Artur Chioro, Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo(SP), apresentará no próximo dia 17 a sua tese "ENTRE A INTENÇÃO E O ATO: Uma análise da política de contratualização dos hospitais de ensino (2004 – 2011)". O autor ocupou a diretoria de atenção especializada do Ministério da Saúde no período de 2003-2005. Um texto muito, muito interessante.
Abaixo, o resumo da tese:
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CHIORO DOS REIS, AA. Entre a intenção e o ato: Uma análise da política decontratualização dos hospitais de ensino (2004 – 2010). São Paulo; 2011, 447p. [Tesede Doutorado – Universidade Federal de São Paulo].
Introdução: o Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino, que compreende acertificação e contratualização desses estabelecimentos, implantado em 2004 pelo GovernoFederal, é uma das estratégias para o enfrentamento da crise do setor, ao estabelecer novosmodos de financiamento, de gestão e de articulação desses hospitais com o sistema de saúde,mediante contrato de gestão com o gestor local do SUS.
Metodologia: o estudo foi realizado em quatro hospitais pertencentes ao primeiro grupo contratualizado já em 2004, de diferentesregimes jurídicos, selecionados por sorteio. Teve como motivação inicial analisar possíveismudanças decorrentes dessa política governamental no cotidiano dos hospitais de ensino,procurando caracterizar o posicionamento dos diferentes atores institucionais frente a ela, oprotagonismo dos gestores e as dificuldades na sua implementação. Para tanto, foramrealizadas análise documental e 32 entrevistas envolvendo dirigentes hospitalares, gestores do SUS e dos ministérios responsáveis pela formulação e condução da política decontratualização. Análise de implicação: na condução do estudo, a implicação do autor (quecoordenou o processo de formulação e implementação inicial da política ) com o objeto emestudo é tratada de forma explícita. O desafio metodológico central foi conseguir um"deslocamento epistemológico" da posição de sujeito em situação de governo ocupado no passado para a de sujeito epistêmico, tratando de forma explícita essa "relação-contaminação", e procurado construir "relações alteritárias" que possibilitassem compreendera contratualização sob a perspectiva dos atores responsáveis pela sua efetiva implementação.Análise dos dados: a partir da construção de categorias empíricas-espelho (por simplesmente"refletirem" elementos contidos na grade avaliativa da política), e categorias-novidade(constituída por aspectos não previstos na formulação original da política), foram montadasequações para cada hospital, compostas sempre pelas mesmas categorias, mas denotando-seas intensidades distintas que iam assumindo, bem como as diferentes forças de ligação entreelas.
A análise foi efetuada em três planos analíticos distintos. O primeiro contém umacaracterização de mudanças ocorridas a partir da contratualização, tomando-se comoreferência as diretrizes da política para a assistência, gestão, educação em saúde e avaliação eincorporação tecnológica. No segundo, são analisadas as apostas que estiveram implícitas naformulação da contratualização, buscando aí indicações sobre suas bases teórico-conceituaisnão explícitas. No terceiro, já em nível maior de abstração, desenvolve-se uma reflexão teóricasobre o tema da razão e racionalidade na modernidade, buscando conexões com aracionalidade instrumental presente no paradigma estrutural-funcionalista hegemônico nosestudos e intervenções organizacionais, e, como apontado pelo estudo, na própria formulaçãoda política de contratualização dos hospitais de ensino.
Resultados: No primeiro plano analítico, a face mais visível dos avanços proporcionados pela contratualização foi a mudançano perfil de financiamento, resultando em equilíbrio econômico-financeiro e o enfrentamentodo endividamento, embora com intensidades e reflexos distintos para os hospitais estudados.No entanto, diretrizes para o ensino, educação permanente, pesquisa e incorporaçãotecnológica, fundamentais para a produção do novo hospital de ensino, foram finalidadesclaramente "esquecidas" na implementação da política, que também não foi capaz deproporcionar mudanças consideráveis em relação à qualificação da gestão e da assistência.Num segundo plano analítico, é feita a análise das apostas implícitas da política e seusdiferentes graus de realização. A expectativa de indução de uma nova racionalidade gerenciala partir de uma política governamental, ao subestimar a complexidade da micropolítica doshospitais de ensino, não se concretizou. Os arranjos de participação idealizados, fortementeinspirados na produção de autores que enfatizam a necessidade de "constituição de sujeitoscoletivos", através da horizontalização e democratização das relações entre trabalhadores,usuários e gestores, encontram dificuldades em sua operacionalização, não alcançandoproduzir uma nova lógica de gestão dos hospitais de ensino. Assim, a política decontratualização termina por reproduzir o comportamento conservador que caracteriza agestão pública, uma racionalidade instrumental que dá ênfase ao ato administrativo e ànormatização excessiva. No terceiro plano analítico, é feita uma discussão teórica sobre oconceito de razão na modernidade, em particular do que tem sido denominado, desde MaxWeber, como a "crescente racionalização da sociedade". É em tal moldura teórico-conceitualque se busca inteligibilidade para o que tem sido denominado de racionalização crescente daspráticas médico-hospitalares, caracterizada pelo ideal de funcionamento de hospitais"científicos", eficientes, previsíveis e, parametrizados pelo mercado e seus critérios decompetição e sobrevivência. Este novo "hospital racionalizado" traduz o "hospital dos sonhos"de todos os dirigentes entrevistados, seja no setor público ou privado que, de modosurpreendente, identificam, em boa medida, como sendo o hospital desejado pela política decontratualização! Tudo isso nos alerta para a complexidade inerente à formulação de políticasgovernamentais, em particular o momento de sua implementação por atores em suascondições concretas de atuação. Impõe-se como pauta, portanto, estudos e intervenções quepossam disputar outros sentidos para a gestão hospitalar, que não sejam aqueles moldadospela racionalidade instrumental que vai se estabelecendo como a única e triunfanteracionalidade possível, colocando em tela o enfrentamento teórico e político da acachapantefuncionalização e homogenização dos modos de se fazer a gestão e sua verdade única.Voltando ao início: conclui-se o estudo com reflexões do autor que, já no final do estudo, epor circunstâncias políticas e profissionais, deparou-se com novo deslocamento, desta vez paraa posição de gestor local do SUS, ao ser o responsável por implementar em ato a política decontratualização em hospitais de ensino da cidade.
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Abaixo, coloco um rápido artigo que fala um pouco dos contratos de gestão na administração pública.
Contratos de gestão
Com o objetivo de alcançar melhores resultados na Administração Pública, criaram-se novos instrumentos no âmbito do Direito Público, para conferir maior autonomia aos entes administrativos.
Marcus Bittencourt* marcusviniciusbittencourt@yahoo.com.br *Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt é advogado da União, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Curitiba, da Escola da Magistratura Federal do Paraná e do Curso Aprovação. Autor do livro "Manual de Direito Administrativo" – Editora Fórum – 2005. www.marcusbittencourt.com.br |
Com o objetivo de alcançar melhores resultados na Administração Pública, criaram-se novos instrumentos no âmbito do Direito Público, para conferir maior autonomia aos entes administrativos ou estabelecer parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos. Dentre tais medidas, sobressai o contrato de gestão.
Desde 1991, inúmeros decretos, como o Decreto nº 137/91 (Programa de Gestão das Empresas Estatais), tratavam do contrato de gestão na área federal. A intenção principal era liberar as pessoas administrativas da Administração Indireta de certos controles decorrentes do regime de direito público, caso atingissem determinadas metas previamente estipuladas. Conforme, entretanto, esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quanto a esses contratos com entes da Administração Indireta, "tendo sido a matéria disciplinada apenas por meio de decreto, os poucos contratos de gestão celebrados na esfera federal acabaram sendo impugnados pelo Tribunal de Contas, já que as exigências de controle ou decorrem da própria Constituição ou de leis infraconstitucionais, não podendo ser derrogadas por meio de decreto ou de contrato" [1].
Com a Emenda Constitucional nº 19/98, o contrato de gestão passou para a alçada constitucional com previsão no art. 37, § 8º: "a autonomia gerencial, orçamentária e financeira da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal".
Diante desse panorama, pode-se separar três situações distintas frente ao instituto contrato de gestão:
- contrato entre o Poder Público e entidades da Administração Indireta;
- "contrato" entre órgãos;
- contrato entre o Poder Público e "organizações sociais".
Contrato de Gestão entre o Poder Público e Entidades da Administração Indireta.
Conforme prevê o art. 37, § 8º da Constituição, as entidades da Administração Indireta poderão celebrar contrato de gestão com o Estado. Neste contrato de gestão, devem ser estabelecidas metas a serem cumpridas pelo ente administrativo e, em contrapartida, este receberá maior autonomia no desempenho de suas funções.
Em primeiro lugar, questiona-se se realmente este ajuste teria a natureza jurídica de um contrato, uma vez que não existem interesses opostos nesta avença. Assim, como existe uma sintonia de interesses, a natureza jurídica teria, na verdade, a configuração de um convênio.
Em segundo lugar, não é possível conferir maior autonomia às pessoas administrativas mediante contrato, afastando o regime jurídico dos entes da Administração Indireta previsto em lei. A solução para tal dilema é dada por Celso Antônio Bandeira de Mello ao interpretar o dispositivo constitucional. Como o art. 37, § 8º "menciona que a lei disporá sobre o prazo de duração de tais contratos, controles, avaliação, responsabilidades e remuneração de pessoal, haver-se-á de entender que tal lei, de par com os sobreditos aspectos, mencionará quais os controles que podem ser suspensos no caso de serem travados os contratos. Como conseqüência, resultará ampliada a autonomia das entidades contratantes. É claro, então, que dita lei terá de ser explícita com relação ao que poderá ser afetado, isto é, em quê o regime nela disposto substituirá o regime diverso que vigoraria se não houvera o contrato. [2]"
Assim, apenas após a elaboração da lei mencionada no art. 37, § 8º da Constituição, poderiam ser celebrados validamente contratos de gestão entre o Estado e entidades da Administração Indireta.
"Contrato" entre Órgãos
Como é sabido, os órgãos são centros de competências que não possuem personalidade jurídica e, logo, não têm vontade própria para exercer direitos e contrair obrigações. A capacidade de ser titular de direitos e obrigações pertence apenas às pessoas, físicas ou jurídicas.
Assim, houve um equívoco dos criadores da Emenda Constitucional 19/98 quanto ao teor do art. 37, §8º, ao prever uma impossibilidade jurídica como são os "contratos" firmados entre órgãos.
Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que é "juridicamente inexeqüível um contrato entre órgãos, pois estes são apenas repartições internas de competências do próprio Estado… Só pode contratar quem seja sujeito de direitos e obrigações, vale dizer: pessoa. Portanto, nem o Estado pode contratar com seus órgãos, nem eles entre si, que isto seria um contrato consigomesmo – se se pudesse formular suposição tão desatinada" [3].
Contrato entre o Poder Público e as "Organizações Sociais".
Existe a possibilidade de celebração de um contrato de gestão do Poder Público com entidades privadas sem fins lucrativos que exercem atividade de interesse público. Contrato de gestão, neste caso, seria um ajuste entre o Estado e a entidade qualificada como organização social, com o intuito de formar uma parceria entre as partes para fomento e execução de atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, cultura, saúde e preservação do meio ambiente, conforme se apreende da Lei nº 9.637/98 (art. 1º e art. 5º).
Nesta hipótese de contrato, também serão fixadas metas a serem alcançadas pela organização social que receberá, em contrapartida, uma série de benefícios do Estado como verbas orçamentárias e servidores públicos trabalhando em suas atividades, mas sendo pagos pelos cofres públicos.
Observe-se que o contrato de gestão, "quando celebrado com entidades da Administração Indireta, tem por objetivo ampliar a sua autonomia; porém, quando celebrado com organizações sociais, restringe a sua autonomia, pois, embora entidades privadas, terão que sujeitar-se a exigências contidas no contrato de gestão" [4].
[1] Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 282.
[2] Curso de Direito Administrativo. 14.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 208.
[3] Curso de Direito Administrativo, p. 209.
[4] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, p.284.
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