"A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar."
Dora Martins na Radioagência Notícias do Planalto
(3'25'' / 805 Kb) - Chico Buarque fez a canção Brejo da Cruz, em 1984, há mais de vinte e cinco anos, e, já então, anunciava a dita novidade: “a criançada a se alimentar de luz, meninos alucinados ficando azuis, e desencarnando lá no brejo da cruz....” O Brasil está cheio de brejos da cruz, não mais só com meninos, se alimentando do cheiro da cola e de luz, mas agora com mulheres grávidas, jovens, homens e mulheres, também alucinados, sem esperança, em busca, incessante e continua, de mais uma pedra de crack.
A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar, que no comando da orquestra tresloucada, usa não a batuta, mas o cassetetes, para todo lado. Tudo num cenário caótico, de falas desencontradas e políticos a querer tirar algum ganho com todo o caos. Os usuários de crack, bem se sabe, compõem a parcela mais excluída dos excluídos desta sociedade brasileira que se quer moderna, em franco desenvolvimento, como cantam os homens da economia, e tão consumista.
Tirar o usuário do mundo do crack é coisa difícil, complexa e que exige mais, muito mais do que tratamento, com ou sem internação (esta, nunca compulsória). É preciso possibilitar que o usuário, não mais usando a droga, encontre seu lugar na sociedade. É preciso dar ao cidadão sua cidadania, oferta de trabalho e marcos de dignidade; dar à criança a educação que merece, e ao jovem o caminho possível de seus sonhos.
De nada adianta limpar as ruas sujas do centro, dispersar a turba, ou tirar o “nóia” do crack e lhe dar uma sociedade que se embriaga em álcool e no cigarro, e um subemprego de mínimos, açoitando-o com o desejo enganoso de que felicidade é comprar um carro ou tv de plasma, em longas prestações... antes de terminarem essas parcelas de um sonho tão volátil, o menino, ou homem ou mulher, o jovem, sem projetos e sonhos, estará de volta ao crack.
Sem volteios, a sociedade brasileira precisa reconhecer seus males e não apenas querer esconder esses "milhões de seres que não mais se disfarçam tão bem" e, que antes de desencarnarem, ficando azuis, nos apontam que, já existiam eles, sim, muito antes, e que eram crianças, e que "comiam luz” neste triste e brasileiro brejo da cruz.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.
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