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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Marcos Coimbra: Percepções sobre Saúde

Marcos Coimbra - 
Correio Braziliense - 07/12/2011


O Programa de Saúde da Família, por exemplo, é avaliado como "muito bom" ou "bom" por 81% dos usuários, o de distribuição de medicamentos por 70%, o de consultas com especialistas por 61%

Em matéria de pesquisa de opinião, quase tudo é relativo e incerto. São tantos e tão variados os fatores que afetam as percepções e os sentimentos das pessoas que é muito difícil falar de regras gerais.

Existe, no entanto, um postulado a respeito das opiniões sobre políticas de saúde que, de tanto ser confirmado, é considerado praticamente provado. Depois de centenas de testes, mostrou-se verdadeiro no mundo inteiro, com todos os tipos de público.

Ele propõe uma relação entre avaliação e intensidade de uso da saúde pública, em direção não óbvia. É simples de enunciar, mas exige alguma explicação.

O postulado é que a avaliação dos serviços e programas de saúde pública varia na razão direta de sua utilização. Ou seja: à medida em que aumenta o uso, melhora a avaliação. Inversamente, ela piora quando decresce a utilização.

Dito de maneira simples: as opiniões sobre a política de saúde tendem a ser mais positivas entre as pessoas que a consomem mais. E piores entre aquelas que não são usuárias diretas do sistema de saúde.

Isso vale em geral e para cada nível de uso. Se uma pessoa usa moderadamente o sistema, seu julgamento tende a ser menos favorável que o daquelas que o utilizam de maneira intensa. Se o usam pouco ou raramente, tenderão a ter uma opinião melhor do que as pessoas que não precisam dele nunca.

Esse padrão não é peculiaridade nossa. Em países ricos e pobres, regiões mais e menos desenvolvidas, segmentos com mais ou menos escolaridade, ele se repete.

Hoje, no Brasil, é claramente visível. E seus efeitos tendem a ser mais relevantes, pois as preocupações com a saúde estão se tornando mais proeminentes.

Até relativamente pouco tempo atrás, na hierarquia dos problemas nacionais, saúde, segurança e emprego empatavam. E concentravam algo próximo a 80% das preocupações, deslocando as demais para níveis inferiores. A educação, por exemplo, ficava bem atrás.

Em pesquisa feita este ano pela Vox Populi, vimos como esse panorama se alterou. A saúde, sozinha, estava no patamar dos 40%, enquanto a segurança no de 20%. Como "principal problema do Brasil", o desemprego havia retrocedido para o quarto posto, e a educação ficava no terceiro, com 12% das citações.

A percepção da saúde como problema agudo é visível em todas as pesquisas. Em setembro, o Ibope perguntou sobre o desempenho do governo Dilma em diversas áreas, depois de solicitar que fosse avaliado de forma global.

Enquanto o governo, no conjunto, era aprovado por 71% dos entrevistados e desaprovado por 21%, sua atuação na saúde tinha números quase inversos: 30% de aprovação contra 67% de desaprovação. E note-se que isso não é característico desta administração: com Lula e Fernando Henrique, as coisas não eram muito diferentes.

Quando, no entanto, se pede a quem usou o sistema que o avalie, o retrato que emerge é outro. Foi o que fez o Ipea, em trabalho divulgado no primeiro semestre.

Entre as pessoas que utilizaram (ou que acompanharam algum familiar que utilizou) os principais programas de saúde, o que predomina é uma opinião positiva. Em diversos casos, muito positiva.

O Programa de Saúde da Família, por exemplo, é avaliado como "muito bom" ou "bom" por 81% dos usuários, o de distribuição de medicamentos por 70%, o de consultas com especialistas por 61%. Mesmo as áreas mais críticas, o atendimento de urgência e emergência, e o que é oferecido por centros e postos de saúde, só foram consideradas "ruins" ou "muito ruins" por 31% dos entrevistados.

Existe, como se pode ver, uma grande discrepância entre a percepção genérica da política de saúde e a avaliação mais objetiva de quem se utiliza dela.

É claro que é grave quando perto de um terço dos usuários se queixa do atendimento que recebe nos postos de saúde e nos prontos-socorros. Mas é diferente da situação que teríamos se a proporção fosse maior.

Assim como é diferente quando muitos aspectos da política funcionam bem, na opinião de quem pode avaliá-los. Entre nossos problemas na saúde pública, um dos mais complicados é que quem não a experimenta se avoca o privilégio de julgá-la.

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