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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

VIRADA DE ANO NO VIDIGAL EXPLICITA CONTRADIÇÕES


Foto: Catarine Brum:
Festa de Réveillon na favela do Rio de Janeiro revela as contradições de uma comunidade com UPP e em processo de gentrificação - ou seja, quando a população mais pobre não consegue arcar com os custos e é obrigada a se mudar para outro lugar - dentro da zona mais valorizada da cidade; entre o Leblon e São Conrado, e com uma vista espetacular, a favela é, há décadas, procurada por estrangeiros e artistas
Gentrificação, o anglicismo do momento e que ainda não consta no Houaiss, já é um termo conhecido por todos na favela do Vidigal. Quando por valorização imobiliária a população mais pobre não consegue arcar com os custos e é obrigada a se mudar para outro lugar, geralmente distante e com malha urbana deficitária, está dada a gentrificação.
O Vidigal é uma favela espacial. Entre o Leblon e São Conrado, e com uma vista espetacular, há décadas é procurada por estrangeiros e artistas. Sempre foi alvo de intensa especulação imobiliária. Houve várias tentativas de remoção, todas barradas pela mobilização popular. Mas nenhuma delas foi tão forte como a remoção branca (ou gentrificação, se preferir), que acontece neste momento pós UPP.
Para Antônio Mendes de Oliveira, 66 anos, 45 destes no Vidigal e que vive de consertar relógios, esse é um processo normal. Ele diz que a UPP trouxe mais alegria ao morro ao acabar com as guerras, e que com essa tranquilidade seria normal que viessem os “gringos”, com mais dinheiro, morar na favela. Seu Antônio acha triste que alguns de seus vizinhos de tantos anos tenham que ter se mudado para o Rio das Pedras, favela da Zona Oeste dominada por milícia: “É difícil perder a praia, essa vista, os amigos, sua história.”, diz.
Ele acredita que, nos últimos cinco anosa vida dos moradores do Vidigal melhorou muito com o aumento das possibilidades de emprego e do poder aquisitivo da comunidade.  Antônio crê que os estrangeiros que compram ou alugam casas no Vidigal “fortalecem” a favela economicamente. Enquanto ele dizia isso, seu genro, até então em silêncio e ocupado com a churrasqueira vociferou: “Fortalecem o quê? Pra quem? Pra mim eles não fortalecem nada!”.  Os 45 anos de Vidigal de seu Antônio o fazem relativizar o papel da UPP na comunidade: “Não veio nada pra cá, só a polícia, o resto continua tudo a mesma coisa”.
Andreas Wielend, austríaco de 36 anos, comprou um barraco há cinco anos, no “Arvrão” – a vista mais bonita da favela e capa de revistas como Wallpaper – ainda na época do tráfico e por apenas R$ 20 mil . Muita política e reformas fizeram dele o dono do hostel mais badalado da favela. Neste réveillon, a ceia comprada na hora saía por R$ 350,00.
Andreas teve sérios problemas com a entrada da polícia na favela. O comando da UPP não entendia como seu negócio funcionava sem ligação com o tráfico: foram meses e meses de ostensivas batidas policiais, e até uma tentativa, frustrada, de reintegração de posse pelo antigo dono – Rolf Glaser, alemão com problemas judiciais em diversos países, e que lhe vendeu o terreno. Essa experiência faz Andreas afirmar: “A UPP é só uma maquiagem, não presta para o povo. Se o governo não te dá o título de posse de uma propriedade comprada legalmente, você não tem a possibilidade de futuro”, afirma. Segundo reportagem recente d’O Globo, apenas 23% dos imóveis em favelas cariocas estão em processo de regulamentação de posse, de um total 103 mil propriedades contabilizadas pelo IBGE.
Para Andreas, a gentrificação é natural ao capitalismo. Ele acredita que cidades como Viena e Berlin já passaram por isso, mas para ele no Rio de Janeiro falta a atuação do Estado para lidar melhor com essa situação.
Do lado de fora de seu hostel, no praça do Arvrão – com vista para toda orla de Ipanema e lagoa Rodrigo de Feitas –, há agora uma novidade: um quiosque, de propriedade de prefeitura e abandonado há décadas, agora está aberto, limpo, reluzente. À sua frente várias mesas de bar estavam ocupadas por moradores e estrangeiros embasbacados com o visual.
André Gosi, 51, diretor social e cultural da associação de moradores do Vidigal contou ao Favela 247 que este réveillon foi a noite de reestreia desse espaço, agora sob o controle da associação. Segundo ele, toda a renda gerada pelo quiosque será utilizada para benfeitorias na favela.
Ele afirma que, se não fosse a atuação do SEBRAE na comunidadeesse empreendimento não seria possível. E não apenas este, mas vários outros comércios do Vidigal, como o já famoso restaurante Barlacobaco, dependeram da assessoria do SEBRAE para se regulamentar.
Para Gosi, mesmo após a vinda da UPP ainda faltam muitas coisas na comunidade: “Tudo o que é básico não veio, saneamento, educação, saúde”. Para ele, dentro de dez anos o perfil da comunidade será outro, com muita gente de fora e com mais dinheiro morando lá: “Não há espaço para crescimento no Leblon, muito menos em São Conrado, o lugar para especulação é o Vidigal”, diz, entre esperançoso e resignado.
Essa virada de ano foi tranquila no Vidigal, tanto para os moradores quanto para os de fora. Os bares que abriram lucraram bastante, e segundo o comando da UPP, este foi o primeiro ano em que não houve nenhuma ocorrência policial séria no Réveillon.

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