Médicos cobram do governo reestruturação da carreira no serviço público
Representantes defendem que déficit de profissionais na rede não se deve à ausência de médicos, mas sim aos baixos salários e falta e condições de trabalho, sobretudo nas pequenas localidades
na Rede Brasil Atual
São Paulo – Para melhorar o atendimento médico nos hospitais públicos brasileiros, e distribuir os profissionais pela imensa geografia do país, o governo precisa seguir uma receita simples: estabelecer um plano de carreira para a categoria, pagar salários adequados e brindá-los condições de trabalho. Eis a prescrição de Geraldo Ferreira Filho, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam). Ao oferecer um ambiente atrativo no setor público, conclui, a realização de concursos seria a porta de entrada para os profissionais – que viriam, garante.
"Falta médico no serviço público, mas não falta médico no Brasil", explica Ferreira Filho. "O Estado não consegue atrair profissionais para suas redes porque o salário está defasado." O presidente da Fenam afirma que, no país, há uma relação de 1,9 médicos por mil habitantes. O número é menor do que o observado em alguns países desenvolvidos, como o Japão, com cerca de 3,5 médicos por mil habitantes, e mesmo em Cuba, com 6. No entanto, está acima do mínimo de um médico por mil habitantes recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). "O problema é que os médicos vão exercitar suas funções onde for mais atrativo", diagnostica. "O que faz o profissional afastar-se das zonas mais periféricas e distantes nem é tanto o salário, mas principalmente a falta de condições de trabalho."
Mas, obviamente, a remuneração pesa. E Ferreira Filho classifica como "absurdo" o pagamento que médicos em começo de carreira recebem na rede pública de estados como Rio de Janeiro, por exemplo. "Tem profissional que ganha R$ 1,2 mil por 20 horas semanais", ilustra. "É uma situação completamente esdrúxula." Na avaliação do presidente da Fenam, os baixos salários têm feito inclusive que muitos médicos aprovados e convocados pelos poucos concursos públicos realizados pelo governo federal desistam da vaga. "Aí o governo lança mão de terceirizações", explica. "Como não consegue atrair profissionais, colocam empresas para gerir as unidades públicas, e essas empresas pagam valores superiores, entre R$ 5 mil e R$ 6 mil."
Daí começa outro problema, na visão do presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Rio de Janeiro, Jorge Darze. "Há uma política que desprestigia a administração e gestão pública e privilegia a mão de obra terceirizada, que sequer passa por concurso público", contextualiza. "A gestão privada das unidades públicas já mostrou problemas sérios de desvio de dinheiro e improbidade administrativa. Essa não é a solução para o caos em que se encontra a saúde no país."
Darze cita um estudo da categoria que detectou um déficit de 1,5 mil médicos nos hospitais federais do Rio de Janeiro, que prestam serviços de alta complexidade à população, como transplantes e tratamentos de câncer. Se somadas às necessidades da rede municipal e estadual, diz o presidente do sindicato, o desnível chega a quase 6 mil profissionais. "Aqui, os últimos concursos públicos ocorreram em 1986 e 1988, mas nem todos os médicos aprovados foram chamados", anota. "O que o governo federal vem fazendo é a chamada contratação temporária, que acabou ficando definitiva, pois há gente trabalhando há mais tempo do que o limite de dois anos estabelecido pela lei."
Procurado pela RBA, o Ministério da Saúde não destacou nenhum funcionário para atender aos questionamentos da reportagem, mas, em nota, afirmou que o déficit oficial de médicos na rede federal fluminense é de 683 profissionais – pouco mais de um terço do que aponta o sindicato. O governo também disse que, desde 2011, "1,2 mil médicos foram nomeados e assumiram postos nos hospitais federais do Rio de Janeiro e também nos institutos nacionais após a realização de dois concursos públicos." Atualmente, continua, pouco mais de 3,5 mil profissionais atuam na rede federal instalada no estado.
O Ministério da Saúde aproveitou ainda para divulgar alguns programas que visam aumentar a presença de médicos em pequenas localidades e nas unidades de atenção básica. De acordo com Geraldo Ferreira Filho, presidente da Fenam, cerca de 70% da demanda por atendimento de saúde no Brasil está na atenção básica. "É o antigo clínico geral", resgata. "Há uma necessidade grande de profissionais nesta área e hoje possivelmente é o maior mercado que existe."
Ferreira Filho cita que algumas equipes do Programa Saúde da Família operam sem médico responsável em cidades como Natal, no Rio Grande do Norte, precisamente devido à falta dos clínicos. No entanto, na falta de um plano de carreira para os médicos da rede pública, o presidente da Fenam observa que os médicos recém-formados têm buscado cada vez mais as especilidades. "Assim pode exercer uma medicina mais de ponta, que permite ganhos maiores."
Para o representante da categoria não falta médico no Brasil, mas uma carreira para os médicos. Ainda mais porque, aponta, o país é um dos que mais possui faculdades de medicina em todo o mundo. "São 197, ficando atrás apenas para a Índia", compara Ferreira Filho. "Por isso, em pouco tempo, vamos superar e muito a meta do governo, que deseja alcançar a cifra de 2,5 profissionais por mil habitantes, e teremos em alguns centros urbanos uma concentração de até 10 médicos por mil habitantes. Apenas injetar mais médicos no mercado não vai melhorar a situação."
Comentário: Definitivamente NÃO SÃO OS SALÁRIOS isoladamente os responsáveis. Aqui no Paraná tem prefeituras pagando R$ 12.000,00/mês para médicos da ESF e, mesmo assim tem dificuldades em contratar. Recém-formados optam por sub-trabalhos em cliniquetas e planinhos de saúde nas grandes cidades, com vínculo trabalhista precário, deslocamento estressante no trânsito, cumprindo carga horária excessiva. Tem que considerar a glamourização do " médico especialista", e o fascínio da cidade grande.
Estimado Mario, lendo a matéria logo me veio à mente os programas de interiorização, todos bem intencionados e que não chegam à raiz do problema. Mas, contudo, porém, todavi.. vc, no seu comentário, mata a charada ao dizer que "o buraco é bem mais acima". Tudo começa no modelo formador, no glamour e nas relações de poder que o médico estabelece ao atuar em grandes centros, especialemente nas subespecialidades. O cara prefere ter uma relação precária de trabalho, ter menor renda no grande centro a ter paz e atender uma dezena e meia de problemas mais prevalentes de forma rotineira.
ResponderExcluirVoltamos, novamente, ao gênesis... A medicina é uma profissão como qualquer outra? Você cursa, faz uma residência do seu interesse ou da moda e escolhe onde "o retorno $$$ é maior". É uma lógica apropriada para designin, moda, gastronomia, até para medicina cosmética... mas, o produto doença/saúde é assunto de Estado e seus trabalhadores, que devem ser remunerados, à altura da importância da sua prática para a sociedade, tal qual um juiz, promotor público, auditor fiscal, etc. Medicina em país civilizado é profissão não só regulada, mas é profissão contratada pelo Estado.
Abraços, Antonio C. Nascimento (SMS Ctba)
ps> em tempo, parabéns ao Secretário Adriano Massuda e sua equipe. Não sei a quantas andará a negociação com os excluídos das 30h, mas a postura aberta, democrática e honesta já os diferencia por demais.
Prezado Mário,
ResponderExcluirGostaria de acrescentar mais um componente, que considero fundamental neste imbróglio: CREDIBILIDADE. Sou médico formado há 9 anos. Fiz RM em um Hospital Universitário e tenho título de Mestre em uma universidade Federal. Trabalho em um grande centro. Felizmente estou muito bem colocado na iniciativa privada, onde atuo em meio período (20h). Trabalho as outras 20 horas em regime de contrato em uma Universidade Federal, como "extraquadro". Sabe qual o meu salário? Rs1038,00 - sem direito a ferias, ou qualquer outro direito trabalhista, depositado de forma irregular na minha conta bancaria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Todas as autoridades sabem disso. A Dilma sabe. O ministro da saúde é conivente. Já fiz queixas na ouvidoria do SUS há cerca de três meses e não obtive resposta. O fato fundamental é que os médicos tem medo de investir em uma situação trabalhista no interior, pois lá é o trabalho com o estado, ou nada mais. Aqui no Rio de Janeiro, se há qualificação, não faltam oportunidades. As carreiras nos municípios é a menos atrativa, pois a gestão é Amadora na maior parte do pais e muda a cada novo prefeito. Tenho 36 anos e já cheguei a conclusão de que não vou viver para ver a situação absurda dos serviços públicos de saude melhorar. O que estou fazendo? Investindo na minha clientela privada, lecionando em uma universidade privada. Em breve poderei dar uma banana para as três esferas do governo, que no nosso pais não tem a mínima CREDIBILIDADE.
Grande Flávio! Acredito que teu comentário exemplifica bem aquilo que eu mesmo comentei acima. Não é apenas uma questão salarial (mas TAMBÉM é).
ResponderExcluirAqui em Curitiba, médicos que optem por trabalhar na "ponta" e estejam enquadrados na ESF, recebem em torno de R$ 14.000,00. Muitos municípios no interior do Paraná pagam valores equivalentes. O problema é que em muitos deles, os vínculos trabalhistas são precaríssimos.
Na Lapa, município aqui pertinhp, tem gente trabalhando mediante pagamento por recibo de autônomo (RPA). Daí não tem como o profissional pensar em dedicar-se, ou fazer carreira. Qualidade de vida 1000, mas Insegurança também 1000....
Por isto a proposta da FENAM tem sentido. Precisamos definir parâmetros comuns para a contratação de profissionais de saúde, mais ou menos o que se tem convencionado chamar de "carreira SUS". Estabelecendo pisos salariais, garantias trabalhistas e oportunidade de capacitação EM COMUM, COM COMPLEMENTAÇÃO dos salários pelos governos federal e estadual (pequenos municípios precisam de ajuda).
A discussão é boa.
Grande abx