Governo chileno invoca lei de segurança do Estado contra protestos
Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago do Chile
Santiago viveu uma nova manhã incandescente, terça-feira (19), na primeira das duas jornadas de mobilizações convocadas pelo movimento estudantil e pelos trabalhadores para exigir uma educação gratuita e de qualidade. Desde cedo, diversos grupos de jovens encapuzados saíram às ruas erguendo barricadas e acendendo fogueiras em onze pontos da capital chilena, em protesto contra o modelo educacional e o modelo político-econômico vigente no país. O fogo foi alimentado com pneus, placas de trânsito e lixo nas esquinas próximas às universidades e escolas públicas. Mas o fato mais quente ocorreu perto das 8 horas na Avenida Grécia, perto da sede da Universidade do Chile e a duas quadras do Estádio Nacional, onde um grupo de 20 jovens fez os passageiros descerem de um ônibus para, logo em seguida, colocar fogo no veículo de 22 metros de comprimento.
Os carabineiros finalmente entraram na Faculdade de Filosofia da principal universidade do país. Em outra região, na zona periférica de Maipú, outro grupo incendiou uma casa piloto de um conjunto habitacional, evidenciando dois aspectos que preocupam a luta estudantil: o temor de alguns setores da população pela escalada de violência urbana envolvendo jovens encapuzados e a política, e o aproveitamento midiático que o governo de Sebastian Piñera faz disso para tentar deslegitimar as demandas do movimento estudantil.
A imprensa, majoritariamente de direita no chile, destacou as fotografias de carabineiros lesionados, ônibus queimados e barricadas de fogo, deixando de lado o tema de fundo das demandas estudantis. O discurso oficial é: "o movimento foi sequestrado pelos grupos mais radicalizados". No entanto, há dúvidas. A primeira diz respeito às suspeitas levantadas após reportagens de televisão que mostraram carabineiros infiltrados entre civis nas marchas anteriores. No movimento estudantil, duvida-se que a origem de alguns episódios de violência venha exclusivamente de seu setor, sobretudo após um ataque de encapuzados à sede da UDI, o partido de ultra-direita mais forte do governo.
Mas junto a isso há algo indesmentível e inevitável nos movimentos sociais latino-americanos: jovens que reagem com violência ao Estado em função da marginalização, não só em relação às demandas educacionais, mas pelo cansaço por outros abusos do mercado na saúde, na previdência social e por parte dos bancos, entre outras questões.
Para Carlos Cruz, psiquiatra da Universidade Andrés Bello, o que se esconde por trás do fenômeno da violência dos encapuzados é "uma grande frustração com a vida em geral e com o que o Estado e o governo representam: abandono e/ou agressão. Também é possível que não tenham aprendido a maneira de resolver situações complexas com diálogo, mas sim com violência, e é justamente o que observamos nessas condutas".
Neste cenário, o governo de Piñera se aproveitou para aumentar o controle social. Os partidos governistas (Renovação Nacional e UDI) exigem a tramitação urgente de um projeto de lei no Congresso para punir duramente os jovens encapuzados que estão nas ruas. De fato, o próprio ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, anunciou que invocará a Lei de Segurança do Estado pelo ataque ao ônibus que foi incendiado. "Hoje vimos fatos que não gostaríamos nunca de ter presenciado. Demasiada violência, demasiada destruição sem sentido, demasiada agressividade irracional, demasiado ódio", assinalou.
Por outro lado, parlamentares do Partido Socialista criticaram o governo e assinalaram que ele segue errando o caminho após anunciar que aplicará a Lei de Segurança do Estado pelo ataque incendiário contra o ônibus. O deputado Alfonso de Urresti afirmou: "rechaçamos absolutamente a decisão do ministro do Interior. Nos parece inadmissível, além de improcedente e extemporâneo". "Esperamos que o governo mude sua postura, porque não resta dúvida que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pedirá explicações ao Estado chileno pelas violações cometidas neste último período".
Desde a Europa, a líder universitária Camila Vallejo, que está explicando o caráter da mobilização estudantil chilena a entidades do velho continente, afirmou que o movimento estudantil do Chile não é parte dos indignados. "Não se trata de um movimento espontâneo, mas sim de um longo processo baseado em uma análise profunda da injustiça existente no Chile". Ela assegurou que "já foi superada a etapa do descontentamento". "Agora é preciso olhar em frente e construir uma alternativa para o país".
Sobre o futuro do movimento, a estudante de Geografia reconheceu que "após cinco meses de mobilização, é preciso pensar como avançar de forma tática para que o movimento prossiga. O diálogo com o governo está rompido. Querem passar as reformas das bolsas estudantis no Parlamento e nos excluíram dessa discussão".
Mais uma vez no Chile, surpreende o uso que o Palácio La Moneda faz da violência para sustentar a tese dos radicalizados que teriam "tomado conta" do movimento estudantil, em uma jogada que também aproveita a viagem dos dirigentes estudantis para a Europa. Deputados de oposição fizeram advertências sobre isso. O deputado do Partido pela Democracia, Felipe Harboe, disse que as autoridades do governo "devem fazer menos ameaças pela imprensa e atuar de modo mais concentrado, particularmente contra os delinquentes que queimam ônibus e fazem saques que não têm nada a ver com as manifestações estudantis".
Segundo Harboe, a manhã de fúria em Santiago, "empana o natural e bom sentido que tem o movimento estudantil e está servindo de justificação para aqueles que querem atingir a credibilidade do movimento".
Para esta quarta-feira, espera-se uma nova jornada de enfrentamentos, pois estão programadas marchas simultâneas em Santiago que pretendem convergir para a frente do Ministério da Educação. Na noite de terça, um novo panelaço contra o governo foi ouvido com força em Santiago.
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