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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A marca do SUS

Por Magnus Lindelow(*) (recebi via email)

Com a aproximação de 2015, o mundo começa a pensar nas agendas pós-metas do milênio. Na área de saúde, há hoje um movimento amplo e crescente nos países em desenvolvimento, que tem buscado as reformas necessárias para se atingir cobertura universal de saúde para seus cidadãos. O Banco Mundial está completamente alinhado com este movimento, e anunciou recentemente, junto com a Organização Mundial de Saúde, novas metas relacionadas à prevenção e tratamento das doenças crônicas.

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) há mais de 20 anos, o Brasil foi um dos primeiros e poucos países de fora da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a prever em sua legislação o acesso universal aos serviços de saúde, reconhecendo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Com base nesta experiência e mesmo com todas as dificuldades inerentes a um país em desenvolvimento, o Brasil é hoje referência internacional na área de saúde pública e exemplo para outros países que buscam sistemas de saúde com maior equidade.

Passados mais de 20 anos desde sua criação, qual é a marca do SUS? O livro "20 anos de construção do SUS no Brasil" recentemente lançado pelo Banco Mundial busca analisar esta trajetória. O texto conclui que a construção do Sistema Único de Saúde do Brasil lançou os alicerces de um sistema de saúde melhor para o país, contribuindo para o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida da população. Entre os progressos trazidos pelo SUS destacam-se a reestruturação profunda dos mecanismos de integração do sistema, o processo constante de descentralização e compartilhamento das responsabilidades entre União, Estados e municípios, assim como o aumento gradual dos gastos públicos para o financiamento do setor.

Estudo do Banco Mundial identifica que a capacidade gerencial do sistema ainda é um obstáculo importante

É importante ressaltar que a ampliação dos gastos em saúde foi acompanhada por uma melhor alocação de recursos federais e estaduais, privilegiando as áreas e populações mais pobres do país. Estes esforços contribuíram para uma forte ampliação do acesso da população aos serviços básicos de saúde com importante impacto na redução da mortalidade e das internações por causas sensíveis à atenção primária. As instalações ambulatoriais aumentaram de 2,2 por 10.000 habitantes em 1990 para 3,6 em 2009, e o número de consultas médicas por pessoa aumentou em 70% durante o mesmo período, refletindo em grande medida a introdução e expansão do Programa Saúde da Família (PSF), que hoje cobre por volta de 100 milhões de brasileiros. Estudos apontam que o PSF contribuiu significativamente para a redução da mortalidade infantil e a melhora de outros indicadores de saúde, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Portanto, mesmo com as limitações e desafios que ainda enfrenta, as marcas do SUS são o avanço no acesso à saúde no país e a visão ao fundo desse avanço, ainda que apenas parcialmente realizada.

Por sua própria natureza, sistemas de saúde estão em constante avaliação e aperfeiçoamento. Nenhum país do mundo conseguiu construir até agora um sistema de saúde perfeito. Prioridades e estratégias podem ser diversas entre países. Porém, em qualquer caso, é muito importante o esforço de se avaliar com transparência o desempenho de um sistema com vistas a mapear seus principais avanços e limitações, e assim contribuir para sua evolução.

Entre os desafios do SUS, o estudo do Banco Mundial identifica que o aporte de recursos à saúde precisa ser equacionado e que a capacidade gerencial do sistema ainda é um obstáculo importante. Além disso, há questões reconhecidas sobre as quais é preciso evoluir, como a melhora da qualidade e da coordenação do cuidado, a continuidade da expansão na cobertura da atenção primária, a superação de barreiras ainda presentes no acesso a cuidados especializados e de alta complexidade e a permanência de uma elevada dependência dos gastos privados no financiamento dos cuidados de saúde no país. Esses desafios tendem a aumentar no futuro, sobretudo por conta do envelhecimento da população brasileira e pelo aumento significativo do peso do câncer e das doenças cardiovasculares no perfil de mortalidade do País.

O processo de transformação de um sistema de saúde com as dimensões e complexidade do SUS é necessariamente um percurso longo e demorado. O Banco Mundial, ciente do seu papel, acompanha de perto esta trajetória e tem apoiado projetos de desenvolvimento em quase todos os Estados brasileiros. Na área da Saúde tem atuado junto com os gestores tanto no fortalecimento de sua capacidade administrativa quanto no enfrentamento aos principais problemas epidemiológicos, indo das doenças negligenciadas às doenças crônicas como câncer, hipertensão e diabetes.

Como princípio institucional, prezou sempre pela construção desses projetos por meio de parceria, diálogo e proximidade com os gestores, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Nesse percurso, o Banco Mundial passou a conhecer as virtudes do SUS, sem deixar, porém, de buscar um olhar sincero para seus desafios.

Se é verdade que é relevante considerar os desafios do SUS hoje, não menos importante é considerá-lo em perspectiva histórica. Neste aspecto, os avanços e o compromisso político e social presentes no SUS desde sua criação, e o que o sistema representa em termos de cidadania para milhões de brasileiros, significam uma enorme conquista da sociedade, especialmente para os mais pobres e mais vulneráveis. O caminho para uma saúde mais inclusiva e acessível não é simples, mas o SUS e o Brasil já deram enormes passos nessa direção.


(*)Magnus Lindelow é coordenador de operações do Departamento de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no Brasil

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