Um grupo de semioticistas da UNICAMP estudará a despensa de Chico Buarque. “As compras de supermercado dele são geniais”, disse um deles.
LEBLON – “Socorro, por favor deixa um guizadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, Chico.” Escrito na última sexta-feira por Chico Buarque e endereçado à sua diarista Maria do Socorro, o bilhete veio à público ontem e foi imediatamente considerado excepcional por boa parte da crítica brasileira.
Na Folha, o crítico Roberto Kaz ressaltou como a tensão dialética empregada por Chico desnuda as contradições da sociedade brasileira. “Há na mensagem esse magma complexo que nos define – delicadeza e opressão, gentileza e comando, flor e aço. É toda a relação ambígua entre as classes que se dá a ver nestas 15 palavras”, apontou.
Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu ressaltar o sentimento agônico que se instala no leitor ao cabo da leitura. “Terá Socorro deixado o guizadinho? Estamos na estação das abóboras? Nada disso se resolve na leitura, e Chico nos deixa a contemplar a possibilidade do abismo. É uma experiência devastadora”, escreveu.
No Globo, Rodrigo Fonseca publicou uma longa coluna sobre “as vitalidades contraditórias de uma estética que decerto bebe na fonte do primeiro Scorsese, apenas para, em seguida, dar meia volta e se encharcar de perplexidade bergmaniana, sublinhada, com agudez certeira, na pungência visceral da primeira palavra: Socorro.”
José Ramos Tinhorão foi uma das poucas vozes discordantes. Em ensaio nos Cadernos do CEBRAP, o crítico lembrou que a abóbora não é uma espécie nativa, e que Chico, no bilhete, revela a falta de potência criativa do colonizado entregue ao gosto estrangeiro, estranho às suas gentes. “Sabemos, ademais, que abóbora, no Brasil popular, é conhecida por jerimum. O registro erudito de Chico Buarque nada mais é do que um sinal de seu apartamento dos pobres do país. O seu cardápio é o da aristocracia, não o do proletariado. Chico se americanizou.”
A Casa de Rui Barbosa anunciou que concederá, a partir de setembro, duas bolsas de pesquisa para estudantes de doutorado que queiram se dedicar ao estudo dos recados deixados por Chico na secretária eletrônica de seu personal trainer, Marcão. “Há dois anos começamos a estudar esse material”, revelou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “Em dezembro, um dos nossos pesquisadores defenderá uma tese de doutorado em que interpreta, à luz da neurociência, um dos mais famosos recados que Chico deixou para Marcão: ‘Marcão, estalei uma costela. Melhor desmarcar. Abraços, Chico’.”
“A tensão é quase insuportável”, declarou um pesquisador com acesso ao recado.