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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Belo texto do Felipe Cavalcanti: Vamos fazer uma primavera?


Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar…
Raul Seixas


por Felipe Cavalcanti, médico sanitarista e desejante de um mundo com mais vida na vida

Ao final do ano passado (2010) fizemos uma mobilização que parece ter tido poucos precendentes, pelo menos no setor saúde. Durante o processo de definição de quem seria o próximo ministro da saúde pela presidenta Dilma, tiramos do mundo opaco dos gabinetes as discussões sobre que equipe melhor faria avançar a construção do Sistema Único de Saúde e a colocamos em debate através de amplas mobilizações nas redes.

Conversando com muitas pessoas que à época participaram mais ou menos intensamente, os relatos que ouvi naquele momento, e ainda até fevereiro e março deste 2011, eram de que aquele debate desnudava os processos políticos tradicionais de nosso país e remetia às mobilizações da década de 1980. A força, a esperança e o desejo que os militantes da saúde depositaram no ministério que estava por se formar tinha o mesmo caráter da força, da esperança e do desejo de milhares e milhares que se mobilizaram para garantir que todas e todos os brasileiros tivessem o direito constitucional e real à saúde universal e de qualidade, no bojo da saída da ditadura e começo de nosso aprendizado democrático.

A extensão do processo, entretanto, faz parecer que essas mobilizações são bem típicas dos momentos em que se elegem ou se formam os governos. Nestes momentos, os governantes não só gostam como estimulam que hajam mobilizações sociais, nas redes e nas ruas, que se enalteçam certos nomes para fortalecer um certo projeto de governo e de poder. Por outro lado, sentimo-nos todos tão ameaçados diante da iminente eleição de alguém que não representa mais que uma forte possibilidade de retrocesso em relação a pequenos avanços anteriores que saímos mesmo às ruas. Fazemos e vestimos camisas, pedimos votos, fazemos abaixo-assinado e inventamos nos blogs, twitter,  facebook e etc. formas de expressão de nossas opiniões. Queremos sobretudo uma redução de danos, escolhendo e apoiando algo que pode ser bom, frente a uma alternativa que não tem como provar que não será ruim.

Na extensão, no desenrolar dos acontecimentos, nossa disposição já se mostra outra. Até parece que estamos demasiado cansados de tanta luta e confiamos àqueles eleitos e seus indicados (nossos “representantes”!) a condução dos processos políticos. Nos interessamos aqui e ali, quando alguma questão nos toca mais diretamente, mas, em geral, temos pouco o que dizer, pouco o que opinar e, principalmente, pouca disposição pra colocar a boca no trombone!

O que faz com que uma tal disposição nos deixe meio que prostrados? Por que teimamos em confiar decisões, opiniões e processos que nos são tão caros a alguns poucos, seja a presidenta, os ministros, deputados, prefeitos, vereadores, governadores, etc., etc.?

Não tenho a pretensão de responder a estas duas questões, principalmente porque, mais do que entender sociológica e politicamente este processo, precisamos nos contagiar novamente. Precisamos fazer daquela disposição militante, daquele desejo de ver uma e não outra pessoa ocupando um cargo eletivo, o mesmo desejo de ver um certo campo de políticas, e não um outro, sendo formulado e implementado.

Uma Regulamentação da Emenda Constitucional 29 que, sim, aumente a carga tributária, incidindo sobre os mais ricos e ajudando a evitar a sonegação, com aporte de todos os recursos de um novo imposto para a saúde. Não queremos uma regulamentação que faz de conta que aporta mais recursos, mas em nada altera o pacto de desigualdade social.

Uma política de saúde mental que apóie as pessoas a viverem com mais qualidade, usando ou não drogas, e não uma que finja que vamos resolver nossos problemas encarcerando crianças, adolescentes e adultos (no mais das vezes, pobres).

Um cartão SUS que facilite a vida de usuários e trabalhadores, e não um que gere mais burocracia, mais negativa de atendimento, em nome unicamente da produção de dados para a vigilância da saúde e do controle financeiro.

Enfim, são vários e vários os campos de desejo que deveríamos fortalecer, interditando os modos fascistas, desiguais e preconceituosos de produzir morte na vida. Não cabe aqui inventariá-los, nem mesmo sugeri-los.

Cabe perguntar e convidar a falar, a conversar, até mesmo a gritar sobre:
Como faremos florescer as flores que farão da primavera uma #PrimaveradaSaúde? Qual o nosso papel na construção de novas formas de vida?

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