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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ouro negro, cara pálida

por Denise Queiroz no Blog Tecedora

Lembro sempre de uma amiga espanhola, esposa de executivo da Repsol, que ficava revoltada com o lugar que vivíamos em Neuquén, na Patagônia Argentina, pelo fato das ruas que estavam a mais de 10 quadras do centro não terem nem calçamento. "Manga de ladrones! Com la plata de los royalties, las calles debrían tener pavimento de oro". E o espanto dela que, igual a boa parte de quem mora por lá, por causa do petróleo – e do marido - já havia vivido em vários lugares, se estendia a outras cidades e países. 

Rio visto da Rocinha (google, o Globo)

Quando veio ao Rio, óbvio, ficou deslumbrada pela beleza da cidade, das paisagens, achou lindo ver a Rocinha iluminada à noite, a cidade maravilhosa vista do alto, do avião, do Cristo, do Pão de Açúcar, das praias de Niterói. Mas não conseguia entender. "Denise, lo que hacen com tooooda la plata de los royalties para que la gente que labura viva tan mal?" Ela pensava que Búzios, as ilhas e mansões de Angra, Itaipava e seus luxuosos condomínios fossem todos propriedade de estrangeiros, do narcotráfico, banqueiros. Também! Mas, se as fontes de produção e renda do Estado do Rio mínguam a olhos vistos, quem sustenta essa opulência? 

Indiquei alguns livros para que ela conhecesse a história do Brasil. As capitanias coloniais, a repartição das terras, os ciclos econômicos, o império, a injustiça destes 500 anos. 
                   

Dia de sol no Rio 
 Mas as idiossincrasias das terras brasilis são difíceis de ler. 
               

Como explicar a um estrangeiro que alguém que vive em edifício de classe média - sem trabalhar mas com renda porque o pai ou marido era funcionário ou herdeiro, não sabe nem cozinhar um ovo e levanta às dez da manhã - se nega a entrar no mesmo elevador com outra pessoa? Sendo que esta outra é mulata por nascimento e não pela areia, sai de casa sem o sol ter nascido, desce morro, caminha quadras, sacode em ônibus, toma barca, trabalha pesado o dia inteiro e só volta horas depois do sol ter se posto e ainda tem a casa e os filhos esperando. 
                                           
Acontece e é cena corriqueira, no Rio, em todas partes. Esse sentimento de elite, de que eu sou melhor que você, porque tenho dinheiro freqüentei os melhores colégios, sou descendente dos "donos" desta terra e você? Ora, você é menos. Seus ancestrais foram importados e por muita sorte sobreviveram, tem mais é que trabalhar, ralar, passar mal, morar mal, usar transporte precário, não ter atendimento de saúde e seus filhos têm que ser iguais a você, e freqüentar aquelas escolinhas de quinta que o governo colocou lá naqueles cafundós onde você mora! Afinal para que boa escola? Se for boa, quem vai cozinhar o ovo dos meus netos que freqüentam os mesmo melhores colégios católicos que meu avô freqüentou? Mas em fevereiro você vira celebridade e pode sambar ao lado dos famosos da Globo na Sapucaí. 
                                      
E, bom, podem bater, xingar, discordar, mas a passeata convocada por governo e apoiada midiaticamente pelos igualmente representantes da elite carioca 
para defender que algumas unidades da federação tenham a maior fatia da riqueza do povo brasileiro para mim é uma palhaçada!  (veja este link, onde espero, fique claro a que me refiro com o 'elite carioca'). 
            
Depois de ter vivido alguns anos na cidade do Rio, em Macaé - cidade que inchou depois da descoberta de óleo na bacia de Campos, recebeu até outubro desde ano  R$ 
399.475.528,11 mas que, até 1998 quando saí de lá, nem saneamento tinha e nos dias mais quentes fedia a esgoto do canal a céu aberto - e aqui em Petrópolis, a "cidade imperial", tenho certeza que essa grita toda não é para desenvolver o Estado e sim manter alguns bolsos, um modus vivendi que não combina em nada com postura de esquerda, com sentimento de brasilidade, de justiça social, de mundo melhor. Sinto informar aos que compareceram à passeata com as melhores das intenções, mas o objetivo de quem a convocou não é mudar e sim manter tudo como sempre foi: pobres nos morros, ricos nas linda avenidas, jatos nos hangares privados, barcos de luxo nas marinas, mansões nas maravilhosas ilhas e orla. Com a justificativa de que estão empregando muita gente! 
                  
Afinal, o petróleo é nosso! 
Torre em São João, anos 50
Se o povo do Rio realmente soubesse a necessidade dos royalties, o governador, junto com o maior império midiático deste país, precisaria convocar a passeata? Quem saiu às ruas para defender o Petróleo BRASILEIRO nos 50? Se os "estados produtores" fossem o Piauí ou o Acre, seriam tratados com tanta atenção??? Então as milhas marítimas agora não são mais do Estado brasileiro e sim das unidades federativas? A riqueza do subsolo, que por acaso fica aqui e não acolá, é mais minha do que tua que mora em outros estados? 

Pergunta para as pessoas que saem da baixada às 4 da manhã para chegar às 7 na Central do Brasil, chacoalhando nos trens e mais mal acomodadas que sardinhas na lata, e também para os que saem de São Gonçalo e com igual comodidade, chegam à Praça XV depois de duas horas em ônibus e barca, se elas sabem o que são os royalties, viram ou conhecem algum. Também pode perguntar aos professores, policiais, bombeiros e aos que penam horas nas filas de postos e hospitais das 'cidades produtoras dos estados produtores'.



Trem lotado chega à Central do Brasil - foto Rogério Reis
Onde foram parar os milhões de milhões que já foram repassados pela Petrobrás estes anos todos? No bem estar social? Em investimentos no básico? Quem os royalties sustentam, afinal? Porque os outros estados brasileiros, que não os recebem, se desenvolveram tanto nas últimas décadas enquanto o Rio andou para trás

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