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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Primeiro ficha-suja chegou ao país junto com as caravelas

Funcionário público condenado em Portugal foi enviado à colônia como parte de sua punição. História dele e de outros personagens é resgatada em livro

da Agência Estado, reproduzido na Gazeta do Povo

Em 1549, desembarcou no Brasil o primeiro funcionário público ficha-suja de nossa história. Pero Borges foi nomeado ouvidor-geral, cargo equivalente ao de ministro da Justiça, apesar da mácula em seu currículo: seis anos antes, havia sido condenado em Portugal por desvio de verba para construir um aqueduto – o roubo inviabilizou a obra.
Borges “recebia indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas a casa, provenientes das obras do aqueduto, sem que fossem presentes nem o depositário nem o escrivão”, diz trecho de Elementos para um Dicionário de Geografia e História Portuguesa, de 1888, reproduzido no livro História do Brasil para Ocupados, recém-lançado pela editora Casa da Palavra.
Organizada pelo professor da Universidade Federal Fluminense Luciano Figueiredo, a publicação reúne textos de 66 historiadores e/ou pesquisadores brasileiros que recontam passagens importantes dos últimos cinco séculos de forma bem diferente da usada nas escolas.
Além de apresentar personagens pouco conhecidos, como Pero Borges, os autores abordam figuras como os imperadores, Tiradentes, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek sob ângulos originais. São seis temas centrais: pátria, fé, poder, povo, guerra e construtores, apresentados por especialistas das áreas.
Trajetória
O caso de Pero Borges é apresentado pelo jornalista Eduardo Bueno. O funcionário público chegou a ser julgado em Portugal e afastado do serviço por ter embolsado metade do custo do aqueduto – ou um ano de seu salário. Veio para o Brasil como parte de sua punição, mas ganhou poder (o ouvidor-geral podia até condenar índios e escravos à morte), gordo salário e pensão para a mulher se manter em Lisboa.
Ao chegar, mostrou-se chocado com a “pública ladroíce e grande malícia”. Pura hipocrisia: continuou beneficiando-se do erário em solo brasileiro. Práticas como adiantar os salários dos empregados mais graduados e suspender, sem explicação, os dos menos qualificados eram comuns.
Diferenças
Segundo Figueiredo, a corrupção como entendemos hoje tinha outra significação na época. Como os servidores não eram bem pagos, a eles era facultado apropriar-se de parte do dinheiro da Coroa. “Fazia parte se beneficiar do cargo, não era ilegal. Os ouvidores ganhavam a cada sentença que faziam, o fiscal da alfândega tinha participação em cada navio que atracasse.”
O nepotismo e o tráfico de influência também têm origens nessa época. As nomeações estavam “quase que exclusivamente” ligadas ao fato de “ter ou não o progenitor (do pretendente) servido à Coroa” e eram vinculadas a casamentos e ligações familiares. “As pessoas compravam os cargos ou recebiam do rei como forma de premiação por algum serviço, então acabava-se criando a ideia de que se podia usá-los a seu dispor”, diz Figueiredo.

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