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quarta-feira, 16 de março de 2011

UM RELATO SOBRE A PARTICIPAÇÃO D@S USUÁRI@S NO PROCESSO ELEITORAL DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, PEL@S USUÁRI@S



O processo eleitoral recente para a presidência do Conselho Nacional de Saúde foi dos processos mais acompanhados no campo da saúde nos últimos meses. Vários textos sobre o assunto vem sendo publicados, trazendo questionamentos e visões sobre o processo, mas entendemos que para que este mapa de relatos e análises se torne mais preciso e confiável, é importante termos a contribuição de usuári@s que participaram do processo. Este texto busca preencher algumas lacunas nesta estória.

Final de 2009: acontece a primeira eleição para a presidência do CNS com confronto entre candidatos, no caso, Jurema Werneck, representante usuári@s, militante do movimento negro, e Francisco Júnior, representante dos trabalhadores da área da saúde. Este processo começou, claro, antes das eleições, com a rearticulação do Fórum de Usuári@s em 2008, onde se buscou a construção de consensos e a unidade de ação em determinados temas. O surgimento do Fórum foi motivado pela percepção de que as pautas trazidas pelo segmento dos usuári@s eram recorrentemente negligenciadas, tratadas como despolitizadas e irrelevantes tanto pelo segmento dos gestores/prestadores quanto pela representação dos trabalhadores, que naquele momento presidia o CNS. À medida em que começou a assumir maior organicidade, o Fórum passou a refletir sobre a possibilidade de uma atuação mais protagonista no CNS e decidiu em 2009 lançar uma candidatura à presidência do conselho, com a plataforma de trazer para o centro da discussão no CNS as condições concretas de atendimento a saúde no país. Ao mesmo tempo construía-se no conselho uma articulação pela terceira reeleição de Francisco Júnior. O Fórum das Entidades de Trabalhadores da Área da Saúde – FENTAS, fórum a partir do qual se organizam os trabalhadores que compõem o CNS, lançava novamente a candidatura de Francisco Júnior, com o apoio do ministério da saúde, da bancada patronal e de prestadores. Não se obteve consenso entre trabalhadores e gestores/prestadores e o segmento dos usuári@s e o processo eleitoral ocorreu sob muita tensão. A candidatura dos usuári@s foi desqualificada, taxada de radical, imprevisível e “incontrolável” por parte de diversos atores , já que a candidata do segmento tinha um histórico de fortes críticas à gestão do ministério da saúde  de então, assim como à própria atuação do CNS. Ao fim do processo algumas poucas entidades do segmento dos usuári@s que naquele momento apresentavam interesses discordantes com os representados pela candidatura de Jurema acabam por votar com o segmento dos trabalhadores e gestores/prestadores e garantem a terceira reeleição de Francisco Júnior à presidência do CNS, com um resultado de 27 a 21.

O ano de 2010 começa com o segmento dos usuári@s fortalecido, avaliando as causas de sua derrota e as fragilidades que havia apresentado no processo. O fórum de usuári@s passou a assumir organicidade ainda maior, contando com numero crescente de entidades em suas reuniões. A análise feita então era a de que a candidatura dos usuári@s seguia sendo necessária, uma vez que o Conselho ainda não conseguia aproximar-se das demandas da sociedade para o SUS, enfatizando claramente pautas vinculadas aos interesses e necessidades da gestão do MS. O segmento recomeçou a organizar sua candidatura, neste momento contando com grau significativamente maior de amadurecimento e de coesão interna.

No CNS, havia claramente uma crise instalada. O ministro da saúde praticamente não comparecia às reuniões do CNS, não homologava boa parte das decisões do conselho. O CNS tornava-se cada vez mais irrelevante e impotente frente a diversos atores fundamentais do campo da saúde, incapaz de estabelecer diálogos mais amplos com a sociedade. Os motivos dessa crise foram certamente os mais diversos e o entendimento do segmento dos usuári@s era de que parte da solução passava pela inclusão de pautas concretas relacionadas ao cotidiano dos serviços de saúde na centralidade das discussões do CNS. A partir de outubro de 2010 as discussões relacionadas à sucessão presidencial no conselho passaram a dominar os espaços dos fóruns, mais uma vez configurando-se a perspectiva da reeleição de Francisco Júnior a partir de uma tentativa de reedição da aliança entre governo, entidades patronais e FENTAS, em contraposição a uma candidatura do segmento dos usuári@s.

Os usuári@s optaram pela construção de uma plataforma, apresentada na “Carta Politica dos usuári@s e Usuárias do Conselho Nacional de Saúde – Partilhar Poder Para Consolidar a democracia no CNS, Descentralizar as Ações do SUS e Fortalecer a Participação da População na Sua Gestão”. Este documento, além de lançar uma candidatura do segmento dos usuári@s à presidência, sem nome definido para a ocupação da vaga (o nome de Jurema Werneck só foi fechado no segmento poucos dias antes da eleição), lançava uma plataforma identificada com a defesa do controle social, o fortalecimento da atenção básica e a ampliação da equidade no SUS. A perspectiva era debater com os outros segmentos não o nome do futuro presidente do CNS, mas sim a plataforma que este/a presidente/a deveria sustentar em sua atuação no CNS.

O diálogo entre o segmento dos trabalhadores e usuári@s novamente não avançava, diante da recusa do FENTAS ao dialogo com usuári@s em bases democráticas e de igualdade. Era colocado pelo FENTAS sempre uma condição inegociável: Francisco Júnior tinha novamente que ser reeleito à presidência do conselho. Mesmo mais tarde, em dezembro, nos momentos mais tensos de debate entre os segmentos, esta continuava sendo a condição  primeira para as negociações. A avaliação de muitos usuári@s era de que a presidência de Francisco Junior representava naquele momento a continuidade da aliança entre o segmento dos trabalhadores e a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, em detrimento do segmento dos usuári@s, que havia produzido parte importante dos problemas de legitimidade enfrentado pelo CNS. Para os segmento dos usuári@s era impossível aceitar esta condição.

O segmento partiu então para a negociação com as diversas entidades do CNS, buscando angariar apoios, construir consensos e efetivar a candidatura dos usuári@s. Dentro do segmento travava-se um fraterno, mas intenso debate sobre quem deveria ser o/a representante dos usuári@s. Houve três pré-candidaturas: o movimento negro, a CNBB e a União Brasileira de Cegos. Optamos por não definir o/a candidato/a até o último minuto, para evitar que surgissem divergências internas e defecções.

Em dezembro de 2010, aconteceu a reunião da eleição que não foi. Poucos dias antes da reunião do pleno do CNS em que ocorreria a eleição o cenário era o seguinte: Jurema Werneck havia sido escolhida novamente e o segmento dos usuári@s estava praticamente todo coeso em torno de sua candidatura, com pouquíssimas exceções. Além do segmento dos usuári@s, tínhamos também adesões à candidatura no segmento dos trabalhadores e até mesmo dentro do segmento dos gestores, embora minoritárias dentro destes segmentos. De qualquer maneira, o fato era que, no começo da reunião de dezembro de 2010 a candidatura dos usuári@s tinha maioria segura em um eventual confronto com a candidatura de Francisco Júnior e todos os conselheiros sabiam disso.

No começo da reunião , quando estava para ser formada a comissão eleitoral, uma iniciativa de um dos representantes do governo, mais especificamente do MEC, em uma rara intervenção, instaura a crise: afirmando existir uma incompatibilidade entre o regimento interno do conselho e o decreto presidencial que estabelecia o conselho, uma vez que este não estabelecia claramente em seu texto o prazo do mandato presidencial. Já o regimento dizia que o mandato do presidente do CNS deveria durar um ano, com novas eleições para a presidência ocorrendo anualmente. Esta suposta incompatibilidade, que não havia sido detectada em nenhuma das duas eleições dos anos anteriores que conduziram Francisco Junior à presidência, inviabilizaria a realização de eleições para a presidência do CNS. Esta colocação foi fortemente apoiada pelo representante do ministério da saúde, que sugeriu inclusive que o mandato de Francisco Junior deveria ser não de um ano, como havia sido definido no momento de sua eleição, mas sim de três anos. Ou seja, se propôs a mudança de regra no meio do mandato, em uma atitude explicitamente antidemocrática e casuística. No intenso debate que se seguiu, um ponto marcante foi o completo silêncio do então presidente do CNS e de todo o FENTAS, que em momento algum se pronunciaram, nem mesmo para declarar sua surpresa frente aos problemas que subitamente haviam sido descobertos no regimento interno.

A intensa discussão que se seguiu inviabilizou a continuidade daquela reunião do pleno do Conselho Nacional. A cada ponto que era proposto para tentar solucionar o suposto problema regimental, os segmentos interrompiam a reunião do pleno e partiam para reuniões internas de seus fóruns, na tentativa de solucionar o impasse histórico que  vivia o CNS. Uma proposta em particular, feita pelo representante do CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde é particularmente útil para entendermos o posicionamento dos atores durante este impasse. A proposta era a seguinte: o impasse poderia ser solucionado com a renúncia da mesa diretora do CNS, incluindo o presidente. Era consenso o fato de que o presidente havia sido eleito sob a perspectiva de permanecer no cargo por um ano apenas, não sendo aceitável sua permanência por mais tempo. A renúncia ao cargo seria perfeitamente coerente com esse entendimento e resolveria fácil e democraticamente o problema, pois obrigaria o conselho a realizar novas eleições para a presidência, que não estariam sujeitas a qualquer incompatibilidade entre decreto e regimento. Infelizmente essa proposta, embora tenha sido formalmente apresentada ao pleno do conselho e apoiada integralmente pelo Fórum de Usuári@s, foi rejeitada tanto pelo então presidente do conselho quanto pelo FENTAS, que afirmaram que a decisão da renúncia ao mandato seria uma decisão de “foro íntimo”.

A reunião do CNS seguiu por mais dois dias inteiros, sem que se chegasse a um acordo sobre o regimento. Quando foi aventada a possibilidade da eleição ocorrer, pois a maioria do conselho era favorável à realização de eleições, o ministério declarou que não comporia comissão eleitoral, o que novamente inviabilizaria as eleições. Além disso, não era desejo de nenhum conselheiro que a eleição do CNS se tornasse um caso para o poder judiciário, pois era claro que os impedimentos à realização da eleição eram de ordem política.

Por fim a eleição não ocorreu no pleno de dezembro e após árduas negociações acordou-se que seria prorrogado o mandato da mesa diretora até a reunião de fevereiro de 2011, quando seriam realizadas novas eleições. No mês de janeiro seria feita uma avaliação da mesa diretora e do funcionamento do CNS e seria constituída uma comissão paritária para avaliar todos os assuntos legais e políticos relativos às eleições. Apesar do atropelo à democracia, a atitude do Fórum de Usuári@s revelou maturidade e respeito à institucionalidade do CNS, aceitando a manutenção da mesa diretora por mais dois meses, na expectativa de conquistar a presidência do CNS em eleições limpas.

Iniciamos 2011 com um cenário um pouco diferente: as disputas em torno do nome do novo Ministro da Saúde ser indicado pela presidenta Dilma torna-se mais um ingrediente. A medida que se consolida a possibilidade de Alexandre Padilha tornar-se ministro, inicia-se também a movimentação de seu grupo para retomar a presidência do CNS. Dois novos elementos passam a influir na tomada de decisão quanto à eleição do CNS: a ruptura entre a gestão e a candidatura de Junior e a busca de fortalecimento do Ministro da Saúde dentro do governo, que enxergava na presidência do conselho parte estratégica de seu plano de governo.  Assim, as negociações quanto a eleição no CNS assumem nova dimensão, com novos interesses movimentando intensas negociações lideradas pelo já indicado Alexandre Padilha, como Ministro da Saúde.

O que havia em comum entre esta movimentação e o processo dos usuári@s era o reconhecimento da necessidade urgente de se alterar o curso do Conselho, para retomar sua legitimidade perdida. A divergência entre as  posições do grupo ministerial e dos usuári@s referia-se, até aquele momento, a qual visão, qual perspectiva, qual ator deveria ser privilegiado. Para o governo e seus aliados, era preciso que a gestão protagonizasse este momento de retomada, tendo no horizonte as negociações relativas ao financiamento e aos modelos de gestão do SUS. Para nós, era a sociedade, seus diferentes grupos populacionais, suas diferentes necessidades e, principalmente, a necessidade de se engajarem mais fortemente na defesa do SUS como um direito seu.

Com a posse do ministro uma fase de intensas negociações teve início, com o gabinete se reunindo individualmente com cada direção de entidade (e não apenas seus representantes no conselho) na defesa de sua candidatura. Segundo relatos de diferentes conselheiros, cujas entidades se reuniram com o Ministério da Saúde, nas reuniões o Ministro defendeu sua candidatura como forma de buscar um pacto dentro e fora do Conselho, para a defesa dos princípios do SUS e a garantia de acesso da população aos seus serviços.

Durante os encontros entre o Fóruns dos Usuári@s e o FENTAS, durante a reunião de janeiro, a posição do FENTAS continuava a mesma: defesa da candidatura de Francisco Júnior. Estava claro, no entanto, que sem o apoio do ministério a candidatura de Francisco Júnior tornava-se inviável. O FENTAS decidiu então retirar a candidatura de Francisco Júnior em favor da candidatura dos usuári@s. Esse pronunciamento, feito no final da reunião de janeiro e sem qualquer aviso prévio à maioria aos usuári@s, foi recebido por nós com grande espanto. Muitos usuári@s avaliaram que o apoio do FENTAS neste momento, apresentado na reunião do conselho sem dialogo prévio com o Fórum de Usuári@s, revelava novamente a mesma postura unilateral, de pouco diálogo, que fragilizou a relação com Fórum de usuári@s. Apresentada desta forma e neste momento, essa atitude não dialogava com os interesses reais dos usuári@s e sim com a necessidade de alguns membros do FENTAS de seguirem apresentando-se para a sociedade como independentes do governo e defensores da autonomia do controle social, mesmo quando, de fato, nos últimos anos o FENTAS mantinha-se na direção do CNS em uma aliança clara e explícita com o ministério e a bancada patronal.

Outro ponto relevante da reunião de janeiro foi a apresentação do parecer da CONJUR que declarava que as eleições para a presidência deveriam ser realizadas normalmente, derrubando a argumentação apresentada pelo segmento dos gestores em dezembro. A eleição anteriores para a presidência do CNS, declarava o parecer, havia sido um “ato jurídico perfeito”, e o mandato da presidência e mesa diretora do CNS deveria durar apenas um ano.

Somente às vésperas da eleição, os representantes do ministério se reuniram com a representação do Fórum de usuári@s. Nesta reunião foi discutida a possibilidade da realização de um acordo entre os usuári@s e o ministério, que contemplaria boa parte das demandas do segmento dos usuári@s. As principais propostas do segmento incluíam a realização de mudanças no regimento interno que contemplassem a criação de uma vice presidência para o conselho; a distribuição de atribuições específicas para cada membro da mesa diretora, descentralizando tarefas que ficavam centralizadas na figura da presidência; o funcionamento democrático e horizontal da mesa diretora; a coordenação por parte de representantes da sociedade civil de todas as pautas do conselho relativas à fiscalização das atividades do ministério da saúde; o apoio à proposta de realização de uma 14ª Conferência Nacional de Saúde com ampla mobilização da sociedade e participação da população, cujo tema central seria o acesso à saúde. Posteriormente, temas relativos à implementação das políticas do MS consideradas estratégicas foram abordados, incluindo a melhora na divulgação dos novos medicamentos disponíveis gratuitamente nas farmácias populares.

A negociações já previamente realizadas com diversas entidades dos usuári@s, associadas à concordância do ministro com as reivindicações feitas pelos usuári@s no encontro da véspera da reunião do CNS acabaram por conquistar para a candidatura do ministro o apoio de grande parte das representações de nosso segmento.

Em sua fala logo após a eleição do ministro, Jurema Werneck deixou claro que a eleição do ministro à presidência do conselho de forma alguma representava um enfraquecimento no crescente protagonismo assumido pelo segmento dos usuári@s.  O conteúdo das propostas da candidatura dos usuári@s havia claramente ganhado espaço no CNS, a própria relação do segmento com seus representantes na mesa diretora também havia se transformado, resultando em um acompanhamento muito mais atento e rigoroso por parte dos usuári@s da atuação de seus representantes na mesa. Além disso, o segmento também amadureceu muito sua capacidade de articulação e diálogo com os outros segmentos do conselho que, talvez pela primeira vez, deixaram de entender os usuári@s como um segmento de segunda categoria no CNS.

Temos este ano um importante processo de mobilização para a 14ª Conferencia Nacional de Saúde e o empenho e expectativa do Fórum de usuári@s é de que o CNS lidere este processo para que esta conferência tenha realmente sentido e efetividade na vida dos usuári@s do SUS, na perspectiva de uma vida saudável e  da garantia do acesso com qualidade em tempo adequado.

A primeira reunião do Conselho Nacional de Saúde após o desfecho do processo eleitoral ocorre esta semana, com o início de um novo período no CNS. O Fórum de usuári@s espera vigilante que os compromissos feitos com os diversos atores do CNS durante estes últimos meses se cumpram.

Assinam:
Fernando Luiz Eliotério, Conselheiro Nacional de Saúde pela CONAM;
Jorge Alves A. Venâncio, Conselheiro Nacional de Saúde pela CGTB;
Jurema Pinto Werneck, Conselheira Nacional de Saúde pela AMNB;
Maria de Lourdes Alves Rodrigues,  Conselheira Nacional de Saúde pela LBL
Maria do Socorro de Souza, Conselheira Nacional de Saúde pela CONTAG;
Maria Thereza A. Antunes, Conselheira Nacional de Saúde pela Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down;
Pedro Tourinho, Conselheiro Nacional de Saúde pela ANPG;
Sandra Regis, Conselheira Nacional de Saúde pela CEPAamigos;
Zilda de Faveri Vicente Souza,  Conselheira Nacional de Saúde pela ABRAz

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