Pedro Tourinho (*)
Artigo publicado originalmente no Jornal Correio Popular
(via Dione Garcia, da SMS Curitiba)
Nos últimos dias vem sendo anunciada com alarde, como uma grande novidade, a internação compulsória de usuários de crack, que será adotada pelo governo do Estado de São Paulo na Capital paulista. O debate a respeito da internação compulsória é antigo e recentemente vem ganhando força junto a outros elementos de uma agenda social conservadora e excludente.
Vários estudos mostram que a internação compulsória, enquanto instrumento para a abordagem dos problemas decorrentes do abuso de substâncias, é altamente ineficaz, além de desrespeitar diversos direitos de cidadãos que, na maioria da vezes, já são vitimas de longa data do desrespeito a direitos sociais básicos, como moradia, emprego, educação e saúde. Segundo o professor Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, 98% dos pacientes que são internados compulsoriamente sofrem recaídas pouco tempo depois do fim da internação.
Trata-se, portanto, muito mais de uma medida policialesca e simplista, que busca principalmente dar a impressão de que o problema do crack foi resolvido, supostamente eliminando as cracolândias. Tem por objetivo “limpar” as ruas, sem preocupação de fato com o usuário, suas reais necessidades e as verdadeiras causas do uso abusivo de substâncias. É a volta da política manicomial como política pública, o que vêm sendo combatido ha décadas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. Quem conhece o histórico e as condições das internações psiquiátricas no Brasil sabe que se trata de um retrocesso, com a marca da truculência, do autoritarismo e da exclusão. Recomendo ao leitor assistir o filme “Bicho de Sete Cabeças”, protagonizado por Rodrigo Santoro, que retrata fielmente o mundo dos manicômios e das internações compulsórias no país.
Nossa luta é por uma política de saúde que respeite o sujeito, seus direitos e sua saúde. A decisão pela internação ou não de um usuário é uma decisão que deve ser feita por equipes de saúde, com profissionais bem treinados para tal e nunca com base em uma decisão judicial. O uso abusivo de crack é uma problemática multicausal, extremamente complexa. O estado só conseguirá abrir um diálogo com os usuários, dar respostas efetivas para a sociedade a partir da adoção de políticas intersetoriais de fato, capazes de respeitar as pessoas e oferecer a elas condições de vida e de tratamento.
Já existem hoje vários dispositivos para um tratamento mais humano e eficaz do problema do uso abusivo de substâncias. Infelizmente, o anúncio de medidas com esse caráter higienista muitas vezes passa a falsa impressão de um governo “de pulso firme” e pode inclusive ganhar votos, além de atender a grupos de interesse que certamente lucram com as internações compulsórias.
Se houvesse preocupação real com uma abordagem mais justa e solidária, ao invés de apresentar a internação compulsória como a boa nova, o governo do estado e a Secretaria Estadual de Saúde deveriam anunciar pesados investimentos na implementação e ampliação por todo a rede de Centros de Atenção Psicossocial especializadas em álcool e outras drogas, de Centros de Convivência, de leitos de internação psiquiátricas em hospitais gerais, consultórios de rua e casas de passagem. Deveria também apoiar os municípios no custeio das equipes multiprofissionais para todos estes equipamentos e, claro, deveria investir adequadamente em políticas de geração de renda, inclusão através da economia solidária e outras formas de reabilitação social.
(*)Pedro Tourinho é médico sanitarista e vereador de Campinas pelo PT.
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