sua clientela, não deveriam fechar nos finais de semana e feriados como se fossem coletorias de impostos.

Ressalvo: eu gostaria de poder ser normalmente assistido em uma Unidade Básica de Saúde resolutiva, aqui perto de casa, quando fosse preciso. Porém, hoje, isto não é possível nem para a trabalhadora que labuta aqui em casa. A dificuldade de acesso, muitas vezes, é dramática e, à medida que avança os processos de terceirização e de privatização da gerência e da prestação de serviços públicos de saúde, a situação piora a cada dia um pouco mais.

Naturalmente, os processos tecnológicos eventualmente inovadores e universais – aplicáveis à organização da atenção à toda a população brasileira – incorporados pela Estratégia Saúde da Familia precisam ser mantidos.

Quanto ao perfil dos médicos das Unidades Básicas de Saúde é preciso destacar: atenção primária à saúde sem ênfase desassombrada na eficiência e eficácia clínica não será resolutiva e muito menos resolverá os 85% de problemas de saúde que espera-se que sejam resolvidos nesse nível de atenção.

Estamos insistindo no médico generalista no PSF/ESF, há alguns anos, para prestarem assistência às pessoas não atendidas em planos e seguros de saúde. Observo: à ESF pouco recorrem os trabalhadores organizados e as pessoas inseridas nas camadas médias da população – setores sociais potentes para vocalizarem politicamente os seus interesses -, os quais geralmente, embora a contragosto, pagam planos e seguros de saúde (camadas médias) ou “negociam” com o patronato acesso a planos e seguros de saúde (trabalhadores organizados). Num e noutro caso, a União abre a burra e patrocina uma imensa renúncia fiscal (via Imposto de Renda Pessoa Física, Imposto de Renda  Pessoa Jurídica, pífia realização do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS – pelo atendimento de usuários de planos e seguros de saúde por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar, entre outros).

O esforço de médicos brasileiros para exercerem a prática de generalista, de médico de família e comunidade, é louvável. Isso porque o aparelho formador dos médicos brasileiros não reformulou o curso de graduação em medicina, de modo a formar um novo profissional com pujante capacidade técnica para exercer a medicina interna (clínica médica), a pediatria e a ginecologia e obstetrícia. O que vem se organizando são residências de médico de família e comunidade. Mas, independente disso, é preciso reformular a formação do médico no Brasil! O SUS não irá longe, e nem sairá do impasse em que se encontra, contando com médicos formados em cursos de graduação que preparam profissionais para o modelo de mercado hegemônico e não para trabalharem em um Sistema de Saúde nacional, público e universal, o SUS.

O companheiro Gustavo Gusso e a companheira Zeliete Zambo, ao tratar do artigo do Dr. José Aristodemo Pinotti, apontam para a importância do médico da família e comunidade, profissionais capacitados para “atender problemas freqüentes da população sem distinção de gênero, faixa etária ou órgão afetado. Não é, definitivamente, um amálgama de clínica médica, pediatria e ginecologia. O foco é a pessoa dentro do contexto familiar e comunitário“.

No entanto, nestas linhas, me propus a enfatizar dois pontos: a relevância das Unidades Básicas de Saúde e o fato de que a atenção primária à saúde sem ênfase desassombrada na eficiência e eficácia clínica não será resolutiva e muito menos resolverá os 85% de problemas de saúde que espera-se que sejam resolvidos nesse nível de atenção.

Contudo, já que a concepção do SUS se origina na tradição bem sucedida dos sistemas de saúde socializados (por exemplo: União Soviética, Inglaterra e outros países europeus, Cuba), o artigo de Gustavo Gusso e Zeliete Zambo nos deixa tentados a indagar aos autores: havendo reformulação do curso de graduação em medicina é crível imaginar recém-formados generalistas com sólida formação clínica em medicina interna (clínica médica), clínica ginecológica e obstétrica – aqui, presumo, a prática cirúrgica seria exercida por outro profissional médico – e, ainda por cima, clínica pediátrica?

Por fim, parafraseando o poeta popular, eu não me canso de falar: salta aos olhos que o financiamento público na Saúde é claramente insuficiente para tocar somente a estrutura do SUS já instalada no Brasil, o que torna impeditivo absorver milhões e milhões de pessoas a mais no SUS, as quais, ou não tem acesso a nada ou contam com acesso precário ao Sistema de Saúde nacional  Brasil afora.

 (*)Ricardo Menezes é Médico Sanitarista (São Paulo)

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