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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Século XVII?

O blazer de Manuela


Um detalhe chamou atenção ontem em meio ao noticiário sobre a análise que o STF faz em torno da validade da união civil entre homossexuais. A deputada Manuela D´'Avila queria assistir à sessão e, vindo de uma série de eventos em Belo Horizonte direto para a sede da corte suprema do país em Brasília, estava naturalmente bem vestida sob o critério do bom senso. Mas foi barrada porque... não estava usando blaser. Pois é: o critério da elegância ritualística do Supremo é o blazer e não se fala mais nisso. Se o resultado da votação, esperada para hoje, confirmar a validade da união civil gay (na verdade, validade da declaração de convivência, o que equivale a casamento civil em várias situações legais), terá dado um passo à frente rumo à realidade brasileira. Mas vai ficar sempre aquela pulga incômoda não atrás da orelha, mas bem diante do nariz, quanto ao detalhe do blazer.

Ora, como é que uma corte de tampas jurídicos da maior relevância tem a clarividência de legalizar a convivência homossexual para fins jurídicos a mesmo assim ainda exige, em 2011, que uma parlamentar não entre na sala onde seu plenário está reunido porque não está usando blazer - embora esteja, independente disso, vestida em condições nem um pouco agressiva diante das capas negras dos senhores ministros? Dá vontade de dizer que, sim, deputada Manuela, a gente gosta da atuação da senhora independente da forma como a senhora esteja vestida - mas aí o risco de ferir o decoro na abordagem pode sim, dar razão ao ultrapassado código de moda jurídica que ainda vige no STF, como bem demonstra o emprego dessa forma verbal tão antiga quanto toda essa discussão.

Manuela tem dito, no twitter ou no seu blogue (que agora está ali ao lado na lista dos outros pratos do Sopão) que o blazer é um detalhe. Tá certo, mas é o tipo do elemento menor que cresce de dimensão toda vez que se lembra que ele, na sua pequenez, só reforça o caráter inútil de certas prescrições associadas à liturgia do poder. Há sim um certo prazer exclusivista em funcionários, chefias e pequenos e grandes poderosos em fazer valer essas antiguidades. Mesmo que eles concordem, com cara de tolerância, em acabar com elas. É a velha história do poder do rei de decidir se o prisioneiro será morto ou não - o que vale não é o caráter imperial de mandar matar, mas o poder em si de tomar essa decisão; inclusive absolvendo o pobre diabo. O blazer de Manuela é uma atualização contemporânea desse antigo preceito. Abaixo o blazer e o poder que ainda veste sobre homens e mulheres.

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