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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cenas aéreas em um país de "não racistas"

O avião, digo, “aeronave” (que é o nome como eles apelidaram o avião), chegando em Congonhas. Aeromoça digo, “comissária de bordo” (que é o nome como eles apelidaram a aeromoça), recita os avisos de praxe:
“Por favor, mantenham-se sentados com os cintos afivelados até a parada total dos reatores”.
Em um movimento altamente sincronizado, 90% dos passageiros desafivelam os cintos, levantam-se e atiram-se frenéticamente para os corredores buscando as suas bagagens.
Em não mais do que 20 segundos uma multidão posta-se em fila. Executivos com suas mochilas de laptop, mamães com os filhos no colo, casal de idosos com sua dúzia de sacolas.
Mantenho-me obedientemente sentado, olhando pela janela, observando o avião digo, “aeronave” (que é o nome como eles apelidaram o avião) ainda no procedimento de aproximação do “finger” (que é o nome como eles apelidaram aquele túnel que se encaixa na porta do avião, digo, aeronave etc. etc.). 
Isto aqui ainda vai longe...
Enquanto isso, no mesmíssimo instante que uma dezena de campainhas de celulares sendo ligados ecoa pelo corredor, a aeromoça, digo, “comissária de bordo” (que é o nome como eles apelidaram a aeromoça), continua com as instruções:
“Reforçamos o aviso de não fumar e não utilizar seus telefones celulares até a sua chegada ao saguão do aeroporto”.
A morena rechonchuda sentada na fila logo atrás de mim não escuta o aviso da aeromoça, digo, “comissária de bordo” (que é o nome como eles apelidaram a aeromoça), porque está resolvendo assuntos vitais... pelo celular:
“Alô, Jô? Sou EU, acabei de chegar em São Paulo. A mãe está aí?”
“...” (não deu prá escutar a Jô respondendo)
“Não? Ela já desceu para a praia?”
“...”
“Okay então... Jô, me diz uma coisa, você já arrumou a minha cama hoje?”
“...”
“Hummm, então, quando arrumar, pode deixar sem o sobre-lençol, porque eu não sei se vou descer para a praia também...”
“...”
“Ah! Outra coisa... Jô!!! (o ‘Outra coisa... Jô’ com a voz mais indignada do mundo) as camisas não tem ficado bem passadas! O que está acontecendo, hein Jô?” (o ‘hein Jô’ com a voz mais açucarada do mundo).
“...”
“Pois é... você quer que eu compre um daqueles ‘spray’ que facilita prá passar?” (com a voz mais solícita do mundo).
A aeromoça digo, “comissária de bordo” (que é o nome como eles apelidaram a aeromoça) avisa que - finalmente - as portas estão abertas e o desembarque será apenas pela porta da frente.
Desembarco para pegar a minha conexão rumo a Curitiba. É sábado a tarde, não vejo a hora de chegar em casa...
Princesa Isabel e Joaquim Nabuco devem estar de bruços em suas tumbas.

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