Por Bruno de Pierro
Prestes a completar dois anos, a Rede Interestadual de Atenção à Saúde do Vale do Médio São Francisco ampliou os atendimentos de média e alta complexidade e tem beneficiado cerca de 1,8 milhão de habitantes de 55 municípios de Pernambuco e Bahia. O sistema, considerado pioneiro, tem integrado os serviços municipais e estaduais em uma única gestão e otimizado os atendimentos de alta complexidade entre os municípios de Juazeiro e Petrolina.
Uma pesquisa coordenada por Tânia Santa Bárbara Rehem em 2009 - e que serviu de base para o projeto da rede - havia identificado 28.860 pacientes internados por CSAP (Condições sensíveis à atenção primária) na região, o que correspondia a 24,73% do total de internações. Deste total, a macrorregião de Juazeiro, na Bahia, foi responsável por 17.557 internações por CSAP (60,8%), proporção superior à sua participação no total das internações. A conclusão foi que a macrorregião de Juazeiro realizava mais internações sensíveis por CSAP.
Por outro lado, o município de Petrolina, em Pernambuco, com uma rede de onze hospitais havia internado 16,16% de CSAP em outros municípios. Embora não seja possível estabelecer uma relação de causalidade, vale o registro de que a macrorregião de Juazeiro possui uma menor cobertura da ESF (Estratégia Saúde da Família) e um maior número de hospitais.
Além do descompasso no atendimento básico em cidades geograficamente próximas, a qualidade da saúde pública na região era agravada pela pobreza. Dados do IBGE daquela época mostram que a incidência da pobreza, em 34 municípios que hoje formam a rede, era superior a 50% - desse total, 27 eram da macrorregião de Petrolina.
Integração interestadual
O processo de descentralização do SUS no Brasil foi perseguido por outro, de municipalização, que, se num primeiro momento, resolveu muitos problemas, com o tempo fragmentou o sistema. De acordo com a Secretária-Executiva de Coordenação-Geral da Secretaria de Saúde de Pernambuco, Ana Paula Sóter, um só município devia cuidar desde a atenção básica até procedimentos de alta complexidade, sob um modelo "de baixíssima racionalidade".
Era exatamente o que acontecia nos dois Estados. O acesso à atenção básica não estava sendo garantido, gerando uma demanda excessiva para os níveis de média e alta complexidade tanto ambulatorial quanto hospitalar, "tendo inclusive em muitas situações que o usuário se deslocar para buscar atendimento, nesses níveis de atenção, em outro município", salienta Rehem, no estudo.
A partir de 2009, Bahia e Pernambuco pactuaram uma parceria interestadual, com a finalidade de reorganizar a região entre Juazeiro e Petrolina, visando, principalmente à alta migração de pacientes entre as duas cidades e ao fortalecimento da atenção básica de cada município da região.
O passo inicial foi instituir o Colegiado Interestadual de Saúde, que se reúne mensalmente e é formado pelos dois secretários de Saúde e representantes das micro-regiões que compõem o projeto, além de um representante do Ministério da Saúde. A principal função do colegiado é definir as políticas e os perfis das gestões.
Logo depois, definiu-se a estratégia referente aos atendimentos de média e alta complexidade. Em Juazeiro, o Hospital Regional; e em Petrolina, o Hospital de Trauma e o Hospital Dom Marlan. Esses hospitais são responsáveis por todos os atendimentos de alta complexidade, mesmo o Hospital de Trauma, o único dos três a ser municipal. "Por ter esse perfil [de atender alta complexidade], ele não pode atender apenas a população do município. Ele foi construído na perspectiva de atender além da população de Petrolina", explica Sóter. Já o Hospital Regional de Juazeiro presta todos os atendimentos de urgência clínica cirúrgica dos 55 municípios que compõem a rede.
Questionada se a especialização dos hospitais não fomentaram o problema das superlotações e da demora no atendimento, Sóter, que é ex-secretária de Saúde de Olinda, disse que, apesar desse obstáculo ainda existir, ele foi atenuado. "Agora todos os hospitais da rede sabem claramente qual seu papel no sistema", explica. Com relação á sobreposição de procedimentos, ela conta que, a partir do momento que se define os perfis de cada hospital, a população passa a saber para onde deve ir, sem o risco de repetir exames em dois locais diferentes. "Deu uma racionalidade importante ao sistema", completa.
Fundações, OS e gestão
A representante da secretaria de Pernambuco considera que o maior desafio da implantação da rede foi promover a integração, sem romper com a autonomia de cada Estado ou município nas suas gestões. Cabe ao município ou Estado gerir seus hospitais, ficando ao colegiado o papel de definir o perfil destes hospitais.
No caso dos três principais hospitais da rede – Hospital Regional de Juazeiro, Hospital de Trauma e Hospital Dom Marlan – nenhum é gerenciado diretamente pelo governo estadual ou municipal. O primeiro e o terceiro são geridos por Organização Social (OS) e o segundo, de Trauma, pela Fundação Municipal de Petrolina, pública e de direito privado.
Sóter, no entanto, garante que a relação entre o colegiado interestadual e as OS e fundação tem seus limites bem definidos. Como exemplo, cita o caso do Hospital Regional de Juazeiro. Quando se iniciou a discussão sobre a rede, o hospital estava passando por uma ampla reforma, com o projeto arquitetônico ainda sendo elaborado. "A discussão foi tão importante, que o projeto inicial da reforma foi refeito".
A maternidade, que estava no desenho original, foi excluída, depois que se decidiu que ela seria estrategicamente instalada no Hospital Dom Marlan, em Pernambuco. "Por outro lado, a oncologia foi colocada, pois se decidiu que o único lugar da região onde se teria radioterapia seria Juazeiro", afirma.
Nesse aspecto, a rede, que também é conhecida por "Rede Peba", conseguiu estipular o papel de cada agente no processo de gestão. Nos contratos feitos com OS, por exemplo, é claramente registrado que a organização deverá apenas gerenciar o serviço, cuja política é previamente consolidada pelo colegiado.
Cada ente federativo gerencia suas unidades, pois o colegiado não tem função gerencial. Para isso existe o Grupo de Apoio Técnico (GAT), que, na verdade, são várias equipes técnicas que se reúnem, apresentam projetos para o colegiado, que, por sua vez, aprova as determinações para que sejam implementadas por toda a rede. "Trata-se de uma Câmara Técnica de diversas áreas – tem, por exemplo, o GAT da mortalidade infantil, que trabalha, na região, toda a política de mortalidade e natalidade, com gente da Bahia e de Pernambuco", explica Sóter.
Ainda não se sabe qual a quantia economizada pelos dois Estados após a implantação do sistema de racionalização e regionalização do SUS, pois está em fase de consolidação. Entretanto, Sóter diz que já é possível observar ampliação nos atendimentos de alta complexidade, como câncer, e de natalidade. Ao menos, a experiência tem organizado o atendimento básico na região, diminuindo o fluxo escancarado que havia, principalmente entre pacientes de Petrolina que iam ser atendidos em Juazeiro – municípios localizados numa região cujo percentual de moradores com plano de saúde é o menor do país (13,2%), o que não faz do sistema privado algo mais significativo do que a revitalização do SUS.
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