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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Para economizar, Japão pretende soltar 70 mil pacientes psiquiátricos


No corredor do Hospital Psiquiátrico St. Pierre, ao norte de Tóquio, uma idosa está sentada no chão perto de uma estufada sacola cilíndrica marrom. Ela coloca os braços em torno dos joelhos e murmura algo sobre ser buscada por alguém para ir para casa.

A mulher arrumou sua bagagem muitas vezes desde que foi internada para se tratar de esquizofrenia, mais de 20 anos atrás, na certeza de que alguém estaria vindo para pegá-la, disse o psiquiatra Manabu Yamazaki, o proprietário do hospital.

A esperança dela reflete a do governo, que quer esvaziar 70 mil leitos a fim de reduzir a mais elevada taxa de hospitalização psiquiátrica entre os países desenvolvidos. A medida deve reduzir seu desembolso de 1,8 trilhão de ienes (US$ 23,5 bilhões) anual na área de saúde mental.

Defrontando-se com o maior déficit público e a sociedade de envelhecimento mais acelerado do mundo, o primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda, tenta reduzir a expansão da conta de saúde do país, de US$ 453,4 bilhões por ano.

"A única coisa em que o governo pensa é reduzir os custos médicos", diz Yugo Miyata, que administra o Hospital Camellia de Yokohama, na periferia de Tóquio. "Se os hospitais obrigarem imediatamente 70 mil pacientes a sair, precisamos estar preparados para a perspectiva de vários milhares deles viverem como sem-teto, na rua."

O esforço para reverter cinco décadas de uma política de isolamento de casos psiquiátricos é pouco realista. Isso porque a maioria dos pacientes não tem familiares vivos ou ficou hospitalizada por um período longo demais para conseguir administrar a vida lá fora. Outro fator é o estigma vigente no Japão para os que têm um parente com doença mental, segundo médicos como Yamazaki e Yuji Okazaki, do Hospital Metropolitano Matsuzawa de Tóquio.

Entre 2004, quando o Ministério da Saúde fixou um prazo de dez anos para a redução, e setembro de 2009, quando foi realizada a última pesquisa, o número de leitos caiu apenas em 6.806, para 348.121.

Num esforço para acelerar as reduções, o governo está selecionando neste ano 25 hospitais psiquiátricos para um programa experimental que determina que eles reduzam até 10% de seus leitos dentro de três a cinco anos. Além disso, as instituições terão que formar equipes para ajudar a cuidar dos pacientes egressos reintegrados à comunidade.

O não esvaziamento dos hospitais até agora põe à mostra a dificuldade enfrentada por Noda em reduzir os subsídios, num país em que o ônus de cuidar de um contingente crescente de pacientes idosos recai sobre os ombros de um grupo cada vez menor de cidadãos em idade ativa. O cumprimento da meta do governo representará uma economia de aproximadamente US$ 1,3 bilhão, segundo Ludwig Kanzler, um dos sócios da McKinsey & Co. de Tóquio. Cerca de um em cada três japoneses terá mais de 65 anos em 2025, comparativamente aos 12% computados de 1990, segundo estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sediada em Paris.

A população de terceira idade ocupa quase dois terços dos leitos dos hospitais no Japão, informou a OCDE em relatório de dezembro de 2009. A assistência aos portadores de doenças mentais responde por 5,2% da conta médica do país, de US$ 454,3 bilhões.

Enquanto os Estados Unidos e a Europa ocidental começaram a fechar asilos e a integrar os pacientes à comunidade na década de 1960, no Japão o estigma da doença mental fez com que os 1.076 hospitais psiquiátricos mantivessem uma taxa de ocupação de 90%. O Japão tem 13,5 vezes mais leitos psiquiátricos por grupo de 100 mil pessoas do que os Estados Unidos, e 4,5 vezes mais que o Reino Unido, segundo dados da OCDE.

"Não há dúvida de que o estigma contra as doenças mentais é mais forte no Japão", diz Nancy Andreasen, titular da cátedra de psiquiatria Andrew H. Woods na Faculdade de Medicina Carver da Universidade de Iowa, que recebeu a Medalha Nacional de Ciência em 2000. "Existe a tendência de tirar um membro doente da família da vista e, essencialmente, da cabeça."

Os doentes mentais são, em grande medida, apartados da sociedade no Japão desde a década de 1950, quando o governo proibiu as pessoas de trancar parentes doentes em casa. Para aumentar a disponibilidade de leitos hospitalares, o Estado introduziu subsídios e reduziu os requisitos mínimos de pessoal hospitalar.

As pressões da opinião pública pela internação dos doentes mentais cresceram depois que o ex-embaixador dos EUA Edwin Reischauer foi atacado por um paciente portador de esquizofrenia na embaixada do país em Tóquio, em 1964. Esse episódio que causou grande mal-estar internacional.

"Muitos pacientes não precisam de assistência médica", disse Okazaki, do Hospital Metropolitano Matsuzawa de Tóquio. "Entretanto, eles não têm um lar para o qual voltar, uma vez que seus pais morreram e seus irmãos não se sentem obrigados a sustentá-los."

O tratamento aos mais de 300 mil pacientes psiquiátricos internados no Japão custa cerca de US$ 5.220 por paciente ao mês, em média, segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 2009.

Entre 70% e 100% desse custo é coberto pelo governo, dependendo da idade do paciente e da capacidade de pagamento dos parentes. No caso dos idosos o Estado paga 90% da conta.

Com o envelhecimento da população, a proporção de pacientes de demência nos hospitais psiquiátricos subiu a 17% em 2008, em relação aos 11% de quase uma década antes, segundo a pesquisa.

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