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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Debate sobre Organizações Sociais em São Paulo ignora problemas da privatização da saúde


O debate sobre a gestão da saúde em São Paulo ganhou destaque na última semana da campanha do 2º turno para prefeito da cidade, sobretudo em relação à atuação das Organizações Sociais de Saúde (OSs) e às “parcerias” da Prefeitura com estas entidades privadas. O candidato do PSDB, José Serra, tem defendido a manutenção do atual modelo de privatização da saúde pública, contra uma suposta intenção do candidato do PT, Fernando Haddad, de acabar com estas parcerias.
Serra tem questionado Haddad por conta da posição histórica do PT, que em diversas ocasiões se posicionou contra as OSs. O tucano também citando o programa de governo do petista, que fala em retomar a “direção pública” da gestão do sistema municipal de saúde. Para Serra, o PT pretende destruir as parcerias, o que, segundo ele, implicaria na demissão de cerca de 30 mil funcionários contratados sem concurso público e na suposta queda da qualidade do atendimento.
Algumas entidades privadas como o Hospital Sírio-Libanês, o Hospital Albert Einstein e o Hospital Santa Marcelina são responsáveis hoje pela gestão de hospitais e aparelhos públicos de saúde na cidade. Ao todo há mais de 30 OSs operando na cidade. “Um dos maiores problemas é que não há fiscalização adequada do atendimento e da utilização dos recursos que são repassados pela Prefeitura, como já constatou o Tribunal de Contas do Município”, lembra o deputado federal Ivan Valente.
Segundo pesquisa Datafolha de julho deste ano, a saúde é a área mais problemática de São Paulo para 29% dos entrevistados. Oito anos antes, quando as OSs ainda não cuidavam da maior parte dos equipamentos de saúde na cidade e a petista Marta Suplicy tentava a reeleição, o índice era de 16%.
Levantamento da Folha de S. Paulo informa que, com um orçamento de R$ 1,1 bilhão em 2011, as OSs detêm quase metade do orçamento da Secretaria Municipal da Saúde. Administram 60% das unidades de saúde na capital (238 de um total de 396, entre hospitais e AMAs – Unidades de Assistência Médica Ambulatorial) e fazem 75% dos atendimentos. Mais da metade dos 79.017 funcionários da saúde municipal foi contratada por elas.
O programa de governo de Haddad afirma que vai “retomar, sem prejuízo dos condicionantes contratuais legais e após providências administrativas necessárias, a direção pública da gestão regional e microrregional do sistema municipal de saúde.” Significa que, a despeito da insistência de Serra no tema, Haddad não pretende acabar com as atuais parcerias. Na melhor das hipóteses, pode-se aferir que não se firmarão novos convênios. E o petista reafirmou em entrevistas e em seu programa eleitoral na TV e no rádio que não pretende acabar com a privatização já existente na saúde municipal.

Mundo real

Em entrevista à Carta Maior, Paulo Spina, do Fórum Popular de Saúde de São Paulo e militante do PSOL, avalia que as OSs, além de precarizarem as condições de trabalho daqueles que deveriam ser servidores públicos, fragmentaram todo o sistema de saúde na cidade, pois há organizações ligadas a interesses diversos e nem sempre o interesse do paciente é colocado como prioridade. Além disso, o interesse econômico entra no jogo. Apesar de as OSs serem, por definição, entidades sem fins lucrativos, uma das maiores de São Paulo é a SPDM [Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina], que está entre as cem maiores empresas do Brasil. “Na prática, o governo drena recursos do SUS [Sistema Único de Saúde] para essas OSs, que funcionam dirigidas por empresas”, critica Ivan Valente.
Há inúmeros casos, em diferentes estados do país, de mau uso das verbas do SUS praticado pelas OS, entidades às quais o poder público tem, cada vez mais, transferido a tarefa de prestação do serviço de atendimento à saúde da população. O governador Geraldo Alckmin, por exemplo, pretendia transferir para uma OS o Centro de Atenção Integral em Saúde Mental “Dr. David Capistrano da Costa Filho”, que funciona no bairro da Água Funda, na capital paulista. O centro é modelo em saúde mental, com serviços como Centro de Assistência e Promoção Social (CAPS), residência terapêutica, internação de psicóticos agudos e oferta de leitos para tratamento de  dependência química.
Como lembra Paulo Spina, o Centro de Atenção Integral em Saúde Mental é único do estado que atende distúrbios mentais e dependência, com profissionais qualificados e com atendimento inteiramente humanizado. A unidade foi considerada em 2005 uma das melhores do país, segundo avaliação do Ministério da Saúde.  “Mesmo assim, a PSDB queria transferi-la para o setor privado, o que desmonta o argumento tucano de que a melhoria do serviço é o objetivo da privatização da saúde”, destaca Ivan Valente.
SUS sucateado
A dependência do SUS em relação aos prestadores privados reflete a disputa entre a saúde como direito e os interesses privados. Segundo o Fórum Popular de Saúde de São Paulo, o sistema em São Paulo hoje está condicionado aos interesses dos prestadores, e os gestores do SUS não controlam como se organiza o atendimento à demanda no interior das OSs.
A ausência da gestão pública da saúde na cidade tem permitido, por exemplo, que pacientes que pagam do bolso ou que têm plano de saúde passem à frente de pacientes do SUS, seja para a realização de exames e consultas especializados, seja para internação.
A Lei Federal 8080, de 1990 (Lei Orgânica do SUS) afirma que a iniciativa privada participa do sistema público em caráter complementar. Ou seja, primeiro deve-se fortalecer o que é estatal e apenas contratar aquilo que o serviço estatal não pode prover.
“É urgente romper com esta trajetória de mercantilização da saúde e privatização dos serviços públicos de saúde e retomar a defesa do SUS 100% público”, afirma Toninho Vespoli, recém-eleito vereador do PSOL em São Paulo.
“Mais uma vez, o debate eleitoral mostra uma falsa polarização entre PT e PSDB, porque os dois partidos não são contra este modelo de gestão, por mais que Serra defenda sua ampliação. Afirmar que vai exigir maior transparência das OSs, como faz Haddad, não basta. A saúde de São Paulo está na UTI e para enfrentar de forma sistemática este problema é preciso que o poder público assuma toda a sua responsabilidade. É neste sentido que lutaremos contra a privatização da saúde na Câmara Municipal de São Paulo a partir de janeiro”, concluiu Toninho Vespoli.

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