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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Lonas pretas nas Terras de Tio Sam? Camponeses marcham na Califórnia


Sí, se puede!

Camponesas e camponeses marcham na Califórnia por sombra, banheiros e água potável

Janaina Stronzake
de São Francisco (Califórnia) para o Brasil de Fato

É verão, mas a geografia da Califórnia não apresenta facilidades quando se trata de atravessar o estado marchando. Os dias podem ser quentes, e as noites, frias, pela brisa que sopra do oceano Pacífico.
Com gritos de “Sí, se puede” (sim, é possível), cerca de 200 pessoas deram largada a uma marcha de 320 quilômetros entre a cidade de Madera, ao sul, e a capital Sacramento, no norte. A marcha foi organizada pelo sindicato União de Trabalhadores Agrícolas (United Farm Workers of America), do estado da Califórnia, no oeste dos Estados Unidos. Partiram no dia 23 de agosto, com chegada em 4 de setembro.
A Califórnia é conhecida como o Golden State, ou Estado Dourado, por sua riqueza natural e produtividade. A região tem terras férteis, clima agradável, florestas nativas, mar, montanhas com neve, parques com reservas naturais, água doce abundante. É um dos celeiros dos Estados Unidos. O PIB do estado seria o sétimo maior do mundo, se a Califórnia fosse um país.
Mesmo com toda essa riqueza, as pessoas que trabalham no campo não têm as mais básicas necessidades atendidas. O sindicato estima que são mais de 400 mil pessoas assalariadas no campo, trabalhando todo o dia sem água, sem sombra para o intervalo de descanso e almoço, e, inclusive, sem banheiro. A marcha tem por lema “Tratamento justo para os camponeses e camponesas já”, e chegou na capital na véspera do Dia dos Trabalhadores.
Odilia Chávez, uma das marchantes, conta que “trabalhamos sob o sol, em lugares em que muitas vezes não tem nada de sombra”. “Estamos recebendo salário mínimo e não recebemos pagamento por horas extras”.
No final de junho, o governador da Califórnia, Jerry Brown, vetou um projeto de lei que exigia dos fazendeiros a garantia de condições mínimas de trabalho no campo. A organização das trabalhadoras e trabalhadores exige, com a marcha, que o governador retome o projeto de lei, o aprove e garanta a fiscalização para que a lei se efetive.

Mas a história de lutas desse sindicato começou há 50 anos, em 1962, com instrumentos como greves e boicotes, exatamente pelos direitos que nestas semanas são reivindicados: sombra, banheiros e água potável nos locais de trabalho, fim da demissão injustificada, pagamento de horas extras. O sindicato foi ganhando força e direitos; estendeu-se para dez estados, e garantiu conquistas mínimas, como leis que conseguiram reduzir o número de mortes por insolação.
Segundo informa o sindicato, seus objetivos são atuar “na proteção dos camponeses e trabalhadores agrícolas dos Estados Unidos, e assegurar o abastecimento justo de alimentos”.
Eric Holz-Gimenez, do Instituto Food First (Alimento Primeiro), da Califórnia, avalia os motivos pelos quais os trabalhadores assalariados agrícolas perderam direitos nos últimos 20 anos. Ele cita as mudanças tecnológicas na agricultura, que desempregaram massivamente e provocaram êxodo rural; contudo, ainda existem mais de 400 mil pessoas trabalhando no campo, sem terra.
Dessas mais de 400 mil pessoas, cerca de 16 mil são sindicalizadas. Existe uma grande perseguição por parte dos fazendeiros, que buscam impedir a sindicalização. Como muitos são imigrantes mexicanos, que muitas vezes não falam inglês, a ameaça de demissão pode ser ainda mais assustadora. Para piorar, as trabalhadoras e trabalhadores agrícolas são os únicos não protegidos pela legislação trabalhista dos Estados Unidos.
Outro motivo para a perda de direitos seria a mudança nas estratégias do sindicato, que passou a privilegiar a negociação com os governos e o lobby, em busca de aprovação de leis que beneficiassem as trabalhadoras e trabalhadores, deixando de lado a organização política como forma de pressão por mudanças. Ao mesmo tempo, foi sendo substituída a contribuição das sócias e sócios por projetos junto a organizações não governamentais (ONGs) e governos; quando ocorre uma concentração de recursos públicos em algumas grandes ONGs, e o governo vai cortando recursos destinados aos sindicatos, a crise financeira afeta a capacidade de mobilização.
Neste momento, a organização procura recuperar formas de luta mais antigas, mais enraizadas na luta de classes. Durante a marcha, foram realizados momentos de formação em escolas, igrejas, centros comunitários; esses mesmos coletivos ofereciam alimentação e alojamento às pessoas marchantes. Cerca de 50 pessoas caminharam todos os dias, e quando a marcha passava nas cidades, mais pessoas se somavam durante um determinado trecho.
Ainda não sabemos se o governador irá atender as reivindicações das camponesas e camponeses, mas há uma chama se reacendendo. Quem sabe seja o início de um novo período de lutas populares, em um país onde cada vez mais direitos são perdidos, e onde a direita mais raivosa, representada principalmente pelo Tea Party, vai ganhando espaço.
(Com informações de www.ufw.org)

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